quarta-feira, 28 de agosto de 2013

DITADURA DA INDUSTRIA ALIMENTICIA


Considerada a inimiga número um da indústria de transgênicos, a física e ativista indiana Vandana Shiva afirma que há uma ditadura do alimento, onde poucas e grandes corporações controlam toda a cadeia produtiva. E dá nome aos bois: Nestlé, Cargil, Monsanto, Pepsico e Walmart.

"Essas empresas querem se apropriar da alimentação humana e da evolução das sementes, que são um patrimônio da humanidade e resultado de milhões de anos de evolução das espécies", diz.

 
Crítica feroz à biopirataria, Shiva ressalta que a única maneira de combater o controle sobre a alimentação é o ativismo individual na hora de consumir produtos mais saudáveis e de melhor qualidade.

Leia os principais trechos da exclusiva à Folha durante o 3º Encontro Internacional de Agroecologia, em Botucatu.


É possível alimentar o planeta sem usar transgênicos?

O único modo de alimentar o mundo é livrando-se das sementes transgênicas. Essas sementes não produzem alimentos, mas produtos industrializados. Como isso poderia ser a solução para fome? Só estão criando mais controle sobre as sementes. Desde 1995, quando as corporações obtiveram o direito de controlar as sementes, 284 mil fazendeiros cometeram suicídio na Índia. Nós perdemos 15 milhões de agricultores por causa de um design de produção agrária criado para acabar com a agricultura familiar.


Como mudar a alimentação do modelo agroindustrial para outro baseado na produção familiar e na distribuição local?

As pequenas fazendas produzem 80% dos alimentos comidos no mundo. As indústrias produzem commodities. Apenas 10% dos grãos de milho e soja são comidos por pessoas; o resto é 'comido' pelos carros, como biocombustíveis, e por animais. É possível elevar esses 80% para 100% protegendo a biodiversidade, a terra, os fazendeiros e a saúde pública. É apenas por meio da agroecologia que a produtividade agrícola pode aumentar.


Como as grandes corporações dominam a cadeia mundial de alimentos?

Se você olha para as quatro faces que determinam nossa comida, são todas controladas por grandes corporações. As sementes são controladas pela Monsanto por meio dos transgênicos; o comércio internacional é controlado por cinco empresas gigantes; o processamento é controlado por outras cinco, como a Nestlé e a PepsiCo; e o varejo está nas mãos de gigantes como o Walmart, que gosta de tirar o varejo dos pequenos comércios comunitários e com conexões muito diretas entre os produtores de comida e os consumidores. São correntes longas e invisíveis, onde 50% dos alimentos são perdidos.

Temos sim uma ditadura do alimento. A razão que eu viajei todo esse caminho até o Brasil é porque eu sou totalmente a favor da liberdade alimentícia, porque uma ditadura do alimento não é só uma ditadura. É o fim da vida.


Como as corporações chegaram a esse domínio?

Infelizmente, o chamado livre comércio trouxe a liberdade para as corporações, mas não para as pessoas. As corporações estão escrevendo as regras e se tornando os governantes.

Os direitos intelectuais acordados entre as organizações mundiais foram escritos pela Monsanto. Para eles, o problema era que os fazendeiros estavam guardando as sementes. E a solução que ofereceram foi dizer que guardar as sementes agora é um crime de propriedade intelectual. É isso o que dizem as regras da OMC. A Índia, o Brasil, a América Latina e a África deveriam dizer: 'Você não pode patentear a vida porque a vida não foi inventada. Pare com a biopirataria'.

Até agora, a revisão dessas regras não foi permitida, o que mostra que essas corporações ditam as regras. E não é apenas na OMC. A Monsanto escreveu o ato de proteção para o orçamento nos EUA. O vice-presidente da Cargill foi designado para escrever a lei de comércio e agricultura dos EUA.


É possível modificar esse cenário?

A única maneira de reverter essa situação é cada pessoa fazer seu papel de recuperar a liberdade e a democracia do alimento. Afinal, cada um de nós come duas ou três vezes ao dia. E o que nós comemos decide quem somos, se nosso cérebro está funcionando corretamente, ou nosso metabolismo está saudável ou, se por conta de micronutrientes, estamos nos tornando obesos. Isso afeta todo mundo: os mais pobres porque lhes foi negado o direito à comida; mas até os que podem comer porque não estão comendo comida. Chamo isso de anticomida, porque a comida deveria nos nutrir. A comida mortal que as corporações estão trazendo para nós destrói a capacidade da comida de nos nutrir e no lugar disso está nos causando doenças.

Cada um de nós deve se tornar um forte ativista da liberdade da comida e das sementes no nosso dia a dia. O que significa que temos que apoiar mais os fazendeiros e a agroecologia. Devemos ser comprometidos com a alimentação saudável.


Qual a importância do Brasil nesse jogo?

O Brasil tem um papel muito importante. De um lado, está uma agricultura altamente destrutiva e irresponsável, mantida pelas corporações, levando transgênicos, produtos químicos e piorando a fome. Do outro lado, está o modelo agroecológico, caracterizado pela diversidade, conhecimento popular, o melhor da ciência, e levando efetivamente comida às pessoas. Essa disputa está ocorrendo justamente aqui, no Brasil.

Provavelmente, o Brasil tem a maior proporção de diversidade de alimentos em sua agricultura. No entanto, a maior parte não é usada para a alimentação humana. Por exemplo, as plantações de cana-de-açúcar e soja vão para a alimentação de animais e para fabricação de combustíveis.

O Brasil é parte do que eles chamam de Brics. Eu não gosto de 'tijolos'. Eu prefiro plantas. Mas é um forte jogador na cena global, e os jogadores vão decidir como os outros jogam.


Qual o papel da sociedade urbana em relação à agricultura familiar?

É muito feliz. Não porque eu acredito que as áreas urbanas têm mais riqueza e mais poder, mas porque, por terem mais riqueza, têm mais responsabilidade. E porque eles controlam a tomada de decisões, tanto em termos de governamentais como a sua própria atitude em termos de consumo. Se eles mudassem sua postura de consumo para longe das corporações, comprando, sim, alimentos dos pequenos produtores, eles ajudariam não apenas o agricultor familiar, mas também ajudariam a Terra e seus próprios corpos.


Recentemente o presidente da Nestlé afirmou que é necessário privatizar o fornecimento da água. Quais as consequências desse processo?

Tudo que é essencial à vida desde o começo da história, em todas as culturas, tem sido reconhecido como pertencente à sociedade. E isso inclui a semente, porque a semente é a base da comida, inclui a água porque água é vida. E são esses recursos que essas corporações gigantes querem enclausurar. Essas são as novas inclusões comerciais. Assim como na Inglaterra, eles enclausuraram a terra, e a tiraram dos camponeses para terem a revolução industrial.

Hoje, as corporações gigantes estão assumindo os bens comuns que são as sementes, a biodiversidade, a água. Quando a Nestlé diz que é necessário privatizar a água, eles estão, obviamente, pensando na necessidade de aumentar os lucros deles. Eles não estão pensando na necessidade dos aquíferos de serem sustentados e recarregados, porque corporações somente podem construir uma economia extrativa. Se eles privatizam a água, eles vão somente tirar a água para eles, o que significa que as comunidades locais são deixadas sem água. Então é um assalto.

As Nações Unidas têm de reconhecer que o direito à água é um direito humano. A Coca-Cola agora quer entrar no meu vale, um vale lindo no Himalaia, chamado Dune Valey. Em maio nós iniciamos uma campanha porque a privatização da água por essas empresas de engarrafamento significa, primeiro, que o direito universal à água é destruído. O aquífero, que pertence a todos, está agora engarrafado numa garrafa de 10 rupis que pode é acessível só aos ricos. Os pobres bebem apenas água contaminada.

A segunda coisa é que ela destrói água, e eu não sei por quanto tempo essa mineração poderá aguentar. A terceira é que ela polui. Sobram poucas fontes de águas puras, e, se eles realmente se importassem, deveriam limpar o pouco que sobra, ao invés de roubar o que resta limpo. Isto é roubo de água e, portanto, um crime contra a humanidade.

Essa dependência da Coca-Cola é um dos vícios da vida moderna. Nós temos muito mais bebidas saudáveis.

Na Índia, começamos uma campanha para as avós ensinassem aos seus netos as bebidas geladas que elas costumavam fazer. Somos um país tropical, sabemos como transformar qualquer fruta em uma bebida saborosa: um suco de manga crua, que é ótimo para prevenir insolação, uma mistura maravilhosa de sete grãos, que é como uma refeição completa e, se tomada no café da manhã, você não precisa de mais nada. As bebidas venenosas que são vendidas pela Nestlé e pela Coca-Cola roubam o nosso dinheiro, a nossa água e a nossa cultura.


Qual é a forma alternativa à globalização?

Originalmente, o livre comércio deveria reconhecer a liberdade de todas as espécies e por isso não destruiria nenhuma espécie nem ecossistema. Originalmente, o livre comércio reconheceria os direitos dos camponeses e dos povos indígenas e, por isso, não iria cortar as raízes. Reconheceria também os direitos dos pequenos agricultores familiares e iria cuidar para que existam preços justos, ao invés de tentar debilitar o preço por meio de dumping e jogando fora os produtos.

Um verdadeiro livre comércio seria a liberdade para as pessoas e não a liberdade para as corporações. O que nós temos agora é uma corporatização global com uma negligência total, uma destruição negligente e desatenta. O que precisamos é uma consciência livre que esteja profundamente ciente de nossa interconexão com outras espécies, outras culturas e com toda a humanidade. Temos que ser conscientes do dano que fazemos aos outros. Dessa forma, não vamos incrementar o tamanho de nossa pisada ecológica, mas vamos a reduzi-la.

E, na alimentação, a única forma em que você pode reduzir sua pisada é de mudar de agroindústria para agroecologia, mudar da distribuição global para distribuição local, mudar de um sistema violento, que depende do governo corporativo, para um sistema pacífico, que depende da comunidade e da solidariedade. No momento em que mudamos para isso, a pisada se reduz. Podemos ir do industrial e global para ecológico e local.


Como acelerar o processo de alinhamento entre os vários movimentos para um estilo de vida mais sustentável?

Agroecologistas, camponeses e agricultores familiares são, na minha opinião, os maiores, protetores do planeta. É o momento de os movimentos ecológicos perceberem que os verdadeiros ambientalistas são os agricultores, que realmente reconstroem o solo, que fazem o cultivo de uma forma que os besouros não sejam mortos, que protegem a água.

E o movimento pela saúde tem que perceber que os agricultores são os médicos, que fazer crescer comida saudável é a melhor contribuição que podemos fazer. No momento em que fazemos essas conexões, existe uma nova vida, porque a vida cresce por meio de inter-relações.

TATIANE RIBEIRO ENVIADA ESPECIAL A BOTUCATU E TONI SCIARRETTA DE SÃO PAULO

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

A HISTÓRIA OS ABSOLVERÁ


O fim do mensalão - por Lincoln Secco, especial para o Viomundo

     O Mensalão acabou. Depois de cerca de nove anos de uso político de um crime de caixa dois, aquela fonte do discurso oposicionista esgotou. Há três fatos sintomáticos disso.

     O primeiro é que Dirceu, Genoíno e João Paulo estão fora da chapa majoritária que irá compor o próximo diretório nacional. Sem defender seus dirigentes históricos desde a primeira hora, o PT patinava entre a defesa envergonhada e o afastamento deles. É possível que seja a tentativa de virar de vez aquela página da história.

     O segundo é que a Imprensa Monopolista está diante de um escândalo infinitamente maior: o cartel do Metrô. Ela tentou minimizar a notícia durante dois anos ou mais. Porém, depois que a Siemens selou um acordo de leniência com a justiça e cedeu documentos importantes, evidenciou-se um mega esquema de financiamento e enriquecimento ilícito de graúdas figuras do PSDB.

     O problema é que esta mesma mídia passou os últimos anos na escola de Carlos Lacerda e ungiu a corrupção como o único problema nacional. Tornou-se difícil agora salvar os tucanos.

     O terceiro é mais complexo. Passada a tormenta do ataque midiático movido pelas eleições municipais já encerradas, forma-se em círculos cada vez mais amplos (inclusive jurídicos) a convicção de que alguns ministros agiram politicamente.

     Embora isto já fosse evidente durante o julgamento, o que não se percebeu na época foi a fragilidade técnica dos votos condenatórios. Contribuiu para isto também a desmontagem da figura do presidente do STF e o receio de futura desmoralização do tribunal. É que só agora se percebeu que ao adquirir a simpatia da opinião publicada o STF também se submete a ela. Trata-se de uma reação corporativa que tende a isolar os ministros que buscam holofotes só para si.

     Ao que tudo indica o STF observou também que a condenação dos réus por compra de votos torna nula a reforma da previdência e abre a porteira a uma enxurrada de indenizações e pagamentos retroativos. Mas algumas condenações não podem ser mais revistas.

    O que fazer? Seria difícil para o STF se defender com a ideia estapafúrdia de que os supostos votos comprados “não foram suficientes” para determinar o resultado da votação. Uma emenda constitucional com um único voto comprado é viciada ab ovo. Se o Supremo disser o contrário instalará uma insegurança jurídica incontornável no país. Seria tão ridículo quanto acusar José Dirceu com uma novíssima teoria: o domínio do fato não consumado.

    Tais sintomas da conjuntura parecem indicar, portanto, que o Supremo vai rever a condenação de alguns réus. Se a presidenta Dilma aprendeu alguma coisa sobre a natureza política do STF, os dois novos ministros vão declarar dentro da mais perfeita legalidade que não existiu formação de quadrilha alguma.

    A solução do STF seria um juste milieu: os réus sofreriam uma meia sanção. Não seriam presos, apenas marcados para sempre com uma condenação por crime comum. E os ministros que votaram de acordo com a mídia seriam poupados de uma derrota maior. Decerto são hipóteses a se verificar porque ninguém pode prever o resultado.

    Que o mensalão permanecerá na história do PT, não há dúvida. Mesmo que hoje saibamos muito melhor o que de fato ocorreu em 2005. Tratou-se uma batalha política. Como o jornalista Paulo Moreira Leite demonstrou houve o crime de financiamento ilícito (caixa dois) que é simplesmente a norma de qualquer eleição no Brasil. Que se trata de crime, não há dúvida. Mas só o PT será punido por isso. Já a compra de votos, esta continuará sendo uma suspeita sobre o governo Fernando Henrique Cardoso e não mais de José Dirceu ou Lula.

    Hoje é preciso que se reconheça a verdade com todas as suas conseqüências: o STF jamais demonstrou a compra de votos no congresso. José Dirceu pode ser criticado por seus erros e escolhas políticas, mas jamais por algum crime comprovado nos autos da ação penal 470. Ele e alguns outros réus sofreram uma condenação injusta. A História os absolverá.

OS INTELECTUAIS E A ESFERA PUBLICA

*Emir Sader

     O governo Lula surpreendeu aos intelectuais, que ficaram desarmados sobre como reagir. Estavam despreparados para encarar um governo que se propunha a enfrentar a herança neoliberal nas condições realmente existentes.

     A primeira atitude foi a mais tradicional nos intelectuais de esquerda: a deníncia de “traição” do Lula, que haveria herdado e mantido o governo neoliberal de FHC e seu programa. A nomeação da equipe econômica seria a prova irrefutável do crime.

     Essa concepção foi adotada desde um primeiro momento pelos intelectuais da ultra esquerda, com seus esquemas pré-fabricados de que todo partido “social democrata”, quando chega ao governo, “trai” a classe trabalhadora e se assume como governo “burguês”, de direita, que apenas administra a crise capitalista, enganando a classe trabalhadora. Só viram no governo Lula a “confirmação” do que sempre – eles e seus antepassados políticos – previam.

     A eles se juntaram os que acompanhavam, com bastante desconfiança, a vitória do PT e, diante da primeira circunstância, se distanciaram, com denúncias similares às mencionadas acima, sem nenhuma criatividade. O PT teria se aburguesado, se distanciado de suas bases tradicionais, se adequado à herança recebida e fazia um governo de continuidade com o governo de FHC. Houve até mesmo economistas que tentaram provar que não teria existido sequer “herança maldita” que demandasse políticas específicas para herdá-las, que tudo eram mentiras do governo Lula para justificar medidas econômicas conservadoras.

     Na crise de 2005, intelectuais da extrema esquerda aderiram ao coro de denúncias da direita contra o governo Lula. Abandonaram qualquer crítica à política econômica e se centraram em que a “traição” teria ganhado contornos morais, com a corrupção grassando em todo o governo Lula.

     Perderam o norte do mundo contemporâneo, em que o capitalismo assumiu o modelo neoliberal, que busca a mercantilização de tudo. Se somaram ao liberalismo, na sua crítica ao Estado, de que as denúncias de corrupção são um capítulo.

     Terminaram fazendo da crítica ao governo Lula e ao PT seu objetivo fundamental, aliados à direita – em particular a seus espaços midiáticos – e terminando grotescamente, assim, sua trajetória intelectual.

    Seguem nesse lugar, sem revelar nenhuma capacidade de análise e compreensão do Brasil e da América Latina contemporâneas, com o que não captam a natureza e o estado atual da luta pela superação do modelo neoliberal.

  Os intelectuais de direita, que se haviam reanimado com os governos Collor, Itamar e FHC, revigorados pelo fim da URSS e, com ela, o fracasso do Estado, se mobilizaram no apoio às versões brasileiras do projeto neoliberal, de forma eufórica. Conseguiam retomar a ofensiva diante da esquerda, com um projeto que se pretendia “modernizador” e desqualificava a esquerda como pré-histórica.

   Uniram-se intelectuais tradicionais da direita – vários deles que haviam estado com a ditadura –, mais intelectuais tucanos e economistas acadêmicos, em torno da liderança de FHC. Tiveram o gosto de derrotar o Lula e o PT duas vezes, pretendiam ter chegado ao poder por 20 anos e ter derrotado de vez a esquerda.

   Naufragaram com o fracasso do governo FHC. Nem foram capazes de fazer um balanço da experiência desse governo e diagnosticar a derrota do candidato de continuísmo – que, na própria distância em relação ao governo de FHC, confessava sua derrota.

   A intelectualidade de esquerda que não se rendeu à fácil versão da “traição” do governo Lula manteve seu apoio ao governo e ao PT, mas em geral sem teorizar as razões desse apoio. Haviam ficado na defensiva diante dos caminhos inesperados adotados pelo governo Lula e as acusações de corrupção levantadas contra ele. Se passava a uma situação claramente de defensiva diante da ofensiva da direita e da ultra esquerda.

   Foi o enfrentamento dessa crise pelo governo Lula e a vitória eleitoral de 2006 – que revelava as novas bases populares que as políticas sociais tinham conquistado para o governo e para a esquerda – que projetaram uma nova imagem do governo. A ideia de que, pela primeira vez, mesmo se por caminhos inesperados e até mesmo reprovados pela esquerda – como os elementos conservadores da política econômica –, a fisionomia social do país tinha mudado, de forma significativa, e pela primeira vez a esquerda tinha uma base realmente popular, voltou a sensibilizar a setores da intelectualidade da esquerda. 

   O apoio ao governo veio, sobretudo, das conquistas sociais dos setores populares e, em menor medida, da política externa soberana do governo. A confiança na figura do Lula comandou essa retomada de apoio dos intelectuais de esquerda ao governo.

   Mas sem ainda teorizar as razões do sucesso do governo. É esse processo que precisa ser dinamizado, para retomar uma interação entre o pensamento crítico e os governos do PT, que tinha sido deixada de lado. O pensamento social necessita rearticular-se com os processos políticos contemporâneos – o brasileiro e o latino-americano – e os governos e os partidos de esquerda precisam da oxigenação do pensamento crítico.

    Essa retomada deve se centrar no balanço da luta pela superação do modelo neoliberal e nos traços fundamentais de uma sociedade fundada na esfera pública, na universalização dos direitos, na democratização radical da economia, da política e da vida cultural.

O PIOR ANALFABETO É O ANALFABETO MIDIÁTICO.



“Ele imagina que tudo pode ser compreendido sem o mínimo esforço intelectual”. Reflexões em torno de poema de Brecht, no século 21 - Por Celso Vicenzi

     Ele ouve e assimila sem questionar, fala e repete o que ouviu, não participa dos acontecimentos políticos, aliás, abomina a política, mas usa as redes sociais com ganas e ânsias de quem veio para justiçar o mundo. Prega ideias preconceituosas e discriminatórias, e interpreta os fatos com a ingenuidade de quem não sabe quem o manipula. Nas passeatas e na internet, pede liberdade de expressão, mas censura e ataca quem defende bandeiras políticas. Ele não sabe que o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio dependem das decisões políticas. E que elas – na era da informação instantânea de massa – são muito influenciadas pela manipulação midiática dos fatos. Não vê a pressão de jornalistas e colunistas na mídia impressa, em emissoras de rádio e tevê – que também estão presentes na internet – a anunciar catástrofes diárias na contramão do que apontam as estatísticas mais confiáveis. Avanços significativos são desprezados e pequenos deslizes são tratados como se fossem enormes escândalos. O objetivo é desestabilizar e impedir que políticas públicas de sucesso possam ameaçar os lucros da iniciativa privada. O mesmo tratamento não se aplica a determinados partidos políticos e a corruptos que ajudam a manter a enorme desigualdade social no país.

     Questões iguais ou semelhantes são tratadas de forma distinta pela mídia. Aula prática: prestar atenção como a mídia conduz o noticiário sobre o escabroso caso que veio à tona com as informações da alemã Siemens. Não houve nenhuma indignação dos principais colunistas, nenhum editorial contundente. A principal emissora de TV do país calou-se por duas semanas após matéria de capa da revista IstoÉ denunciando o esquema de superfaturar trens e metrôs em 30%.

     O analfabeto midiático é tão burro que se orgulha e estufa o peito para dizer que viu/ouviu a informação no Jornal Nacional e leu na Veja, por exemplo. Ele não entende como é produzida cada notícia: como se escolhem as pautas e as fontes, sabendo antecipadamente como cada uma delas vai se pronunciar. Não desconfia que, em muitas tevês, revistas e jornais, a notícia já sai quase pronta da redação, bastando ouvir as pessoas que vão confirmar o que o jornalista, o editor e, principalmente, o “dono da voz” (obrigado, Chico Buarque!) quer como a verdade dos fatos. Para isso as notícias se apoiam, às vezes, em fotos e imagens. Dizem que “uma foto vale mais que mil palavras”. Não é tão simples (Millôr, ironicamente, contra-argumentou: “então diga isto com uma imagem”). Fotos e imagens também são construções, a partir de um determinado olhar. Também as imagens podem ser manipuladas e editadas “ao gosto do freguês”. Há uma infinidade de exemplos. Usaram-se imagens para provar que o Iraque possuía depósitos de armas químicas que nunca foram encontrados. A irresponsabilidade e a falta de independência da mídia norte-americana ajudaram a convencer a opinião pública, e mais uma guerra com milhares de inocentes mortos foi deflagrada.

     O analfabeto midiático não percebe que o enfoque pode ser uma escolha construída para chegar a conclusões que seriam diferentes se outras fontes fossem contatadas ou os jornalistas narrassem os fatos de outro ponto de vista. O analfabeto midiático imagina que tudo pode ser compreendido sem o mínimo de esforço intelectual. Não se apoia na filosofia, na sociologia, na história, na antropologia, nas ciências política e econômica – para não estender demais os campos do conhecimento – para compreender minimamente a complexidade dos fatos. Sua mente não absorve tanta informação e ele prefere acreditar em “especialistas” e veículos de comunicação comprometidos com interesses de poderosos grupos políticos e econômicos. Lê pouquíssimo, geralmente “best-sellers” e livros de autoajuda. Tem certeza de que o que lê, ouve e vê é o suficiente, e corresponde à realidade. Não sabe o imbecil que da sua ignorância política nasce a prostituta, o menor abandonado, e o pior de todos os bandidos que é o político vigarista, pilantra, o corrupto e o espoliador das empresas nacionais e multinacionais.”

     O analfabeto midiático gosta de criticar os políticos corruptos e não entende que eles são uma extensão do capital, tão necessários para aumentar fortunas e concentrar a renda. Por isso recebem todo o apoio financeiro para serem eleitos. E, depois, contribuem para drenar o dinheiro do Estado para uma parcela da iniciativa privada e para os bolsos de uma elite que se especializou em roubar o dinheiro público. Assim, por vias tortas, só sabe enxergar o político corrupto sem nunca identificar o empresário corruptor, o detentor do grande capital, que aprisiona os governos, com a enorme contribuição da mídia, para adotar políticas que privilegiam os mais ricos e mantenham à margem as populações mais pobres. Em resumo: destroem a democracia.

     Para o analfabeto midiático, Brecht teria, ainda, uma última observação a fazer: Nada é impossível de mudar. Desconfiai do mais trivial, na aparência singelo. E examinai, sobretudo, o que parece habitual.

O ANAFALBETO POLÍTICO
O pior analfabeto, é o analfabeto político.
Ele não ouve, não fala, não participa dos acontecimentos políticos.
Ele não sabe que o custo de vida,
O preço do feijão, do peixe, da farinha
Do aluguel, do sapato e do remédio
Depende das decisões políticas.
O analfabeto político é tão burro que
Se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia política.
Não sabe o imbecil,
Que da sua ignorância nasce a prostituta,
O menor abandonado,
O assaltante e o pior de todos os bandidos
Que é o político vigarista,
Pilantra, o corrupto e o espoliador
Das empresas nacionais e multinacionais.
"Bertold Brecht"



sexta-feira, 9 de agosto de 2013

AGRONEGÓCIO, UM MODELO ESGOTADO!!!


Vandana Shiva (foto), cientista indiana mundialmente conhecida, falou sobre as consequências da chamada Revolução Verde e denunciou o controle das transnacionais na abertura do III Encontro Internacional de Agroecologia, em Botucatu, interior de São Paulo


06/08/2013 - Péricles de Oliveira ... de Botucatu (SP)

Perante uma atenta plateia composta por mais de 3 mil pessoas, a renomada cientista indiana Vandana Shiva fez uma palestra de uma hora, respondeu a perguntas e encantou a todos com suas ideias, experiências e convicções, durante a abertura do III Encontro Internacional de Agroecologia, no dia 31 de julho, na cidade de Botucatu, interior de São Paulo.

Vandana foi muito contundente ao longo de toda a sua fala. Começou contando de sua vida, de como havia estudado biologia e física quântica na universidade e de como se considerava uma pessoa alienada da realidade do mundo.

Esclareceu que o choque que a fez despertar foi um grave acidente ocorrido, 30 anos atrás, numa fábrica de pesticidas – que resultou numa tragédia, com a morte de mais de 35 mil indianos. A partir daí, é que ela acaba se convertendo à causa do povo e não para mais de pesquisar a ação das empresas transnacionais sobre a agricultura.

Hoje, ela é considerada uma das principais pesquisadoras dos malefícios para a saúde humana e para a destruição da biodiversidade que as sementes transgênicas e os agrotóxicos das empresas transnacionais vêm causando em todo o mundo.

“Revolução Verde”

Vandana falou sobre as consequências da chamada Revolução Verde, imposta pelo governo dos Estados Unidos, na década de 1960, a toda a sua área de influência como forma de vender mais insumos agroquímicos e suas mercadorias agrícolas.

O resultado disso – o de subjugar países e camponeses – pode ser visto hoje, já que 65% de toda a biodiversidade e dos recursos de água doce do planeta foram contaminados por agrotóxicos.

Além disso, há estudos comprovando que 40% de todo o efeito estufa que afeta o clima no planeta é causado pelo uso exagerado, desnecessário, de fertilizantes químicos na agricultura. Chegou a dizer, inclusive, que em muitas regiões da Europa, em função da mortandade e desaparecimento das abelhas, a produtividade agrícola já teria caído 30%.

A indiana atentou para o fato de que se fôssemos calcular os prejuízos e custos necessários para repor a biodiversidade e reequilibrar o meio ambiente com vistas a amenizar os desequilíbrios climáticos, eles seriam maiores, em dólares, do que todo o comércio de commodities que as empresas realizam.

Genocídio

Em relação à ação das empresas transnacionais que atuam na agricultura – como Monsanto, Bunge, Syngenta e Cargill – também não poupou críticas. Denunciou que elas controlam a produção e o comércio mundial da soja, milho, canola e trigo. E que fazem propaganda enganosa dizendo que a humanidade depende dos alimentos produzidos pelo agronegócio para sobreviver, quando na prática a humanidade se alimenta com centenas de outros vegetais e fontes de proteínas, que elas ainda não puderam controlar.

Disse que essas “empresas, ao promoverem as sementes transgênicas, não inventaram nada de novo. Não desenvolveram nada. O único que fizeram foi fazer mutações genéticas que existem na natureza para viabilizar a venda de seus agrotóxicos”.

Citou que a Monsanto conseguiu controlar a produção de algodão na Índia, apoiada por governos subservientes, neoliberais, e que hoje 90% da produção depende de suas sementes e venenos. Com isso houve uma destruição do modo camponês de produzir algodão e um endividamento dos que permaneceram.

A conjunção do alto uso de venenos intoxicantes que levam à depressão e a vergonha da dívida fez com que, desde 1995 até os dias de hoje, houvesse 284 mil suicídios entre os camponeses indianos. Um verdadeiro genocídio escondido pela imprensa mundial e cuja culpada principal seria a Monsanto.

Apesar de tantos sacrifícios humanos, a Monsanto ainda recolhe em seu país 200 milhões de dólares anuais, cobrando royalties pelo uso de sementes geneticamente modificadas de algodão.

Mais de 3 mil pessoas participaram da palestra dada pela cientista indiana Vandana Shiva - Foto: EIA 

Commodities não são alimentos

O modelo do agronegócio é apenas uma forma de se apropriar do lucro dos bens agrícolas, mas ele não resolve os problemas do povo. Tanto é que aumentamos muito a produção, poderíamos inclusive abastecer 12 bilhões de pessoas [quase o dobro da população mundial], mas, no entanto, temos 1 bilhão de pessoas que passam fome todos os dias, sendo 500 milhões delas camponesas que vivem no meio rural e que tiveram seu sistema de produção de alimentos destruído pelo agronegócio.

As commodities agrícolas são meras mercadorias agrícolas, não são alimentos. Cerca de 70% de todos os alimentos do mundo ainda são produzidos pelos camponeses.

É preciso entender que alimentos são a síntese da energia necessária que os seres humanos precisam para sobreviver, a partir do meio ambiente em que vivem, recolhendo essa energia d a fertilidade do solo e do meio ambiente.

Quanto maior a biodiversidade da natureza, maior o número de nutrientes e mais sadia será a alimentação produzida naquela região para os humanos. E o agronegócio destrói a biodiversidade e as fontes de energia verdadeiras.

As empresas lançam mão de um fetiche gerado pela propaganda, de que estão usando modernas técnicas de biotecnologia para aumentar a produtividade das plantas, mas isso é um engodo. Quando se vai pesquisar o que são tais biotecnologias, elas são guardadas em segredo. Porque, no fundo, elas não mudam nada na natureza. São apenas mecanismos para aumentar a rentabilidade econômica das grandes plantações.

Na verdade, a agricultura industrial é a padronização do conhecimento, é a negação do conhecimento sobre a arte de cultivar a terra. Porque o verdadeiro conhecimento é desenvolvido pelos próprios agricultores, e pelos pesquisadores, em cada região, em cada bioma, em cada planta.

Consumidores

O modelo do agronegócio quer transformar as pessoas apenas em “consumidores” de suas mercadorias. Vandana nos diz que devemos combater o uso e o reducionismo da expressão “consumidores”, que devemos usar o termo “seres humanos”, pessoas que precisam de uma vida saudável. “Consumidor” indica uma redução subalterna do ser humano.

As empresas do agronegócio dizem que são o desenvolvimento e o progresso. Na prática, chegam a controlar 58% de toda produção agrícola do mundo, porém, dão trabalho para apenas 3% das pessoas que vivem no meio rural. Portanto, o agronegócio é um sistema antissocial.

A indiana revelou ainda que fez parte de um grupo de 300 cientistas de todo mundo que se dedicam a pesquisar a agricultura e que após realizarem diversos estudos, durante três anos, comprovaram que nem a Revolução Verde imposta pelos Estados Unidos, nem o uso intensivo das sementes transgênicas e dos agroquímicos podem resolver os problemas da agricultura e da alimentação mundial. Algo que só pode acontecer por meio da recuperação de práticas agroecológicas que convivam com a biodiversidade, em cada local do planeta.

Vandana concluiu sua crítica ao modelo do agronegócio dizendo que ele projeta a destruição e o medo, porque é concentrador e excludente. Por isso, tornou-se algo comum o costume dessas empresas ameaçarem ou cooptarem os cientistas que se opõe a elas.

A saída é a agroecologia

Após criticar duramente o modelo do capital, a cientista dedicou sua palestra a projetar as técnicas ou o modelo de produção da agroecologia como a alternativa popular e necessária para produção de alimentos.

Defendeu que o modelo da agroecologia é o único que permite desenvolver técnicas de aumentar a produtividade e a produção sem a destruição da biodiversidade.

Que a agroecologia é a única forma de criar empregos e formas de vida saudáveis para a população permanecer no campo e não ter de se marginalizar nas grandes cidades. Sobretudo, fez a defesa de que os métodos da agroecologia são os únicos que conseguem produzir alimentos sadios, sem venenos.

Dificuldades da transição

Quando perguntada sobre as dificuldades da transição entre os dois modelos, contestou, citando a Índia: “Nós já tivemos problemas maiores na época do colonialismo inglês. No entanto, Gandhi nos ensinou que a nossa fortaleza é sempre ‘lutar pela verdade’, porque o capital engana e mente para poder acumular riquezas. Mas a verdade está com a natureza, está com as pessoas”.

Dessa energia que emana de Gandhi, Vandana reforçou: “Se houver vontade política para fazer a mudança, se houver vontade para produzir alimentos sadios, será possível cultivá-los”.

Vandana concluiu conclamando a todos a se envolverem e participarem do Encontro Mundial de Luta Pelos Alimentos Sadios e Contras as Empresas Transnacionais que a Via Campesina, os movimentos de mulheres e centenas de entidades realizam todos os anos, na semana de 16 de outubro. “Precisamos unificar as vozes e as vontades em nível mundial. E essa será uma ótima oportunidade.”

Recomendações

Quando perguntada sobre as recomendações que daria aos jovens, aos estudantes de agronomia, aos agricultores praticantes da agroecologia, Vandana Shiva elencou seis pontos:

Primeiro: disse que a base da agroecologia é a preservação e a valorização dos nutrientes que há no solo. Neste instante, a indiana fez referência a outra cientista presente na plateia que a assistia muito atenta, a professora Ana Maria Primavesi. “Precisamos ir aplicando as técnicas que garantam a saúde do solo, e dessa saúde, recolheremos frutos com energia saudável.”

Segundo: estimular que os agricultores controlem as sementes. As sementes são a garantia da vida. “Nós não podemos permitir que as empresas transnacionais transformem nossas sementes em meras mercadorias. As sementes são um patrimônio da humanidade.”

Terceiro: precisamos relacionar a agroecologia com a produção de alimentos saudáveis que garantam a saúde e assim conquistar os corações e mentes da população da cidade, que está sendo cada vez mais envenenada pelas mercadorias com agrotóxicos. “Se vincularmos os alimentos com a saúde das pessoas, ganharemos milhões de pessoas da cidade para a nossa causa.”

Quarto: precisamos transformar os territórios em que os camponeses têm hegemonia em verdadeiros santuários de sementes, de árvores sadias, de cultivo da biodiversidade, da criação de abelhas, da diversidade agrícola.

Quinto: precisamos defender a ideia que faz parte da democracia, a liberdade das pessoas de terem opções de alimentos. Elas não podem mais serem reféns dos produtos que as empresas colocam nos supermercados de acordo com a sua vontade apenas.

Sexto: precisamos lutar para que os governos parem de usar dinheiro público – que é de todo o povo – para subsidiar, transferir esses recursos para os fazendeiros. Isso vem acontecendo em todo o mundo e também na Índia. O modelo do agronegócio não se sustenta sem os subsídios e vantagens fiscais que os governos lhes garantem.