terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Presidenta, sim!

O Brasil ainda está longe da feminização da língua ocorrida em outros lugares.

     Dilma Rousseff adotou a forma “presidenta”, que assim seja chamada

     Se uma mulher e seu cachorro estão atravessando a rua e um motorista embriagado atinge essa senhora e seu cão, o que vamos encontrar no noticiário é o seguinte: “Mulher e cachorro são atropelados por motorista bêbado”. Não é impressionante? Basta um cachorro para fazer sumir a especificidade feminina de uma mulher e jogá-la dentro da forma supostamente “neutra” do masculino. Se alguém tem um filho e oito filhas, vai dizer que tem nove filhos. Quer dizer que a língua é machista? Não, a língua não é machista, porque a língua não existe: o que existe são falantes da língua, gente de carne e osso que determina os destinos do idioma. E como os destinos do idioma, e da sociedade, têm sido determinados desde a pré-história pelos homens, não admira que a marca desse predomínio masculino tenha sido inscrustada na gramática das línguas.

     Somente no século XX as mulheres puderam começar a lutar por seus direitos e a exigir, inclusive, que fossem adotadas formas novas em diferentes línguas para acabar com a discriminação multimilenar. Em francês, as profissões, que sempre tiveram forma exclusivamente masculina, passaram a ter seu correspondente feminino, principalmente no francês do Canadá, país incomparavelmente mais democrático e moderno do que a França. Em muitas sociedades desapareceu a distinção entre “senhorita” e “senhora”, já que nunca houve forma específica para o homem não casado, como se o casamento fosse o destino único e possível para todas as mulheres. É claro que isso não aconteceu em todo o mundo, e muitos judeus continuam hoje em dia a rezar a oração que diz “obrigado, Senhor, por eu não ter nascido mulher”.

     Agora que temos uma mulher na presidência da República, e não o tucano com cara de vampiro que se tornou o apóstolo da direita mais conservadora, vemos que o Brasil ainda está longe da feminização da língua ocorrida em outros lugares. Dilma Rousseff adotou a formapresidenta, oficializou essa forma em todas as instâncias do governo e deixou claro que é assim que deseja ser chamada. Mas o que faz a nossa “grande imprensa”? Por decisão própria, com raríssimas exceções, como CartaCapital, decide usar única e exclusivamentepresidente. E chovem as perguntas das pessoas que têm preguiça de abrir um dicionário ou uma boa gramática: é certo ou é errado? Os dicionários e as gramáticas trazem, preto no branco, a forma presidenta. Mas ainda que não trouxessem, ela estaria perfeitamente de acordo com as regras de formação de palavras da língua.

     Assim procederam os chilenos com a presidenta Bachelet, os nicaraguenses com a presidenta Violeta Chamorro, assim procedem os argentinos com a presidenta Cristina K. e os costarricenses com a presidenta Laura Chinchilla Miranda. Mas aqui no Brasil, a “grande mídia” se recusa terminantemente a reconhecer que uma mulher na presidência é um fato extraordinário e que, justamente por isso, merece ser designado por uma forma marcadamente distinta, que é presidenta. O bobo-alegre que desorienta a Folha de S.Paulo em questões de língua declarou que a forma presidenta ia causar “estranheza nos leitores”. Desde quando ele conhece a opinião de todos os leitores do jornal? E por que causaria estranheza aos leitores se aos eleitores não causou estranheza votar na presidenta?

     Como diria nosso herói Macunaíma: “Ai, que preguiça…” Mas de uma coisa eu tenho sérias desconfianças: se fosse uma candidata do PSDB que tivesse sido eleita e pedisse para ser chamada de presidenta, a nossa “grande mídia” conservadora decerto não hesitaria em atender a essa solicitação. Ou quem sabe até mesmo a candidata verde por fora e azul por dentro, defensora de tantas ideias retrógradas, seria agraciada com esse obséquio se o pedisse. Estranheza? Nenhuma, diante do que essa mesma imprensa fez durante a campanha. É a exasperação da mídia, umbilicalmente ligada às camadas dominantes, que tenta, nem que seja por um simples -e no lugar de um -a, continuar sua torpe missão de desinformação e distorção da opinião pública.

Marcos Bagno é professor de Linguística na Universidade de Brasília

Um falcão no comando do PT

Autor: Raymundo Costa - Valor Econômico - 20/12/2011

     Oficialmente, o PT deve insistir, em 2012, na criação de um marco regulatório da imprensa, projeto que se transformou em cavalo de batalha de seu presidente, o deputado estadual Rui Falcão (SP). Ele diz que "não se trata de controlar conteúdos, mas fazer valer o que está na Constituição". Falcão julga que há muito preconceito e desinformação sobre a bandeira assumida pelo PT.

     É uma resolução formal do partido com a qual o governo, até agora, tem evitado se comprometer. A proposta confeccionada ainda no governo Lula está guardada em alguma gaveta do ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, e não há indício de que ele esteja prestes a enviá-la ao Congresso. Falcão esperava que Bernardo comparecesse ao seminário que o PT realizou sobre o assunto. O ministro não foi e nem mandou representante.

     Era expectativa do PT, também, que o Ministério das Comunicações apresentasse o projeto para consulta pública até o início de dezembro. Isso também não aconteceu. Mas Franklin Martins, ex-ministro da Pasta, compareceu ao seminário petista e foi um dos palestrantes.

     É possível que Bernardo apenas não quisesse se associar a uma iniciativa que é vista como o passo inicial para o controle da imprensa. Mas a movimentação do presidente do PT deve ser acompanhada com atenção.

     Em pouco mais de um ano, Falcão se consolidou na presidência da sigla, embora não fizesse parte do antigo Campo Majoritário de Lula e José Dirceu.

     Ele também estabeleceu uma rotina na relação com Dilma. Antes era uma reunião mensal. "Agora foi acertado que, toda vez que houver uma necessidade, dela ou minha, a gente se comunica e acerta um horário", explica o deputado. "Eu não a procuro para pedir (cargos e verbas) e nem ela me procura para falar de coisas triviais", diz.

     Falcão e Dilma têm um relacionamento de cerca de 40 anos. A amizade sofreu algum abalo na campanha da presidente, quando ele e o atual ministro Fernando Pimentel (Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior) se desentenderam por conta da montagem de um suposto grupo de espionagem política no comitê eleitoral da candidata.

    Hoje, o próprio Falcão faz questão de acentuar que ele e Dilma mantêm "uma relação política de alto nível, respeito mútuo e confiança".

     O deputado paulista assumiu o comando do PT com o afastamento do ex-presidente José Eduardo Dutra, em abril último, por motivos de saúde. Em outras circunstâncias talvez o PT realizasse uma nova eleição, pois o cargo é de um integrante do grupo majoritário - Falcão era vice de Dutra. Para não agravar disputas domésticas o PT fez um acordo entre tendências e o vice assumiu a cadeira do titular.

     Desde então, Falcão viajou por todas as regiões do país visitando a militância petista. Equilibrando-se com habilidade entre as diversas correntes, consolidou-se. Prova disso são as manifestações do governador gaúcho Tarso Genro, que sempre foi um crítico do "paulicentrismo" petista e hoje afirma que a condução do PT ganhou um caráter nacional.

     Falcão não é do "grupo do Zé Dirceu", como se diz no PT. Mas também não seria um presidente tão à vontade no cargo, se não estabelecesse uma boa relação política com o ex-ministro. Provavelmente sente-se incomodado com as notícias segundo as quais é José Dirceu quem manda de fato no PT, mas prefere correr em sua defesa quando se insinua a presença do ex-chefe da Casa Civil em situações como a nomeação do novo presidente do BRB (Banco de Brasília). "É mentira", diz Falcão. "Tudo é Zé Dirceu na cabeça desse pessoal".

     É esse o contexto em que Rui Falcão se prepara para conduzir o PT na eleição municipal do próximo ano. Uma resolução do partido determina que o marco regulatório da imprensa deve ser assunto de campanha. É possível que o PT entre em 2012 com essa determinação. O difícil será manter o assunto quando a campanha for dominada pelos assuntos municipais que efetivamente definem as eleições

     "Queremos o que está na Constituição. Só. Não queremos mais nada, além disso. Os artigos 220, 221 e 222 da Constituição, que proíbem políticos de ter concessão e a propriedade cruzada, entre outras coisas".

     O que o PT quer - acentua Falcão - "é proteger o negócio de radiodifusão das teles, o pessoal não se informa, tem preconceito". Segundo Rui Falcão, o faturamento das teles (operadoras dos sistemas de telefonia), ano passado, "foi 13 vezes maior que o de todo o conjunto da radiodifusão do país". Ou seja, na opinião do presidente do PT trata-se de um gigante (na verdade, Falcão diz estar falando apenas das quatro grandes teles do país) que, se não tiver regulação, vai engolir o mercado da difusão no país. "O que vai funcionar é o mercado, e o mercado é cruel".

     "A regulação não é para a mídia impressa", diz Falcão. Segundo ele, essa é uma confusão deliberada feita por quem se opõe à criação do marco regulatório. "A mídia impressa não é concessão", explica. Mas é o mesmo Rui Falcão quem ressalva: "A mídia impressa a gente queria botar menos anúncio oficial e fazer com que ela (as empresas) paguem o papel pelo preço normal. Ele está subsidiado até hoje".

     Como a Lei de Imprensa, um entulho autoritário do regime militar de março de 1964, foi revogada por decisão do Supremo Tribunal Federal, o presidente do PT acha que alguma coisa deve ser colocada no lugar para assegurar o "direito de resposta". A legislação atual "é muito vaga", afirma. "Agora não pode haver nada prévio, esse negócio de impedir a divulgação de matéria não pode, tem que ser depois. Eu sou contra controlar conteúdos, a não ser nos meios eletrônicos naquilo que a Constituição dispõe - proteção à criança e ao adolescente, direitos humanos".

     "E porque no mundo todo tem agência reguladora e aqui não pode ter? EUA tem, a Europa toda tem. Na Europa, para cada hora de televisão você pode ter no máximo 12 minutos de propaganda. Aqui nós temos a TV paga com quase tanto anúncio quanto a TV aberta", diz.

     No momento em que ventos do cone sul sopram com ameaças à liberdade de expressão, não há pombas no PT, quando o assunto é regulação da imprensa.

Raymundo Costa é repórter especial de Política, em Brasília. Escreve às terças-feiras

CARTA ABERTA AO GOVERNADOR AGNELO QUEIROZ - DF

CARTA ABERTA AO GOVERNADOR AGNELO QUEIROZ - DF

DO: FÓRUM DO DISTRITO FEDERAL E ENTORNO PELA REFORMA AGRÁRIA E JUSTIÇA NO CAMPO, CENTRAL ÚNICA DOS TRABALHADORES DO DISTRITO FEDERAL – CUT/DF e SECRETARIA AGRÁRIA DOP PT - DF

PARA: AGNELO QUEIROZ
MD.: GOVERNADOR DO DISTRITO FEDERAL

C/C para: Paulo Tadeu - Secretário da Secretaria Geral de Governo e Francisco Machado - Coordenador da Coordenadoria das Cidades do GDF

ASSUNTO: ENCAMINHAMENTOS DE SOLUÇÃO PARA AS QUESTÕES AGRÁRIAS DO DF E ENTORNO – despejo de famílias de trabalhadores rurais sem terra da “Faz Quilombo”, área pública pertencente ao DF

NESTA

Senhor Governador,

     São graves os problemas que se abatem sobre o território rural do DF, em termo de ocupação e uso de suas terras, em especial as de domínio público. As diretrizes consignadas no Programa "Novo Caminho" e as resoluções aprovadas na Primeira Conferência sobre Desenvolvimento Rural Sustentável, organizada pela SEAGRI, que, entre outras coisas, apontam para o ordenamento da estrutura fundiária do DF objetivando o cumprimento da função social da propriedade da terra, infelizmente não vêm sendo observadas.

     Para além da falta de medidas que combatam a grilagem de terras públicas, que somente uma discriminatória administrativa seria capaz de aplacar, como agravante, chama-nos especial atenção , o fato de a citada Secretaria romper acordos celebrados com representações dos trabalhadores rurais do DF e Entorno, encaminhando, em meio as festas natalinas, pelo despejo de famílias de sem terra, ocupantes de áreas públicas pertencentes ao DF, as quais por determinação constitucional deveriam, prioritariamente, serem destinadas ao Programa de Reforma Agrária.

     O caso supra reporta-se as 48 famílias de sem terra, ocupantes da "Fazenda Quilombo", situada na região de São Sebastião, pertencentes ao Movimento dos Agricultores Sem Terra, - MAST , vinculado à FETADF, as quais foram despejadas hoje, não obstante o acordo celebrado com a SEAGRI para permanecerem na área, segundo informações, a qual deveria ser destinada ao INCRA para criação de um Projeto de Assentamento.

     Acrescente-se que a referida área já vinha sendo explorada com o plantio de milho e outras culturas, com estudos de solos e viabilidade econômica conclusos que permitem perfeitamente a estruturação de um Projeto de Assentamento em moldes sustentáveis. Por oportuno, cabe lembrar que a presente questão foi objeto de acerto da SEAGRI com a Ouvidoria Agrária Nacional, no sentido de garantir os direitos dos ocupantes da área e apresentar solução pacifica para o caso - subtende-se que este entendimento também foi desconsiderado.

     Ante o exposto, esta Secretaria Agrária, juntamente com as entidades do Fórum do DF e Entorno pela Reforma Agrária e Justiça no Campo, signatárias do presente, em fiel observância aos compromissos do PT, entre os quais se enquadram a reforma agrária e o apoio aos trabalhadores rurais sem terra que lutam pela sua execução, ao mesmo tempo em que apresenta seu veemente protesto ao alusivo ato , não condizente com o perfil de um Governo Democrático Popular, e, muito menos, com a práxis petista , solicita ao companheiro Governador o reexame da questão e a restituição da mencionada área às famílias despejadas, para o assentamento definitivo das mesmas, em projeto de reforma agrária a ser conduzido pelo INCRA, restabelecendo, com isto, o acordo preteritamente firmado e a relação de confiança com os trabalhadores.

No aguardo de resposta subscrevemo-nos

Brasília (DF), 19 de dezembro de 2011.

Assinam esta carta

Cleusa Maria Cassiano – CUT-DF; Vera Lúcia Martins Ramos - Coord.do Fórum do DFE p/RAJC; José Vaz Parente - Secretaria Agrária do PT/DF; Luiz Afonso Arantes - MST/DFE;Romildo José Machado – FETADFE; Francisco Miguel de Lucena – FETRAF/DFE; Gilberto Euripedes Gomes – MAST; Vicente de Almeida – SINPAF; Joaquim R. dos Santos Filho – CNASI; Eunício Alves Silva – MBST; Gaspar Martins de Araújo – MST; Ivanilde Maria de Jesus – UNIBRAS; Maria da Graça Amorim - FETRAF-Brasil/CUT; Silvio Menezes - Setorial do Meio Ambiente do PT/DF; Antônio Julio Nogueira da Silva – MATR; Modesto de Oliveira - SINTRAF-DF; Oton Pereira Neves – SINDSEP-DF; Acácio Zuninga Leite – ASSERA-BR; Rubens Martins – COTAE; Yuri Soares Franco - DCE – UnB; Eliane Maria F. dos Santos – MAST; Elizângela Araújo – SINPAF; Geraldo Francisco Coelho – PT-DF; Gerson Teixeira - Câmara Federal; Luiz Cláudio Mandela – CARITAS; Jaderson Barros dos Santos – MST; João Batista F. Freitas - STTR/FORMOSA; José Antônio N. de Assis – FETADFE; José Claudio Cardoso Leite – PT-DF; José Maria Alves Nunes – PT-DF; José Mario de Souza – MBST; Juruna Fº Alves de Souza – Pres. Ass. Agric. de Planaltina; Lúcia Marina Santos - MST/DFE; Luiz Moura – EKIPNATURAMA; Luiz Soares – SINPAF; Mayrá Lima – MAB; Mari Cristina de Araújo - PT/DF; Maria José (Zezé) - FETRAF-Brasil

Assinaturas em adesão ao documento do FÓRUM DO DISTRITO FEDERAL E ENTORNO PELA REFORMA AGRÁRIA E JUSTIÇA NO CAMPO, CENTRAL ÚNICA DOS TRABALHADORES DO DISTRITO FEDERAL – CUT/DF e SECRETARIA AGRÁRIA DOP PT - DF

Maria Cazé – MPA; Marina dos Santos – MST; Mirian Vaz Parente – SINDSEP-DF; Nicinha Porto – CONTAG; Olena Valente Rodrigues – MATR; Olieta Pereira Gomes – SINDSEP-DF; Paulo Viturino Barros – SINTRAF; Raimundo Edson Maia – PT-DF; Raimundo João Amorim Pereira – PT-DF; Rita de Cássia Cardoso Leite – Via Campesina; Ana Lima – Via Campesina; Sílvia Yuri – MAB; Silvio Santana – ESQUEL; Tereza de Alencar – SINDSEP-DF; Vanderli Ferreira Lopes – CONTAG; Vanderlino Félix da Silva - PA BARRA I; Vinicius Melo T. de Freitas - SINPAF/HORTALIÇAS; Wilson M. Brito – MTD;

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

CONFERENCIA NACIONAL DE POLITICAS PARA AS MULHERES

Uma Conferencia eficiente

*Terezinha Vicente - sábado 17 de dezembro de 2011

     Uma conferencia eficiente, do ponto de vista da aferição das demandas históricas das mulheres. Com foco principal na autonomia econômica e financeira da mulher, coerente com a estratégia adotada pelo governo Dilma, a plenária colocou as principais polêmicas e disputas em outros temas.

     Acontecem coisas muito diversas numa conferencia de mulheres, onde estão reunidas cerca de 3 mil delas (2.781 delegadas, mais 200 convidadas e as trabalhadoras do evento), vindas de um processo que envolveu em todo o país cerca de 200 mil mulheres. Elas se (re)encontram e comemoram, abraçam-se, dançam, cantam, batucam, fazem rodinhas de conversa, cirandas, recolhem assinaturas para as moções, compram, emocionam-se. Tudo isso, além da programação propriamente dita, plenárias, mesas redondas, conferencias, shows. Uma explosão de criatividade.

     A 3ª Conferencia de Políticas para as Mulheres, a primeira sob o governo Dilma, realizou-se sob uma tensão permanente, como disse a Ministra Iriny Lopes. Forte boataria, com a ajuda da grande mídia nacional, criou a principal tensão vivida nas semanas que antecederam esta conferência: a notícia de que as Secretarias Nacionais da Mulher e da Igualdade Racial seriam extintas. A presidenta Dilma fez questão de reafirmar a importância de sua existência e de comprometer-se com a sua manutenção em seu governo. "Diferente do que vem se falando, a secretaria não será extinta. Ela é fundamental como instrumento de governo para que a gente continue avançando na luta pela igualdade de gêneros", defendeu a presidenta.

     Outras tensões estiveram no ar o tempo todo, algumas geradas pela metodologia do encontro, outras por falhas e violências na prestação de serviços, outras criadas pelas próprias participantes da conferência. Estas últimas, as tensões internas, são as mesmas colocadas pela luta de classes no dia a dia, pois todos os segmentos sociais estão representados numa conferência, que pretende ser instrumento de democracia participativa para aferir demandas de todas as tribos. Preconceitos e discriminações "aparecem" no convívio, valores e modos de vida diferente se revelam, e às vezes surpreendem, práticas distantes dos discursos feministas mostram as contradições do nosso caminhar.

     Foi a participação política, a cumplicidade de gênero, a vivência da solidariedade, da visão coletiva, amorosa e igualitária a formar tantas feministas, valores que conduziram e ampliaram o movimento de mulheres no Brasil, conquistando espaços e políticas. Entretanto, o individualismo e a violência, propagandeados cotidianamente pelos meios de comunicação e por outras instituições, também contaminam as mulheres. Apareceram em várias situações, revelando o quanto a conscientização para o coletivo está distante da maioria da população. Aparecem também as mulheres guerreiras da vida inteira, lutadoras por justiça e liberdade em seus locais, e nunca notícia na mídia. O aprendizado intensivo foi permanente nesta conferência , pela programação extensa para tão poucas horas, pelas manifestações organizadas por segmentos da nossa diversidade.


Enfrentamento ao racismo e à lesbofobia

     A mudança de metodologia, priorizando o debate da autonomia econômica e financeira da mulher (todos os grupos no primeiro dia discutiram este tema), deixou apreensivas as mulheres que tem no eixo 9 do segundo PNPM (Plano Nacional de Políticas para as Mulheres) - Enfrentamento do racismo, sexismo e lesbofobia -, sua prioridade. A orientação dada foi de que todos os grupos incorporassem na sua discussão as dimensões de raça e etnia, orientação sexual e geracional e houve o painel 2, com lideranças representativas das lésbicas, indígenas e negras, mas não foi considerado suficiente na compreensão de todas as mulheres desses grupos. As mulheres com deficiência, não citadas formalmente nos eixos, nem colocadas nas mesas, unidas a estas, exigiam ter os segmentos incluidos no texto de cada proposta. Propostas para citar também indígenas, quilombolas, povos da floresta, populações ribeirinhas, do campo e da cidade... etc. Ainda bem que na plenária final, a resolução proposta pela metodologia tinha no início do texto esses princípios, nas "resoluções de caráter geral", ratificando a importância do eixo 9 e reconhecendo "a insuficiência da estratégia da transversalidade".

     A superação dos problemas enfrentados foi uma constante, a SPM agiu rapidamente em todos, mas só foi dado conhecimento para aqueles cujo inconformismo com as situações levou a denúncias e manifestações em plenária. Quase ao final do evento, a Ministra Iriny veio ao microfone para esclarecer as medidas tomadas frente a denúncias de racismo, que teria sido praticado por funcionários da empresa prestadora de serviços. As mulheres negras da plenária foram mobilizadas a ir na frente, encabeçadas pela mãe de Santo Rita de Cássia Maciel, de Minas Gerais, que disse ter acontecido aqui os tipos de agressão recorrentes contra o povo "de terreiro", e que uma delas teria sofrido inclusive violência física.

     "Dialogamos com a empresa", disse a Ministra Iriny, "no sentido de reafirmar que não toleramos e não convivemos com o racismo na sociedade, não conviveremos com o racismo na Conferência". As medidas adotadas foram procurar a Ouvidoria da SEPPIR, pelas denunciantes, e abrir Boletim de Ocorrência. A SPM colocou também sua Ouvidoria para acompanhar a questão. "Isso é natural para nós", falou Iriny, "é para isso que as ouvidorias foram constituídas, elas são uma conquista". Vários outros problemas aconteceram na "conferencia, que está sob tensão desde o seu início", segundo a Ministra, alguns dos quais obrigaram a SPM a se explicar e pedir desculpas. "Não houve omissão em nenhum deles, não perdemos a capacidade de dialogar e não compactuamos com o constrangimento a ninguém!"


"hotel de luxo, nao quero não a gente faz ocupação"

     No credenciamento, teve início a maior tensão de todas. Começou porque algumas delegações foram hospedadas em hotéis próximos ao Centro de Convenções Ulysses Guimarães, onde se realizou o evento, e outras estavam em hotéis mais simples e distantes ou alojamentos coletivos. Inclusive as maiores delegações, SP, MG, RS e RJ, cerca de 900 participantes, foram destinadas ao Centro de Formação da CNTI (Conf.Nacional dos Trabalhadores na Indústria), situada em Luziânia (GO). Depois que resolvemos ir, parte de outras delegações - ES, BA, AM, e avulsas - decidiram ocupar os lugares deixados.

     Ninguém gostou da distância, mas os segmentos das "barbies/peruas" das delegações, como também o dos partidos de oposição ao governo, sobretudo o paulista (claro!) começaram a espalhar o terrorismo, dizendo que o local era perigoso, que não se poderia deixar o computador, que havia lama e bichos. A reação das militantes - acostumadas a improvisar alojamento nas lutas - foi imediata, a criação de palavras de ordem tentava abafar o alarido das revoltadas, que ameaçaram ir à justiça, retirar-se da conferência, não poupando nem a Presidenta Dilma, na única conferência deste ano em que fez presença.


"hotel de luxo é prá turista a nossa causa é feminista!"

     Aconteceu, segundo as explicações da SPM, que a empresa vencedora da licitação para a organização física da conferência, abandonou o trabalho dias antes da sua realização, derrubando os hotéis que haviam sido reservados, e hotéis continuavam a ser buscados pela equipe do governo até a noite de abertura da conferência, com pouco sucesso. Partes de algumas delegações, sobretudo as representantes governamentais, como as de SP, dirigentes de partidos e organizações sindicais, saíram em busca de melhor hospedagem, utilizando recursos que a maioria não tem.

     Assim, a CNTI acabou hospedando apenas 600 mulheres, sendo que a maior delegação, a paulista (344), foi a que menos ocupou os quartos na sede para trabalhadores. Em compensação, foi agradável a surpresa quando encontramos um lugar muito bom, com uma estrutura de clube de campo, quartos confortáveis, bom café da manhã. E a convivência entre as mulheres, que rendeu até uma baita festa, com churrasco organizado pelas gaúchas, que botou muitas prá dançar na noite de quarta-feira, véspera do último dia da conferência. O preconceito contra a classe trabalhadora, seus espaços e suas causas, começava a manifestar-se ali.


Contra a hipocrisia, pela legalização do aborto

     Entretanto, o tema de maior disputa na plenária foi - uma vez mais - a legalização do aborto, questão central na luta por autonomia para as mulheres. Boa parte das delegadas, inconformada com o "consenso" construído pela relatoria, e o não debate do tema pela plenária, foi mobilizando uma indignação manifestante, que obrigou a mesa a retomar a questão no final dos trabalhos. Embora a formulação das propostas, a junção de tudo o que saiu nos grupos, tenha sido feliz na maioria dos temas, incluindo este, não poderíamos aceitar a proposta sem colocar claramente a reivindicação de "legalização" do direito ao aborto, conquista muito cara das feministas em alguns partidos e movimentos, e necessária para acabar com a hipocrisia reinante, que permite a quem tem boa condição econômica realizar abortos seguros.

     Um racha no movimento feminista brasileiro parecia estar prestes a acontecer, enquanto a pauta seguia com outros assuntos. Rodas de discussão paralelas se formavam e cresciam... Ao final das votações das propostas de todos os temas, a mesa acatou os fortes pedidos de voltar ao assunto. Acontece que houve um acordo entre as maiores e tradicionais organizações feministas e componentes da SPM e da relatoria sobre a questão, com base também na moção que circulou a favor da reivindicação. O texto estava muito bom, mas a escolha de não promover o debate e votação pela legalização deixou alguns GTs, que a aprovaram, insatisfeitos, assim como muitas das ativistas que haviam circulado a moção e apostavam na sua aprovação. Católicas pelo Direito de Decidir e a Liga Brasileira de Lésbicas solicitaram que a questão fosse a voto, como ocorreu em outras reivindicações onde havia divergência.


Painel sobre Autonomia

     Vera Soares, que participou da relatoria, defendeu a posição pela descriminalização, lembrando o quanto este tema foi polêmico na campanha da presidenta Dilma, e que "construir um texto de consenso foi o caminho escolhido". Naiara Malavolta, da LBL e da MMM do RS, defendeu a legalização; a plenária estava toda ouriçada, boa parte se manifestava perto da mesa. A posição contrária veio lá do fundão calado, defendida por uma delegada que portava aquela figura de um "bebezinho", utilizada há muito tempo pelos fundamentalistas para pregarem contra o direito para todas as mulheres. Ganhamos, e a legalização foi incluída na formulação da proposta que deverá ir para o novo plano de políticas públicas. Foi um dos momentos mais emocionantes da Conferência, pela vitória dos movimentos, que precisavam daquilo.


Cultura e comunicação: estratégicas ou transversais?


GT Educação, cultura e comunicação

     Ativistas de outros eixos do plano vigente também se sentiram prejudicadas, sobretudo do 8 - Cultura, Comunicação e Mídia Igualitárias, democráticas e não discriminatórias - ainda que possa também ser trabalhado transversalmente. A politização do tema, a importância da incidência na educação e na formação de valores, a dúvida em relação ao que veicula a radiodifusão comercial (concessões públicas!), o que se entende por cultura, infelizmente, assuntos ainda não popularizados, com necessidade de muita formação. Nesta conjuntura nacional, a luta por um novo marco regulatório das comunicações, que coloque limites na propaganda ideológica permanente a que estamos submetidos dentro de nossas casas, tornou-se estratégica e urgente. O assunto foi tema de uma roda de conversa, a cargo de Rachel Moreno (Observatório da Mulher) e Fátima Jordão (Instituto Patrícia Galvão).


"Tô de olho"...

     A autonomia cultural foi o tema 2 do segundo dia de debates, juntando o eixo 8 com o 2 - educação inclusiva, não sexista, não racista e não lesbofóbica. Como sempre acontece nesta junção, a educação acaba ocupando mais tempo nos debates, pois é grande a presença de servidoras na área, como também de educadoras e ativistas. Aliás, aqui existiam alguns educadores (sexo masculino) como delegados. A discussão sobre a dominação cultural exercida, opressora da autonomia e da liberdade, e disseminadora de preconceitos e de doenças de todos os tipos, nunca é feita. O papel da comunicação de massas na difusão dos valores que sustentam a dominação, também não. E é assunto priorizado por poucas mulheres. Rachel Moreno tentou, na plenária, reabrir a discussão, colocando a necessidade das propostas do Eixo 8 e da Plataforma de Beijin no tocante a este tema, terem implementação imediata; também destacou a proposta de introdução nos currículos escolares de leitura crítica da mídia, pois sabia de sua aprovação em alguns grupos. Mas as propostas tiveram aprovação apenas em dois grupos, por isso não foram para debate na plenária. Uma pena.

     Outros assuntos importantes, sobretudo para a formação das mulheres, foram temas das rodas de conversa simultâneas: pensar políticas para a pluralidade, historia das desigualdades entre mulheres e homens, as políticas e as diferenças de geração, experiências da gestão pública, orçamento para políticas para as mulheres, um olhar internacional, mulher e participação política. Acontece que elas eram simultâneas também com o horário do almoço!!! E as filas para almoçar, o trânsito difícil entre as mesas, escovar os dentes, levavam mais que uma hora! Fora a exposição e venda de artesanatos e outras coisas interessantes que foi organizado desde os Estados, e nos quais muitas mulheres esperavam encontrar seus presentes de fim de ano. E as filas nos stands dos patrocinadores para receber as lembranças. Além de tudo isso, as organizações nacionais do movimento, de segmentos, apresentações culturais, lançamentos de livros e campanhas, chamavam também para o intervalo do almoço... Uma rica mostra da enorme diversidade que compõe nossas mulheres, mas estressante como uma múltipla jornada de trabalho!


A política e as mulheres

    E frustrante quando a gente engole a comida, perde um pedaço de alguma outra coisa para ver aquela conversa que te interessa e, chega lá, foi cancelada! Aconteceu comigo e tantas outras, em relação à roda de conversa "Mulher e Participação Política", com as deputadas Janete Pietá, Benedita da Silva, Luciana Santos e Luiza Erundina, e com as senadoras Lídice da Mata e Ana Rita. Assunto dos mais importantes às vésperas de um ano eleitoral, num país com um dos piores índices de participação política da mulher, mas o Itamaraty convocou as parlamentares - parece que para acompanhar a delegação estrangeira.

     O destaque foi Michelle Bachelet, que fez uma conferência muito concorrida no final do segundo dia de debates. Como sempre, homens e instituições aproveitando e usando o tempo das mulheres. Não poderiam ter previsto horários distintos para as duas coisas? A delegação estrangeira, apresentada no encontro com a Secretária Geral Adjunta da ONU e Diretora Executiva da ONU Mulheres, era bem significativa, composta por representantes de organismos de mulheres em seus países, ou representantes de embaixadas no Brasil - Chile, Peru, El Salvador, Uruguai, Venezuela, Timor Leste, Coréia do Sul, Espanha, Grécia, EUA.



Alegria e prazer ao fim e ao cabo

     Talvez o período mais emocionante e emocionado de toda a conferência tenha sido o show de Zélia Duncan. Além de ter uma legião de fãs entre as feministas, ela escolheu o repertório a dedo. Cantou Pagu (música feita com Rita Lee), Raul e Cássia Eller, além de suas melhores e conhecidas músicas, que transformaram a plenária num grande coro dançante... No dia seguinte, foi a vez da moçada cair no samba, com o show do grupo de Brasília, SaiaBamba. As Blogueiras Feministas participaram da cobertura da 3ª Conferência, leia os artigos no blog. A Abraço (Associação nacional das rádios comunitárias), instalou no espaço a "Abraço no Ar", realizando seguidas entrevistas e reportagens que podem ser ouvidas no site.

     Com tudo, e por tudo, foi realmente uma histórica conferência nacional de mulheres! Cujo resultado é sem dúvida positivo. Com certeza, nas listas de reivindicações estão as demandas mais sentidas pelas mulheres deste Brasil em ebulição, mas a maioria não sabe disto. Para construir as propostas, na prática, em muitas cidades e em alguns dos estados mais importantes, estão mulheres reacionárias, conservadoras, que conquistam espaços doados pelos homens, em governos afinados com os valores da elite racista, machista e capitalista, detentora dos verdadeiros poderes em nosso país.

     Precisamos urgente ter liberdade de expressão para todos e todas, ter uma comissão da verdade inteira, superando de vez a opressão da ditadura que fez calar as milhares e diferentes vozes que compõe o nosso povo. Só quando pudermos ouvir com a mesma força, e espaço público correspondente, os milhões de brasileiras e brasileiros ainda hoje sem voz, começaremos a desenvolver nossa democracia. Precisamos concretamente romper com a propaganda ideológica que nos controla, induzindo, a nós e a nossas crianças, ao consumismo, à banalização da violência, do sexo, ao descarte rápido das coisas e das pessoas, ao levar "vantagem em tudo", ao individualismo.

     Precisamos cuidar para que a maior participação da mulher, sobretudo na política, cantada atualmente em verso e prosa, na televisão e no carnaval, não seja objeto de mais uma apropriação e deturpação indevida da causa feminista. Queremos apenas transformar o mundo, salvar o planeta e a vida, para que toda a humanidade tenha autonomia e liberdade, desfrute do bem viver e da possibilidade de criar...

Ver online : Veja site e blog da Conferencia



quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Esquerda Popular e Socialista é a nova tendência nacional do PT


     Nova corrente do PT foi fundada em congresso, neste final de semana, na Escola Florestan Fernandes do MST, em Guararema.

Por Esquerda Popular e Socialista - Terça-feira, 6 de dezembro de 2011


     “Agora, agora é pra valer, Esquerda Popular Socialista do PT”. Com o grito de ordem encerrou-se no domingo, 4 de dezembro, na Escola Nacional Florestan Fernandes, do MST, o Congresso Nacional de Fundação da Esquerda Popular e Socialista, a nova tendência nacional do Partido dos Trabalhadores. A Esquerda Popular e Socialista nasce com musculatura política e social e está organizada em 18 Estados brasileiros, fortemente vinculada com os movimentos sociais. A abertura do Congresso Nacional de Fundação da Esquerda Popular e Socialista aconteceu no dia 2, na sede do PT Nacional, em São Paulo, e contou com a presença de lideranças de outras tendências petistas e de movimentos sociais brasileiros. Nos dois dias seguintes, as atividades ficaram concentradas na Escola Florestan Fernandes.

     De caráter socialista e com referência filosófica no marxismo, a nova EPS aglutina correntes nacionais e regionais à esquerda do partido, e tem como compromisso disputar os rumos do PT para que ele se estabeleça como um partido capaz de aprofundar e radicalizar a disputa pela reformas estruturais na perspectiva democrática e popular, defendendo o governo Dilma e aprofundando as reformas iniciadas nos dois mandatos de Lula.

     “A fundação da tendência Esquerda Popular e Socialista representa a possibilidade da realização de um debate capaz de incorporar novos atores e atrizes sociais com uma nova pauta, para que o PT seja o lugar dos lutadores e das lutadoras do povo,” afirma Angélica Fernandes, direção nacional da Esquerda Popular e Socialista e do diretório estadual do PT-SP. Segundo Angélica, a EPS incorpora pautas como o feminismo, a igualdade racial e o combate à homofobia como temas centrais junto à exploração de classe. “A participação positiva dos militantes durante todo o Congresso nos dá certeza de que seremos exitosos na tarefa que nos propomos realizar” conclui otimista.

     Para Renata Rossi, do Diretório Nacional do PT e da direção nacional da nova tendência, “os desafios são construir uma política partidária que tenha como elemento central o diálogo com os movimentos sociais e constituir uma política que aponte o socialismo como horizonte estratégico, reafirmando a centralidade da luta dos trabalhadores e das trabalhadoras, que consiga converter nossa força social em força partidária e que aponte o papel da institucionalidade como instrumento capaz de aprofundar a construção de uma sociedade mais justa, sem exploração e opressão de gênero e racial”.

Movimentos sociais


     João Paulo, dirigente do MST, afirmou que o movimento terá uma relação prioritária com a Esquerda Popular e Socialista e, num gesto de aproximação, entregou oficialmente uma bandeira do MST à nova tendência. Presente na abertura do congresso, o deputado federal e líder da bancada do PT na Câmara, Paulo Teixeira, da corrente Garantia de Luta, disse concordar com os dez pontos programáticos apresentados pela nova tendência. Para Teixeira, “a articulação entre a luta partidária e os movimentos sociais é um ponto extremamente importante para o PT.” O também deputado federal Arlindo Chinaglia, do Movimento PT, saudou a disposição da criação da nova corrente num momento em que, segundo o deputado, “a maioria está aderindo ao campo majoritário”. Arlindo ressaltou que a luta dos integrantes da nova tendência será árdua, mas necessária e importante.

     Segundo o deputado estadual Mauro Rubem (GO), da direção nacional da nova tendência, a Esquerda Popular e Socialista cumpre papel fundamental de trazer para o PT o acúmulo de todas as lutas dos movimentos sociais e sindicais do país. “O desafio é retomar essa centralidade do PT, na qual a presença da luta é o critério da verdade. Os lutadores e lutadoras que querem transformar o Brasil têm que ver no PT o instrumento que deve estar presente na luta do povo. A nossa tendência cria essa ferramenta dentro do partido”, afirma o parlamentar de Goiás.

     Também presente na abertura do Congresso, Ricardo Gebrin, da Consulta Popular, afirmou ver com bons olhos o movimento da nova tendência que retoma os conceitos do Encontro do PT de 1987 e remonta o debate do programa democrático e popular. Gebrin afirmou que a Consulta Popular irá trabalhar junto com a nova tendência, respeitando a autonomia de cada um.

Desafios do PT

     Na mesa sobre os desafios de organização do PT, as eleições municipais de 2012 foram apontadas como uma das importantes tarefas da nova tendência que tem como prioridade ampliar a representação nos espaços institucionais. O deputado federal pela Bahia, Valmir Assunção, avaliou ser possível e eleição de muitos vereadores e prefeitos em todo o Brasil vinculados à EPS. Para ele, uma das preocupações centrais é equacionar o fato de o PT estar cada vez mais na institucionalidade, sem deixar de fortalecer os movimentos sociais e o projeto socialista. “O acúmulo que temos nos parlamentos, executivos, movimentos e militância torna possível elegermos um bom número de vereadores e prefeitos, para que eles possam levar as experiências do PT para mudar a vida e a cultura do povo”, analisa Valmir Assunção.


Direção e calendário

     O Congresso de Fundação da Esquerda Popular e Socialista encerrou-se no domingo, 4 de dezembro, com a aprovação do nome da nova tendência, do regimento interno e com a eleição da direção que coordenará os trabalhos no próximo período.

     A direção nacional da Esquerda Popular e Socialista foi composta paritariamente por 34 mulheres e homens e conta com mais de 20% de jovens e de negros e negras. Na direção executiva nacional estão Renata Rossi, Angélica Fernandes, Julia Feitosa, Luciana Mandeli e Mauro Rubem, Ivan Alex, Shakespeare Martins e Valmir Assunção.

A Esquerda popular e socialista pretende ser uma tendência que:

1. Dispute decisivamente os rumos do PT;

2. Estabeleça relações orgânicas com os movimentos sociais, do campo e da cidade, priorizando sua atuação nas lutas de massa;

3. Tenha o socialismo como objetivo estratégico;

4. Tenha o feminismo e o combate ao racismo como princípios fundantes;

5. Convoque o movimento sindical e popular, os militantes da CUT, o conjunto dos lutadores sociais para se incorporar ao PT e a disputa dos seus rumos;

6. Priorize os diversos movimentos e pautas da juventude, os direitos humanos, a defesa da laicidade do Estado, o combate à intolerância religiosa, a luta contra a homofobia, a defesa dos povos indígenas e comunidades tradicionais, a luta anti-proibicionista, a luta pela democratização dos meios de comunicação e pelo direito à cultura;

7. Reivindique centralidade para a reforma urbana, para a luta ambiental e por um novo modelo de desenvolvimento, baseado na sustentabilidade;

8. Defenda a reforma agrária, agricultura familiar, a demarcação das terras indígenas, o reconhecimento das terras quilombolas e dos atingidos por barragens;

9. Busque uma atuação institucional que promova esses objetivos estratégicos, Fortalecendo o governo Dilma, na perspectiva de aprofundamento das conquistas sociais do povo brasileiro;

10. Priorize o debate e formação política permanente da sua militância.

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Omissão inaceitável (Artigo)

*Marta Suplicy

     Quanto mais a sociedade avança na compreensão e, consequentemente, na aceitação da homossexualidade, maior a reação homofóbica. Isso vem de uma parte da sociedade (minoritária, mas estridente) e tem se agravado: discursos contra gays, violência de rua e assassinatos.

     Há algumas décadas assistimos, na representação parlamentar, a um movimento em direção ao conservadorismo. Projetos como o de parceria civil entre pessoas do mesmo sexo, que apresentei há 16 anos, caducam.

     Desarquivei com relativa facilidade o projeto de lei da Câmara 122, que criminaliza a homofobia. O texto, de autoria da ex-deputada federal Iara Bernardi, levou quatro anos para ser aprovado. Depois, tivemos um valoroso trabalho da ex-senadora Fátima Cleide, que o aprovou na Comissão de Assuntos Sociais do Senado. Hoje ele está na Comissão de Direitos Humanos.

     A dificuldade que temos é a mesma de sempre: grupos religiosos que fazem da homofobia sua plataforma eleitoral, pessoas que confundem o combate aos atos de violência contra homossexuais com o apoio à união estável ou ao casamento e senadores nada interessados em se expor por um assunto cada vez mais radicalizado e mal compreendido por uma parte do eleitorado.

     A consequência desse apequenamento e conservadorismo dos parlamentares tem sido o aumento de crimes homofóbicos no Brasil e a judicialização de uma responsabilidade que é do Congresso.

     A Argentina, que tinha conduta conservadora em relação ao tema, aprovou, em julho de 2010, o casamento gay. Enquanto isso, temos espancamentos na avenida Paulista.

     Algumas ações têm ajudado a contrapor essa omissão que envergonha nosso país: a ação proposta ao Supremo Tribunal Federal pelo governador do Rio, Sérgio Cabral, que propiciou o histórico resultado favorável à união estável para casais homoafetivos, a impecável posição do dramaturgo Gilberto Braga na novela "Insensato Coração", esclarecendo milhões, o meu requerimento ao Conselho Nacional de Justiça pela regulamentação da união estável e textos como o de Contardo Calligaris (Ilustrada, 10/11), que interpretam psicanaliticamente o ódio homofóbico.

     Nesse momento, trabalho para aprovar no Senado um substitutivo ao PLC 122, com mudança no artigo 20, referente à liberdade de expressão. As modificações foram feitas em conjunto, por mim, por Toni Reis (presidente da ABGLT) e pelos senadores Marcelo Crivella e Demóstenes Torres.

     O Congresso brasileiro não pode continuar a reboque da sociedade. Já passou da hora de ele fazer sua parte para termos leis que reafirmem valores democráticos e humanitários neste mundo de outros valores que se descortina.

      *MARTA SUPLICY escreve aos sábados nesta coluna. FOLHA DE S. PAULO - SP


quarta-feira, 16 de novembro de 2011

As contradições do discurso ambiental no cerne do sistema capitalista

Por André Antunes*

     Dizer que determinada prática, produto ou empresa é ‘verde’ tornou-se quase um lugar-comum nos últimos anos: ‘verde’ qualifica aquele que se preocupa com o meio ambiente, com a preservação dos ecossistemas e com o futuro do nosso planeta como um todo. É quase como se tudo o que leve o selo ‘verde’ seja, por definição, positivo. Essa popularização do termo não ocorreu por acaso. Ela foi fruto da penetração cada vez maior da questão ambiental na agenda pública internacional. Não à toa, muitos dos debates feitos atualmente na área ambiental em âmbito global giram em torno da ‘economia verde’, concepção que tem sido adotada inclusive pela Organização das Nações Unidas (ONU) como resposta à crise econômica, ambiental e de escassez de alimentos.

     Mas o que prega a economia verde, propalada como uma promessa de integração entre crescimento econômico, preservação ambiental e redução da desigualdade? E quais são os principais problemas que pesquisadores e movimentos sociais ligados à questão ambiental identificam nas suas propostas?

Correntes do ambientalismo

     Por mais que seja difícil achar alguém que seja ‘contra’ a preservação do meio ambiente, não existe um consenso sobre qual é a melhor maneira de atacar o problema da degradação ambiental. O discurso da economia verde é apenas um dos que compõem o quadro do ambientalismo global, e, antes de falarmos especificamente dele, é necessário fazer um breve apanhado da historia e dos atores que compõem esse quadro.

     Os diferentes discursos ambientalistas costumam ser agrupados em três correntes principais, de acordo com a postura que adotam em relação ao crescimento econômico. No livro ’O Ecologismo dos Pobres’, o economista catalão Joan Martinez Alier afirma que o ambientalismo, como movimento reivindicatório autoconsciente e organizado surge na transição do século XIX para o XX, nos EUA. Chamada por ele de “culto ao silvestre”, essa primeira fase caracteriza-se pela postura de não contestar o crescimento econômico e os impactos ambientais dele decorrentes, defendendo, porém, a preservação e a manutenção de bolsões de natureza original fora da influência do mercado. Segundo Alier, a principal proposta política dessa concepção de ambientalismo consiste na criação de reservas naturais livres da interferência humana. “Essa corrente compreende que algumas áreas devem ser preservadas do acesso humano justamente pelos efeitos deletérios que as intervenções causam. Ela é importante para a história da ecologia por entender que manter áreas de preservação de florestas, por exemplo, é fundamental para a preservação da água e da atmosfera”, explica Alexandre Pessoa, professor-pesquisador da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz).

     As doutrinas dessa corrente, explica o livro de Alier, irradiaram-se dos EUA e Europa em direção à América Latina, Ásia e África, através das primeiras organizações ambientalistas transnacionais bem estruturadas, como a Worldwide Fund of Nature (WWF), a International Union for the Conservancy of Nature (IUCN) e a Nature Conservancy. Um dos principais fatores limitantes dessa corrente, diz Alexandre Pessoa, é o fato de que ela desconsidera a questão social na problemática ambiental. “Como o ser humano faz parte da natureza e estabelece relações de produção e sociais com ela, a ecologia exige uma equação para além das áreas de preservação”, analisa.

Crítica ao desenvolvimento e justiça ambiental

     A segunda corrente ambientalista remonta ao final dos anos 1960, de acordo com Henri Acselrad, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). No contexto das lutas sociais que marcaram o período na Europa e nos EUA, surge no movimento ambientalista um discurso contracultural, “que interpelava o consumismo sistêmico como projeto para a sociedade”, criticando a ideia de desenvolvimento no capitalismo, segundo Acselrad. “Nesta perspectiva, a própria qualidade do desenvolvimento estava sendo interpelada. Recursos biosféricos limitados deveriam ser utilizados, sim, mas apenas para os fins mais legitimados por um debate democrático, mais compatíveis com o que se pudesse entender por felicidade dos povos”, afirma.

     Atualmente, segundo o livro de Joan Martinez Alier, esse ambientalismo contracultural pode ser encontrado no discurso dos movimentos afinados com a noção de ’justiça ambiental’. De acordo com o autor catalão, esse movimento surgiu entre membros da comunidade negra dos EUA, que perceberam que os impactos ambientais decorrentes do capitalismo não se distribuem igualmente entre as populações, já que os complexos industriais poluidores, os centros de deposição de lixo tóxico e outros perigos ambientais concentram-se nas áreas habitadas por populações pobres ou de minorias raciais. “Seu diagnóstico assinala que a desigual exposição aos riscos deve-se ao diferencial de mobilidade entre os grupos sociais: os mais ricos conseguiriam escapar dos riscos e os mais pobres circulariam no interior de um circuito de risco. Daí a ação decorrente visando a combater a desigualdade ambiental e dar igual proteção ambiental a todos os gr upos sociais e étnicos”, explica Henri Acselrad. O discurso da justiça ambiental busca trazer à tona os conflitos socioambientais decorrentes da expansão dos processos produtivos capitalistas sobre os territórios.

Ecoeficiência

     Uma terceira corrente é composta pelos ideólogos da ‘ecoeficiência’, que defendem o emprego da racionalidade técnica na mitigação dos impactos ambientais e riscos à saúde humana advindos das atividades industriais, da agricultura e da urbanização. Essa corrente, como explica Carlos Walter, professor da Universidade Federal Fluminense (UFF), no livro ‘A globalização da natureza e a natureza da globalização’, surgiu da incorporação, pelo capitalismo, de um discurso ambientalista que emergia das lutas sociais do final da década de 1960. Em 1972, explica, é publicado o relatório ‘Os limites do crescimento’, elaborado pelo Massachussets Institute of Technology (MIT), nos EUA, a pedido do Clube de Roma, criado por um grupo de executivos ligados a grandes transnacionais como a Xerox, Ollivetti, Fiat e IBM, entre outras. No documento, fica expressa a preocupação com o esgotamento dos recursos naturais caso se mantivesse m as tendências de crescimento que prevaleciam na época. Dessa forma, escreve Carlos Walter, “o ambientalismo começou a ganhar o reconhecimento do campo cientifico e técnico e, com ele, o próprio campo ambiental começa a se fazer mais complexo, à medida que é captado por um discurso, como o técnico-cientifico, que era objeto de duras críticas pelo movimento da contracultura”.

     Afinada com o discurso de desenvolvimento capitalista, a corrente da ecoeficiência introduziu no debate ambiental a ideia de ‘manejo sustentável’ da natureza, convertida em ‘recursos naturais’ ou ‘capital natural’. A principal preocupação dos adeptos dessa corrente está na desvinculação entre crescimento econômico e degradação ambiental. Foi ela que, no final da década de 1980, forneceu a base teórica para a formulação, pela ONU, do Relatório Bruntdland, que popularizou o conceito de desenvolvimento sustentável . Essa ideia, segundo Henri Acselrad, se preocupava principalmente em sustentar a base material do desenvolvimento. “Investia-se assim na busca de uma economia de meios, porém não se discutia a natureza dos fins para os quais estes meios eram mobilizados; ou seja, não se refletia sobre o conteúdo mesmo do projeto desenvolvimentista. Economizar matéria e energia por uma revolução da eficiência: eis o caminho que era assim proposto para prolongar no tempo um desenvolvimento que, em seus próprios termos, era inquestionado”, explica. Adotado por organismos multilaterais, governos e empresas poluidoras, esse ambientalismo, segundo Acselrad, tornou-se hegemônico. Essa visão “pressupõe um risco ambiental único e instrumental: o da ruptura das fontes de abastecimento do capital em insumos materiais e energéticos, assim como da ruptura das condições materiais da urbanidade capitalista – ou seja, o risco de inviabilização crescente da cidade produtiva, por poluição, congestionamento, etc. Dado esse ambiente único, objeto instrumental da acumulação de riqueza, a poluição é apresentada como ‘democrática’, não propensa a fazer distinções de classe”, afirma Acselrad, no artigo ‘Ambientalização das lutas sociais – o caso do movimento por justiça ambiental’.

     E é exatamente essa corrente do ambientalismo, dizem os especialistas entrevistados pela Poli, que norteia as propostas da economia verde.

Serviços ambientais

     O eixo central da economia verde, como explica Larissa Packer, assessora jurídica da organização não-governamental Terra de Direitos, são os chamados mecanismos de Pagamentos por Serviços Ambientais (PSA), que tentam solucionar os problemas ambientais a partir da lógica do mercado. “O PSA é um mecanismo para fomentar a criação de um novo mercado, que tem como mercadoria os processos e produtos fornecidos pela natureza, como a purificação da água e do ar, a geração de nutrientes do solo para a agricultura, a polinização”, escreve Larissa, no artigo ‘Pagamento por ‘serviços ambientais’ e flexibilização do Código Florestal por um capitalismo ‘verde’. “Para isso, é fundamental que exista possibilidade de valoração monetária, para viabilizar a comercialização e também a criação de leis que, por meio do estabelecimento de obrigações, criem a demanda para o mercado hoje inexistente”, diz.

     Segundo Luiz Zarref, engenheiro florestal da Via Campesina, um dos braços do PSA é o chamado mercado de carbono. Criado pelo Protocolo de Kyoto, o acordo impôs metas aos países para a redução da emissão dos gases de efeito estufa. Ele também permitiu que os países poluidores passassem a comprar permissões e créditos de compensação das emissões acima do estabelecido dos países que estão abaixo do limite. Ao mesmo tempo, no interior dos países, as indústrias poluidoras podem comprar créditos vendidos por proprietários rurais. Zarref explica: “Na lógica da economia verde, a floresta presta o serviço ambiental de capturar o carbono que causa o efeito estufa. Então, digamos que um hectare de floresta captura 20 toneladas de carbono por ano. Aquele hectare vai ser convertido em títulos financeiros, que vão ser comercializados na bolsa de valores, equivalentes a esse montante”. Segundo ele, já existem bolsas de valores es pecificas para esse tipo de transação, nos EUA e no Japão, “mas elas não estão funcionando a pleno vapor justamente porque não existe uma regulamentação internacional sobre isso. É isso o que está sendo proposto agora” diz. Atualmente, discute-se a inclusão de mecanismos de PSA no texto do novo Código Florestal brasileiro, cujo projeto de lei tramita no Senado. “Um dos defensores dessa ideia é o senador Blairo Maggi, que é um dos maiores produtores de soja do país”, assinala Luiz Zarref.

     De acordo com o texto de Larissa Packer, a proposta de atribuir valores monetários à natureza apresenta sérios problemas. O primeiro deles, diz ela no artigo, é que a inserção dos serviços ambientais no mercado gera um mecanismo perverso, em que quanto maior for a degradação, maior é o valor dos serviços ambientais. Além disso, ao não atacar fatores estruturais como a necessidade de produção sempre crescente, a comercialização de um volume cada vez maior de mercadorias e um consumo acelerado de recursos naturais e produção de resíduos, esses mecanismos só servem como um paliativo. “A agenda da economia verde”, aponta Larissa, “não prevê a modificação dos padrões de consumo e prevê estimular a mudança parcial dos padrões de produção unicamente por meio da atribuição de preço à biodiversidade e privatização dos bens comuns. Com isso, a sociedade não deixará seus modos destruidores, mas sim irá criar u m novo mercado para regular essas atividades, gerando mais privatização dos valores sociais e ambientalmente gerados [...] A degradação, portanto, não diminui. Pelo contrário, a natureza se converte em produto do mercado, inclusive do mercado financeiro”.

     Essa financeirização da natureza leva Carlos Walter a concluir que a economia verde é parte do problema, e não da solução. “Acho que estamos sendo seduzidos para um debate que surge de um problema real, que é a depredação dos recursos naturais e a desordem ecológica global, mas temos que ver que o problema é essa sociedade que transforma riqueza em dinheiro. O dinheiro é a medida da riqueza, ele não é a riqueza”, avalia.

Meio ambiente como ‘oportunidade de negócio’

     Para Luis Zarref, a economia verde é uma tentativa do capital de se utilizar da questão ambiental para criar novas formas de acumulação. “Não há nada de debate ambiental no discurso da economia verde. O que se tem é a reengenharia de uma parte do capital para continuar acumulando lucro num período em que ele está em crise nas suas formas clássicas de acumulação”, diz. Segundo Zarref, com cerca de 250 milhões de hectares conservados em reservas indígenas e assentamentos de reforma agrária, o Brasil é um grande atrativo.

     Zarref explica que algumas das propostas da economia verde já vêm sendo implementadas no país, com prejuízos sociais e ambientais enormes. “Na mineração, por exemplo, a grande discussão ambiental hoje é o chamado ferro gusa verde, que é substituição da madeira de desmatamento ilegal por eucalipto plantado nos fornos das siderúrgicas. Isso já está sendo feito no Pará, em Minas Gerais e no Espírito Santo”, afirma. Na lógica da economia verde, diz Zarref, “as empresas vão poder, além de utilizar o eucalipto para os fornos, dizer que estão reduzindo a emissão de gás carbônico do desmatamento, ganhando papeis de crédito de carbono para serem comercializados na Bolsa de Valores”. E destaca: “O que não aparece é que os eucaliptos estão expulsando agricultores, retirando terra que antes era voltada para a produção de alimentos e gerando pressão sobre terras indígenas, quilombolas e de populações tradicionais�€ .

     Outra estratégia da economia verde que causa preocupação para Zarref é a de fomentar a produção dos agrocombustíveis, em especial o etanol, que a ONU inclusive cita como exemplo de sucesso. “Com isso você cria uma corrida por terras para plantar cana que vai causar um encarecimento das terras e inviabilizar a produção de alimentos, levando à expulsão de muitos agricultores para as cidades. Com a cana, você inviabiliza toda uma rede produtiva: fica impossível comercializar feijão, mandioca porque só tem compradores para cana, não há sistema de comercialização. Isso sem contar os impactos de desmatamento e de exploração do trabalho”, analisa.

Impactos desiguais do desenvolvimento

     Marcelo Firpo, pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (ENSP/Fiocruz), caracteriza a economia verde como uma tentativa de produzir consenso em torno do papel do mercado na preservação do meio ambiente. “A economia verde é uma tentativa, apoiada por vários organismos internacionais e governos, de buscar um consenso em relação ao que fazer para combater a crise econômica e ambiental. Esse consenso se dá através de cúpulas da ONU, que têm centrado fogo no tema das mudanças climáticas globais, mecanismos de mercado e continuidade do sistema capitalista atual”, afirma. Segundo ele, com isso, o sistema capitalista busca escamotear os conflitos que existem no campo ambiental em torno do sentido do desenvolvimento. “Isso significa que certas questões e temas sociais e ambientais não são discutidos na economia verde. Não há critica ao modelo de produção e consumo, ao desenvolvimentismo, ao comércio int ernacional desigual e injusto, à divisão entre centros e periferias do sistema capitalista e à divisão internacional do trabalho, que são característicos do processo de globalização”, diz.

     A análise do ‘Mapa da Injustiça Ambiental e Saúde no Brasil’ , desenvolvido na Fiocruz e coordenado por Marcelo Firpo, dá a dimensão do impacto do desenvolvimento sobre os territórios e suas populações. “O mapa reúne denúncias de conflitos ambientais em decorrência desse modelo. Ele foi lançado há um ano com 298 conflitos e agora já são quase 400, alguns envolvendo vários municípios e mais de um estado. São milhões de pessoas no total, que estão sofrendo com a degradação ambiental causada por processos industriais, transposição de rios e hidrelétricas, por exemplo. Essas populações acabam impossibilitadas de reproduzir suas culturas e modos de vida de forma autônoma”, afirma Firpo. Segundo ele, esses são apenas alguns dos conflitos e dilemas que o discurso da economia verde procura ocultar, ao focar o debate ambiental sobre a questão das mudanças climáticas. “O conflito se dá porque a decisão pela ins talação de grandes empreendimentos econômicos e intervenções nos territórios é tomada sem a participação das populações que habitam esse território”, destaca. “Eles envolvem, por exemplo, o agronegócio, a instalação de siderúrgicas, rodovias, hidrelétricas, portos e outros empreendimentos, que causam impactos ambientais e sociais enormes, e que não trazem benefícios para as populações das regiões afetadas”.

     Alexandre Pessoa afirma que uma metáfora frequentemente usada pelo discurso ambiental hegemônico para sintetizar a questão das responsabilidades pela degradação do meio ambiente é a do avião: “Dizem que, se estamos todos no mesmo voo, temos que ser responsáveis pela condução desse avião. Esse discurso é desprovido de crítica, porque de fato estamos no mesmo avião, mas a direção dele não é feita pela sociedade, e sim por governos que têm interesses específicos e sobre os quais as transnacionais exercem um poder fundamental”, ressalta. E completa: “Se estamos no mesmo avião quem está na direção é um grupo minoritário, esse avião possui classes distintas, e um contingente significativo dos passageiros está sendo expulso sem páraquedas”.

Individualização da solução

     Segundo Carlos Walter, ao dissociar os problemas ambientais da questão social, o discurso ambientalista da ecoeficiência, no qual a economia verde se baseia, também opera um exagero da responsabilidade individual sobre a degradação ambiental, focando-se no combate ao desperdício de matéria e energia. “Hoje há essa história de ‘faça sua parte’, como se o todo fosse uma soma de suas partes. E não é. O debate ambiental é quase esquizofrênico: o mundo está acabando, e a solução é plantar uma árvore”, critica. E conclui: “Há uma defasagem entre o diagnóstico e o caráter quase pueril da solução, porque você não enfrenta a questão de fundo, que é a economia mercantil capitalista com o poder cada vez mais concentrado nas grandes corporações”. Ele também critica o papel de algumas ONGs ambientalistas, que dependem do financiamento de empresas e governos, na disseminação de um discurso ambiental despolitizado. “As ONGs surgem estimuladas pelos próprios governos e pelo Banco Mundial. Ao mesmo tempo em que operam um desmonte dos governos, acabam com direitos universais para atuar ‘a la carte’”, diz. Segundo ele, com o desenvolvimento tecnológico dos últimos 30 anos, a capacidade de emprego do capitalismo diminuiu muito. “Então há muitas pessoas formadas na universidade que não encontram emprego e acabam indo trabalhar em uma ONG, sem carteira assinada, vivendo de projeto em projeto. Assim você estimula toda uma economia precária, só que eivada de uma ideia de ativismo, em que se combate o efeito estufa trabalhando para a Shell”, aponta. Ironizando o poder de convencimento que esse discurso ideológico vem alcançando, Alexandre Pessoa conclui: “Acreditar em economia verde é como acreditar em tigre vegetariano”.

Rio+20: especialistas veem problemas nas propostas da ONU para o meio ambiente

     A cidade do Rio de Janeiro sediará, entre os dias 4 e 6 de junho de 2012, a Rio+20. O evento acontecerá 20 anos após a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, ou Rio 92, que reuniu 108 chefes de Estado na cidade para discutir ,aneiras de conciliar desenvolvimento econômico e preservação ambiental.

     A convenção do próximo ano terá como objetivo, segundo a ONU, “garantir um compromisso renovado em nome do desenvolvimento sustentável, avaliando o progresso obtido até o presente e as lacunas remanescentes na implementação dos resultados das maiores cúpulas de desenvolvimento sustentável, abordando desafios novos e emergentes”. Os debates terão como foco dois temas: a economia verde no contexto do desenvolvimento sustentável e erradicação da pobreza e o arcabouço institucional para o desenvolvimento sustentável.

     Pesquisadores ouvidos pela Poli, no entanto, já veem problemas na proposta da Rio+20. “Esse termo, ‘desenvolvimento sustentável’, vem servindo a vários interesses ao longo dos anos, inclusive para justificar políticas públicas que estão na contramão do próprio conceito, para fazer propaganda da responsabilidade social de empresas. Essa polissemia cria confusão e tem mais um apelo retórico, midiático e propagandístico de interesse de mercado”, afirma Lia Giraldo, pesquisadora do Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães (CpqAM/Fiocruz Pernambuco).

     Para Luiz Zarref, o objetivo da conferência é incentivar entre os países membros a criação de mecanismos para a transformação dos processos naturais em mercadorias negociáveis. “Para reduzir o efeito estufa, por exemplo, o que está sendo discutido é o avanço do mercado de carbono, que é basicamente pagar para que não se desmate. Não se discute a criação de uma governança internacional que proíba a emissão de gases poluentes, o desmatamento, o agronegócio”, critica. Segundo ele, a Rio+20 reflete o avanço da influência do mercado sobre a conformação dos Estados nacionais. “É nítido o avanço da lógica de mercado dentro dessas convenções. A Rio 92, por exemplo, foi caracterizada por criar uma relação entre o Estado e a sociedade. Ao longo dos anos, houve uma substituição do Estado pelo mercado, sob o discurso de que o Estado é falido, é corrupto”, afirma Zarref.

     Essa é também a análise da ONG canadense ETC Group, uma das maiores críticas da Rio+20. Em um de seus relatórios sobre a conferência, a organização ataca o que entende como uma tentativa de excluir a maioria da população do debate ambiental. “Na ausência de debates entre governos e envolvimento da população, a ideia de que uma ‘economia verde’ sustentável é o meio para desenvolver e usufruir dos recursos biológicos e naturais [...] pode se tornar a maior apropriação de recursos dos últimos 500 anos”, alerta o relatório.

     Para o Brasil, defende Lia Giraldo, a Rio+20 deveria ser uma oportunidade para discutir temas como a justiça social e ambiental no campo, reforma agrária, proteção de florestas, impactos ambientais e sociais das atividades industriais e incentivo à agricultura familiar. “Mas esses são temas que vão de encontro ao modelo de desenvolvimento brasileiro, que obedece aos lobbies do agronegócio e da indústria química. Corremos o risco de repetir o mesmo discurso desenvolvimentista da década de 1970, apesar de termos hoje uma legislação mais avançada na área ambiental”, aponta. É nesse sentido que Alexandre Pessoa espera que a Fiocruz e o Ministério da Saúde contribuam para os debates. “Temos um papel fundamental na Rio+20, não só na questão ambiental, mas também no debate do modelo de desenvolvimento, que tem de ser envolvido por todo o setor da saúde. Estamos discutindo temas transversais, como promoção da saúde, controle social, impactos nos territórios dos sistemas de produção e seus reflexos no SUS”, explica.

     Paralelamente, organizações da sociedade civil se mobilizam para realizar a Cúpula dos Povos Rio+20, que deve acontecer simultaneamente à conferência da ONU. O evento deve reunir movimentos sociais, ONGs e fóruns e, segundo seus organizadores, pretende apresentar alternativas ao debate ambiental, tirando o foco do mercado e dos governos.

* Artigo produzido originalmente para a Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz)

Fonte: http://carosamigos.terra.com.br/index2/index.php/artigos-e-debates/2101-economia-verde

A caída em combate do Comandante Alfonso Cano

      A morte em combate do Camarada e Comandante Alfonso Cano enluta o conjunto do movimento antiimperialista mundial, todas as vítimas da exploração capitalista, o movimento universal pelo socialismo, cada um dos povos que levantam bandeiras de soberania, dignidade e democracia. Aflige profundamente toda pessoa de bem do planeta, particularmente na América Latina, Caribe e Colômbia.

     Também dilacera profundamente as fibras mais nobres de seus seres queridos. Para eles nosso abraço. Compartilhamos intensamente de sua pena, sabemos melhor do que ninguém o que significa esta perda. Estendemos o mesmo carinho dolorido às famílias dos demais combatentes que tombaram nos mesmos acontecimentos. Seu sangue e suas vidas nos inspiram, desde já, futuras vitórias.

     As lágrimas de felicidade do Presidente Santos revelam que, por obra sua, caiu de verdade um grande, um portentoso homem, um revolucionário de talha histórica. Um formidável interlocutor de quem devia se desfazer antes de qualquer tentativa de aproximação. Aceitamos o desafio. Como Manuel e Jacobo, Alfonso sempre soube ser um grande mestre. E aprendemos com ele.

     Suas idéias e sua genial condução são parte do arsenal ideológico, político e militar das FARC-Exército do Povo. Ninguém poderá jamais arrebatá-los de nós. Seu talento e atividade revolucionária cresceram e amadureceram juntamente com nossa história. Nos dias de Marquetalia (http://insurgenciafariana.blogspot.com) já militava nas fileiras da juventude comunista. Até sua morte em combate nada pode distraí-lo da luta.

     Completou cinqüenta anos contínuos em tropel contra o regime, anos marcados por uma profunda capacidade de análise e uma invejável coerência ideológica e política. Bogotano simples e de humor refinado, dirigente estudantil e comunitário, antropólogo dos tempos duros da Universidade Nacional, audaz militante clandestino, será eterno exemplo do intelectual comprometido até a morte.

     Seus inimigos tanto do império ianque como os da oligarquia jamais se cansarão de tentar apagar sua obra com expedientes baixos. Ao lado de seu perfil político, o Camarada Alfonso Cano demonstrou ser possuidor de uma elevada capacidade militar. Soube conduzir, primeiro os comandos conjuntos Central e Ocidental e, sem seguida, as FARC todas, até o nível em que hoje em dia, amedronta o militarismo fascista da Colômbia.

     Eles sabem muito bem o que representam as FARC. A expressão real da organização e da luta irrenunciável contra a globalização capitalista. Somos um povo armado que denuncia e combate o caráter terrorista de sua democracia de mercado. Milhares e milhares de mulheres e homens que marchamos compactos pelo caminho da construção de uma nação e de um mundo sem opressores.

     As reservas petrolíferas da Colômbia, no ritmo que se pretende extrair, estarão esgotadas completamente nos próximos quatro anos. Pretendem nos ludibriar com a idéia de que, antes disso, será encontrado suficiente óleo para outros tantos. Nosso destino é poupar com o nosso óleo as reservas imperiais existentes, e pagar com a receita desse os créditos para a infra-estrutura funcional ao saqueio.

     Obviamente os créditos serão concedidos pela banca internacional. E para consegui-los o país deverá se comprometer a realizar grandes e crescentes cortes orçamentários na área social dos colombianos. Reformas tributárias, no regime de aposentadorias, trabalhista, na saúde e educação. Esse ataque avança agora a todo vapor no Congresso da República.

     O Tratado de Livre Comércio (TLT) e a abertura indecente ao investimento estrangeiro ameaçam arrasar o mais valioso do patrimônio humano, ambiental e econômico do país. Gigantescos projetos auríferos, carboníferos, turísticos, agro-industriais, bioenergéticos e agropecuários, entre outros, além de espoliar nossas riquezas, esmagarão impunemente a mão de obra em graus intoleráveis.

     Encontra-se em acelerada execução um modelo de desenvolvimento desigual e antipatriótico, resultado das manipulações urdidas a partir do palácio presidencial e dos diferentes ministérios, aprovado a toque de caixa pelo poder legislativo e declarado exeqüível pelas cortes, que não leva em conta minimamente a opinião do povo colombiano nem a de seus mais imediatos afetados.

     E dito modelo, que começou a ser construído décadas atrás com a violenta estratégia paramilitar, é apresentado como a salvação econômica do país, as locomotoras que nos levarão adiante. Nele se fundem os mais caros interesses do capital transnacional e da corrupta classe dirigente colombiana, que enriquece com somas fabulosas depois de cada acordo e contrato celebrados.

     Não existem na Colômbia espaços de discussão que tenham a capacidade de influenciar ou determinar de algum modo as decisões ligadas ao modelo de desenvolvimento. Como ficou demonstrado nas recentes eleições locais, os partidos políticos foram diluídos em mesquinhas lideranças pessoais corruptas e carentes de princípios. As forças políticas que poderiam discutir o modelo estão minadas.

     Só duas formas de luta se opõem a ele de forma corajosa e pertinaz: a luta de rua em marchas e protestos e a luta guerrilheira nas montanhas. As recentes disposições sobre “segurança cidadã” vinculam a primeira delas à delinqüência e a castigam com penas de prisão. Ao mesmo tempo exigem desmobilização dos levantados em armas sob a ameaça da aniquilação total.

     Tal é o quadro no qual toma corpo o desesperado afã de render as FARC-EP. Sabemos muito bem quais são os propósitos do Presidente Santos: enriquecer ainda mais os mais ricos e afundar ainda mais na miséria os mais pobres. Torna-se, portanto, como conseqüência de cardinal importância, estender pontes necessárias para fortalecer, unificar e defender a duas formas de luta vigentes.

     Mobilização de massas e luta guerrilheira estão chamadas a convergir em uma formação estratégica pela solução política para o conflito que se trava na Colômbia. A guerra não passa da determinação imperial e oligárquica de fechar todos os caminhos da oposição a seus planos de saqueio, o maço com o qual as classes dominantes esperam esmagar a rebeldia.

     A resistência heróica da insurgência colombiana, da mesma forma que a voz alta do povo mobilizado protestando, não pode cessar com um falso chamamento à negociação e ao consenso. Qualquer tentativa de desmobilizar a luta popular sem acordar solução que erradiquem suas causas estará fadada ao fracasso. Não pode haver paz com repressão e fome.

     As FARC-EP prestamos sentida homenagem à memória de nosso Comandante Alfonso Cano. Por nosso povo e por ele, nos comprometemos a persistir na busca da solução política até conseguir uma paz democrática com dignidade e justiça social. A voz de estudantes, trabalhadores, camponeses, comunidades indígenas e negras, desempregados, aposentados, mulheres e classes médias sufocadas tem que ser ouvida e atendida na Colômbia.

     Com o camarada Alfonso lembramos aos ilusos:

     “Desmobilizar-se é sinônimo de inércia, é entrega covarde, é rendição e traição à causa popular e ao ideário revolucionário que cultivamos e pelo qual lutamos pelas transformações sociais, é uma indignidade que traz implícita uma mensagem de desesperança ao povo que confia em nosso compromisso e proposta bolivariana”.

     Comandante Alfonso Cano!!!

     Morrer pela Pátria é viver para sempre!!!

     Secretariado do Estado Maior Central das FARC-EP

     Novembro de 2011

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

O papel dos partidos de esquerda hoje no mundo


     A América Latina foi vítima privilegiada das grandes mudanças que transformaram o cenário politico internacional, com a passagem de um mundo bipolar para um unipolar, sob hegemonia imperial norteamericana; de um ciclo longo expansivo a um ciclo longo recessivo, onde ainda estamos, como a crise atual confirma; a passagem de um modelo hegemônico regulador ou keynesiano ou de bem-estar, como queiramos chamar, a um modelo liberal de mercado, como a crise referida exibe de forma escandalosa.

     Nosso continente se viu afetado diretamente por essas transformações. Em primeiro lugar, pela crise da dívida, que atingiu a todos os países latino-americanos, colocando fim no longo processo de desenvolvimento econômico que presidiu nossas economias desde as reações de nossos países aos efeitos brutais da crise de 1929. Depois de cinco décadas em que o objetivo central de nossas economias era o de recuperar o atraso que tínhamos herdado da colônia e da dominação externa e das elites primário exportadoras sobre nossos países, foi substituído esse objetivo pelo da estabilidade monetária. Refletia a mudança de hegemonia as grandes corporações vinculadas à produção internacionalizada e sua comercialização para o capital financeiro, em sua modalidade especulativa.

     Em segundo lugar, vários dos países do continente – em especial o Brasil, a Bolívia, o Chile, o Uruguai, a Argentina -, entre eles os de maior força do movimento popular, foram vítimas de ditaduras militares, que quebraram a capacidade de resistência das forças populares, preparando o campo para políticas conservadoras diante de democracias destroçadas.

     Como resultado direto desses dois fatores, instalaram-se na América Latina governos neoliberais em praticamente todo o continente, fazendo da nossa região o reino desse modelo antissocial, em suas modalidades mais radicais do mundo, impondo Estados mínimos que renunciavam de sua ação em favor do mercado; terminando de abrir de forma escancarada nossos mercados à açao predatória do capital internacional; fragmentando nossas sociedades pela imposição do mercado informal de trabalho e de formas suplementares de superexploração do trabalho; favorecendo as ideologias consumistas em detrimento das formas coletivas de ação e de luta pelas alternativas políticas e democráticas para atender os interesses das maiorias.

     A imagem de nossas sociedades e do continente como um todo no final da década de 1990 era de sociedades destroçadas, desmoralizadas, como que condenadas à miséria e ao abandono pelos poderes públicos. As crises do México, do Brasil e da Argentina revelavam como a hegemonia do capital financeiro promovida por governos neoliberais nos havia deixado indefesos diante dos ataques especulativos que passaram a reinar no mundo – como se vê até hoje, agora afetando o centro do mesmo do sistema.

     Foi nesse marco que a América Latina, mais uma vez foi encontrar forças para reagir e dar uma volta espetacular nessa herança, mais que maldita, fatal, que nos levaria ao destino a que agora condenam a Grécia e que vive o próprio México, pioneiro do livre comércio e dos Tratados de Livre Comércio com os EUA, pelo qual paga um preço dramático.

     Foram eleitos, sucessivamente, presidentes latinoamericanos identificados com a necessidade de superação do neoliberalismo, amparados na centralidade das políticas sociais, na prioridade dos processos de integração regional e nas alianças Sul-Sul como forma de reinserção soberana no mundo, e nos Estados indutores do crescimento econômico e da universalização dos direitos sociais.

     Foi nesse marco que estão sendo construídas as condições de hegemonias alternativas, no marco de um mundo velho que insiste em sobreviver e de um mundo novo com dificuldades para afirmar-se. No marco de um processo mundial de crise hegemônica, vamos buscando construir as vias alternativas para superar nossa herança de continente mais desigual do mundo.

      A conquista de governos foi e tem sido fundamental, depois da acumulação de força social na resistência às politicas antipopulares e antidemocráticas dos governos neoliberais. Porque é a partir dos governos que se pode colocar o Estado para promover a superação das atrasos a que fomos relegados, para recuperar direitos sociais expropriados e estendê-los a todos, fazer do mercado interno de consumo de massas um dos pilares de um novo modelo de crescimento com distribuição de renda.

     Os governos latino-americanos que optaram por esta via demonstraram e seguem demonstrando capacidade de resistência aos efeitos perversos da crise internacional, aceleram suas políticas, mesmo sem ter força suficiente para fazer triunfar seu modelo em escala global. A América Latina segue isolada, com alianças com países do Sul do mundo, mas sem capacidade ainda para fazer prevalecer em escala mundial projetos pós-neoliberais.

     Nos nossos países, os partidos tampouco ficaram imunes aos fatores negativos que nos afetaram como sociedades. Uma parte dos que faziam parte do campo da esquerda aderiram ao neoliberalismo – nacionalismos como o peronismo, o PRI mexicano, social democratas como Ação Democrática da Venezuela, PS chileno, tucanos brasileiros, abandonando o campo popular.

     Mas fenômenos como a precarização da maior parte da força de trabalho, com o processo de fragmentação social correspondente e o enfraquecimento relativo dos sindicatos; a derrota do socialismo e a desmoralização da ação política, das soluções coletivas, dos Estados, dos partidos, dos governos, dos parlamentos; com a mercantilização das relações sociais e culturais - os partidos de esquerda passaram a ter um horizonte negativo para sua ação.

     A reunificação de sociedades muito fragmentadas e heterogêneas passou a depender de lideranças fortes na sua capacidade de representar alternativas populares e coletivas, com processos de recomposição por cima, mais adequados à reestruturaçao por baixo, como as promovidas por partidos populares e movimentos sociais.

     Lideranças como as de Hugo Chavez, Lula, Nestor Kirchner, Evo Morales, Fernando Lugo, Rafael Correa, Mauricio Funes, Ollanta Humala, Pepe Mujica – respondem a essa necessidade urgente de reação popular antes mesmo que os sujeitos sociais e políticos históricos pudessem se recompor.

     Gramsci nos advertia que a história dos partidos não é sua história interna, mas a da sua inserção no universo político em que atuam. Temos que avaliar nossos partidos pelo papel que têm desempenhado ou que devem desempenhar na construção de hegemonias alternativas ao neoliberalismo – o objetivo político maior do nosso tempo. 

     A conquista dos governos foi fundamental, há novas maiorias políticas e sociais em nossas sociedades, que tem permitido a eleição e reeleição das novas lideranças, o que tem dado continuidade aos processos iniciados há pouco mais de uma década. Mas esses projetos não se constituíram ainda em força hegemônica nas nossas sociedades, profundamente afetadas pelos valores mercantis, pela fragmentação social, pela ação das mídias monopolistas, por estruturas políticas superadas, incapazes de representar as profundas transformações sociais que estamos vivendo.

     Sem uma análise das formas de hegemonia ainda dominantes, como ponto de partida, será impossível reconstruirmos processos de construção de hegemonias alternativas – populares, democráticas, solidárias, humanistas – a que começamos a apontar e cuja continuidade supõe passar das maiorias sociais e politicas às maiorias ideológica e culturais, que consolidem esses avanços e dêem a forma de novos valores à nossas sociedades, entre o nosso passado e o nosso futuro.

     Nesse marco é que os partidos de esquerda podem debater e descobrir as novas formas que devem assumir, para estar sintonizados com os desafios do tempo presente.

Postado por Emir Sader e Alterado para este Blog por Cleberson Zavaski