segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Assembleia Geral da ONU exige fim de bloqueio contra Cuba

26.10.2011

     A Assembleia Geral da ONU exigiu nesta terça-feira (25), pelo vigésimo ano consecutivo, o fim do bloqueio norte-americano imposto a Cuba há meio século, em uma resolução adotada por uma maioria esmagadora de 186 países.

     A resolução foi adotada por 186 votos a favor, apenas dois contra (Estados Unidos e Israel) e três abstenções.

     "O dano econômico direto contra o povo cubano supera os 975 bilhões de dólares", disse o chanceler cubano Bruno Rodríguez, ao defender a resolução que condena o bloqueio e exige seu fim diante da Assembleia Geral reunida em Nova York.

     Rodríguez lembrou que em 1991 e no ano seguinte foi incluída pela primeira vez a questão de eliminar o bloqueio contra Cuba, em um momento em que os Estados Unidos pretendiam, com "cruel oportunismo", apertar o cerco contra a ilha, após a queda do bloco soviético.

     Naquele ano, a sessão ordinária aprovou por 59 votos a favor, três contra e 71 abstenções a primeira resolução condenando o bloqueio e cobrando seu levantamento. Desde então, a cada novo ano, a Assembleia aprova uma resolução intitulada "Necessidade de pôr fim ao bloqu eio econômico, comercial e financeiro imposto pelos Estados Unidos da América contra Cuba".

     "É inacreditável o fato de que, 20 anos depois, esta Assembleia continue considerando este assunto", afirmou Rodriguez, reiterando que "os Estados Unidos nunca ocultaram que seu objetivo é derrubar o governo revolucionário" cubano.

     "Por que o governo Obama não se ocupa dos problemas dos EUA e deixa nós cubanos resolvermos em paz e sossegados os nossos"?, questionou.

     De acordo com o chancelar a condeação ao bloqueio já é um dos temas tradicionais na Assembleia Geral, "que reúne os pronunciamentos mais reiterados, com o apoio mais contundente e esmagador, o que mostra mais claramente o incômodo isolamento do país agressor e a resistência heroica de um povo que se nega a ceder os seus direitos soberanos".

     Segundo Bruno Rodriguez, o que os Estados Unidos querem que Cuba mude, não será transformado. " O governo de Cuba permanecerá o governo do povo, pelo povo e para o povo. Nossas eleições não serão leilões. Não teremos campanhas eleitorais de 4 bilhões de dólares, nem um Parlamento com o apoio de 13% dos eleitores. Não teremos elites políticas corruptas separadas do povo. Continuaremos a ser uma verdadeira democracia e não uma plutocracia. Defenderemos o direito à informação verdadeira e objetiva", discursou.

     Rodríguez afirmou ainda que os "vínculos familiares e o limitado intercâmbio cultural, acadêmico e científico entre os EUA e Cuba já demonstram como positiva seria a expansão destas ligações para o benefício dos dois povos, sem as restrições e limitações impostas por Washington".

     "A proposta de Cuba para avançar no sentido da normalização das relações e ampliar a cooperação bilateral em diversas áreas continua", afirmou, agredecendo o apoio de todos os países que, nesses 20 anos, têm votado a favor do fim do bloqueio.

     Com agências

Sobre a violência contra a cantora e atriz Thalma de Freitas


Cala boca, besta

por Wander Lourenço*

Jornal do Brasil - 25/10/2011 - 22h01

     Até quando iremos tolerar a desconfiança contra cidadãos negros ou mestiços por parte de uma visão elitista e conservadora, provinda dos longínquos tempos da escravatura, ao compactuarmos com uma conduta execrável e abjeta, que interpreta pela cor da pele o tratamento a ser direcionado pelo algoz ao réu?

     Ao assistir, estupefato, ao episódio vivenciado pela cantora do conjunto Orquestra Imperial, Thalma de Freitas, no noticiário televisivo, lembrei-me de que, habitualmente, parte da população brasileira se refere aos policiais militares como capitães do mato, por estes se dedicarem à captura de marginais homiziados em quilombos/favelas.Em alusão aos negros e mestiços que serviam aos senhores de engenho, em busca de consideração e recompensas pecuniárias, os caçadores de escravos aprisionavam os negros fujões e os arrastavam até a senzala, a fim de que se preservasse a ordem e a propriedade.Ao descer as ladeiras do Morro do Vidigal, a talentosa artista negra fora abordada por sujeitos fardados possivelmente em sua maioria pertencentes aos mesmos traços e padrões étnicos, que desconfiaram não só de sua procedência; mas, sobretudo, de sua origem racial porque, de acordo com depoimento da vítima, havia no local uma jovem branca que os homens da lei sequer ousaram suspeitar ou pôr em revista.

     No romance histórico intitulado O sonho do Celta, Mario Vargas Llosa retrata uma identificação nominal destinada aos indígenas peruanos "castelhanizados", responsáveis pela vigília e aplicação dos castigos ou mutilações nos selvagens recrutados em "correrias" - leia-se, caçadas que sequestravam homens, mulheres e crianças -, para labutação nos seringais amazônicos no início do século 20 - racionais. Sim, alcunhavam desta propícia maneira os silvícolas ameríndios evangelizados e, por conseguinte, aptos a colaborar com os métodos de exploração impostos pelos europeus desbravadores da Floresta Amazônica. Em retorno ao ofício dos capitães do mato ou indígenas racionais, poder-se-ia concluir que os soldados que detiveram a promissora Thelma de Freitas o fizeram por preconceito étnico ou por uma espécie de revanchismo paradoxalmente contra a própria raça negra? Uma vez que disfarçados de uma autoridade onipresente, os policiais militares se sentiriam no pleno dever de descontar as atrocidades e injustiças antepassadas, que povoaram as suas existências abalroadas de recordações de uma pobre infância de subúrbio ou favela?

     Ao que parece o ódio da abominação oriunda de um remoto período de humilhação ainda não foi cicatrizado; entretanto, quando se utilizaram da força bélica de um fuzil ou metralhadora para obrigar uma pessoa pública ao constrangimento de acompanhá-los, dentro de uma suposta legalidade, até a delegacia mais próxima para revista feminina, não imaginavam que a coragem desta mulher negra iria impulsioná-la a denunciar, diante das câmeras em rede nacional, a recorrente prática de desrespeito a que estes incautos guardiões da moral e dos bons costumes estão afeitos a impunemente lidar com os habitantes da cidade do Rio de Janeiro.Quantos de nós já presenciamos, em blitz, as tais abordagens a negros e mulatos, protagonizadas por membros da guarda estadual da mesma origem racial dos suspeitos incriminados por uma desprezível atitude de autoritarismo diante de um suposto delito de nascença - a negritude ou mestiçagem? Quantos cidadãos anônimos sofrem, cotidianamente, em aterrorizante lei do silêncio, com o abuso de autoridade destes impetuosos cães de guarda mal treinados, que se travestem de capitães do mato ou racionais para, sem educação nem princípios, insultarem o direito de cidadania dos milhares de centenas de trabalhadores fluminenses - frutos da tão decantada miscigenação pátria?

     A repulsa da esdrúxula situação impele ao atroz descaso com o ser humano por intermédio do assassínio de sua integridade física e moral, mutilada por irresponsáveis ações já corriqueiras de pessoas detentoras de um direito de ir e vir castrado por um ímpeto de aberrante desobediência constitucional.Até quando iremos tolerar a desconfiança contra cidadãos negros ou mestiços por parte de uma visão elitista e conservadora, provinda dos longínquos tempos da escravatura, ao compactuarmos com uma conduta execrável e abjeta, que interpreta pela cor da pele o tratamento a ser direcionado pelo algoz ao réu? Que não cessem os questionamentos de ordem intelectual mediante mordaz hipocrisia, que marginaliza pelo olhar do inquisidor a serviço da opressão, que aprisiona pelo ato de vil julgamento étnico e que condena pela antilei professada pela discriminação racial.

     Para ilustrar o entrevero entre a atriz Thalma de Freitas e os policias militares do Vidigal, quiçá em descabido e secular revanchismo, reporto-me ao livro Memórias póstumas de Brás Cubas, publicado em 1881. Em criança, Brás Cubas fazia o escravo Prudêncio de negro de montaria, com arreios e chicote; e, quando o preto reclamava dos maus-tratos impostos, o sinhozinho branco o repelia com um providencial e supremo: "Cala boca, besta!...". Anos depois, o memorialista deparou-se com uma curiosa cena em que um homem de cor alforriado humilhava em praça pública, com xingamentos e ameaças, um seu negro cativo, indulgente e beberrão. Entrementes, qual não foi a sua surpresa quando reconheceu o seu antigo animal de montaria de outrora na figura daquele que o parafraseava, pois que o velho e bom Prudêncio, ao retorquir as reclamações do pobre diabo que, aos bofetões e impropérios, era castigado, soberbo e majestoso, obtemperava: "Cala boca, besta!...".

     * Wander Lourenço de Oliveira, doutor em letras, é professor da Universidade Estácio e autor dos livros 'Com licença, senhoritas (A prostituição no romance brasileiro do século 19)' e de 'O enigma Diadorim'.

terça-feira, 18 de outubro de 2011

O mundo em vermelho e azul de Zizek e Jobs

     Camisa de malha vermelha estampada por um Karl Marx gorducho e em cima do que no Youtube parece um banco de madeira, Slavoj Zizek usa microfone humano para reproduzir seu discurso numa praça arborizada em Wall Street.

     "Não se apaixonem por vocês mesmos. É bom estar aqui, mas lembrem-se, os carnavais são baratos. O que importa é o dia seguinte, quando voltamos à vida normal. Não quero que se lembrem destes dias assim: "Meu Deus, como éramos jovens e foi lindo"".

     Aos 62 anos, professor de universidades europeias e americanas, palestrante globetrotter e autor de 43 livros publicados em mais de 20 línguas, o esloveno Slavoj Zizek é um filósofo pop.

     O alvo de Zizek e de sua plateia eram os bancos da vizinhança que, socorridos pelo fisco americano, não dividem a conta da crise em que a irresponsabilidade financeira jogou o país desde 2008.

     Segundo o "The New York Times", o movimento que se espraia pelo país já tem uma cobertura noticiosa comparável à do surgimento de seu congênere de direita, o Tea Party, mas ainda perde para a morte de Steve Jobs, quatro dias antes do discurso de Zizek.

     Nenhum fato da vida do fundador da Apple foi tão lembrado naqueles dias em que Jobs foi colocado no panteão de gênios da humanidade quanto o discurso que proferiu em 2005 na Universidade de Stanford. Sua plateia era de concluintes da universidade mais prestigiada do Vale do Silício, onde Jobs fez fama e fortuna.

     Confrontados pelo Youtube, os discursos de Zizek e Jobs, seis anos mais novo que o filósofo esloveno, revelam mais do que mentalidades em conflito.

     O fundador da Apple fez um discurso centrado em sua própria história de vida para dizer aos estudantes que só deviam acreditar neles mesmos. Recheado por histórias de sua adoção até as brigas societárias na Apple, o discurso é uma ode ao individualismo.

     Na receita do que deveriam fazer para vencer na vida, seus estudantes foram presenteados com tiradas como: "Seu tempo é limitado, então não o gaste vivendo a vida de um outro alguém"; "Não deixe que o barulho da opinião dos outros cale sua própria voz interior"; "Tenha coragem de ouvir seu próprio coração e sua intuição".

     A mensagem do gênio da era digital é coerente com os produtos que criou. Umberto Eco um dia disse que, com a Apple, a informática tinha deixado de ser instrumento para se transformar num meio de encantamento.

     E o encanto aumenta a cada lançamento, ainda que a diferença de um produto para outro seja o acréscimo de um megapixel ou o decréscimo de milímetros na espessura. Cada pequeno detalhe é aplaudido como mais uma grande conquista de um mundo de ícones coloridos ao alcance de um toque.

     Junto com o fetichismo, a era digital também possibilitou a convocação de manifestações como as que sacudiram o mundo árabe, passaram pela Europa e espraiam-se pelos Estados Unidos.

      O filósofo midiático também é filho desta era digital, o que não lhe impede de fazer perguntas que incomodam, a começar de si mesmo, que, a cada frase de seu discurso em Wall Street, automaticamente puxava a camiseta para baixo.

      Naquele domingo em que foi a atração do movimento nova-iorquino, Slavoj Zizek perguntou aos manifestantes por que a tecnologia havia rompido quase todas as fronteiras do possível enquanto na política quase tudo era considerado impossível, a começar do aumento do imposto dos ricos para melhorar a saúde pública.

     A audiência do filósofo performático era muito diferente daquela de Stanford. Muitos dos estudantes ali presentes, de acordo com os relatos da imprensa, não conseguem emprego para pagar o crédito estudantil que lhes permitiu frequentar universidade.

     Vítima da ditadura iugoslava de Tito, Zizek usou suas frases de efeito para dizer que o comunismo falhou, mas o problema dos bens comuns permanece: "Hoje os comunistas são os capitalistas mais eficientes e implacáveis. Na China de hoje, temos um capitalismo que é ainda mais dinâmico do que o vosso capitalismo americano. Mas ele não precisa de democracia. O que significa que, quando criticarem o capitalismo, não se deixem chantagear pelos que vos acusam de ser contra a democracia. O casamento entre a democracia e o capitalismo acabou".

     O divórcio da era digital genialmente revolucionada por Jobs e a utopia de Zizek está resumida na história contada pelo filósofo esloveno na praça. Um alemão oriental foi exilado na Sibéria e combinou com seus amigos que ao receberem cartas suas observassem a cor da tinta. Se azul, contaria a verdade. Se vermelha, seria falsa. A primeira carta veio em azul: "Tudo é maravilhoso aqui, as lojas estão cheias de boa comida, os cinemas exibem bons filmes do ocidente, os apartamentos são grandes e luxuosos, a única coisa que não se consegue comprar é tinta vermelha".

     Zizek contou essa história para dizer que, sem tinta vermelha, o mundo se mostrava incapaz de articular uma linguagem para expressar a ausência de liberdade e encontrar alternativas a um sistema em crise.

    A era digital abre todas as possibilidades e nenhuma. Faz do individualismo a alma da globalização. É imaginativa, mas escreve em azul.

     É pela internet que está sendo convocada para amanhã o que se imagina que venha a ser "a maior manifestação da história". Pretende mobilizar milhões em 79 países e dar seguimento à onda de mobilizações que começou nos países árabes, prosseguiu pela Europa e agora se espraia pelos Estados Unidos.

     Já tem adeptos em 34 cidades brasileiras. Muitos deles participaram dos protestos de quarta-feira. No Brasil, a manifestação é ainda mais difusa do que no resto do mundo que pelo menos tem o desemprego crescente como amálgama.

     Um dos grupos tupiniquins mais ativos é o Anonymous que, no 12 de outubro, declarou: "A corrupção é o principal motivo de as coisas estarem erradas". De seu banquinho nova-iorquino, Slovej usou mais uma de suas frases de efeito para mandar o recado: "O problema não é a corrupção ou a ganância, o problema é o sistema".

Maria Cristina Fernandes é editora de Política. Escreve às sextas-feiras
Valor Econômico - 14/10/2011




Ao comando de Camila Vallejo


The Observer

Por Jonathan Franklin, de Santiago

      Enquanto o sol da tarde de sexta-feira descia em direção ao horizonte, alguns estudantes da Universidade do Chile jogavam pingue-pongue ou futebol e casais descansavam e se beijavam ao último calor do dia. Mas outros tinham questões mais sérias na cabeça: a rebelião estudantil extremamente popular que transformou a agenda política do país. E para muitos dos manifestantes envolvidos e os que simpatizam com seus objetivos a face da rebelião é Camila Vallejo. Em um auditório em um porão, um grupo de 60 líderes estudantis planejava os próximos passos de sua revolução incipiente pela educação universitária gratuita, com Camila no centro do palco.

     Ela estava sentada atrás de seu velho laptop, com um pequeno caderno azul sobre a mesa e um público cativo à sua frente. Quando fala, suas mãos revoam como pássaros apanhando presas invisíveis. Sua linguagem é pontuada e clara, mas misturada com constantes doses de humor e autozombaria, ela faz suas acusações rindo.

     Como segunda mulher presidente do principal órgão estudantil do Chile, conhecido como Federação de Estudantes da Universidade do Chile (Fech), Camila Vallejo, que também integra o braço jovem do Partido Comunista, a JJCC, preside o maior movimento democrático civil desde o tempo das marchas de oposição ao general Augusto Pinochet, há uma geração.

     A reação do governo lembrou a muitos chilenos mais velhos aquela época sombria. Na quinta-feira 6, a polícia antimotim chilena emboscou Camila e um grupo de líderes estudantis logo depois de uma entrevista coletiva no centro de Santiago. “Eles (a polícia) visaram a liderança com violência”, disse Ariel Russell, estudante da Universidade do Chile que presenciou o ataque. “Nem tínhamos começado a marchar e o aparato policial estava sobre nós.”

     Camila Vallejo, uma estudante de Geografia de 23 anos, cantava e marchava com um cartaz escrito à mão quando um esquadrão de veículos militares a fechou e atacou com jatos de gás lacrimogêneo. Um par de caminhões montados com canhões de água despejou uma barragem de água forte o suficiente para quebrar ossos e arrastar uma pessoa pelo asfalto. Ela ficou molhada e, então, uma nuvem de gás foi projetada sobre seu corpo. Com a pele molhada, a reação química foi maciça e paralisante. O corpo de Camila entrou em reação alérgica e surgiram bolhas causadas pelo gás.

     “No início, nós resistimos, mas foi insuportável”, disse ela ao Observer. “Você não conseguia respirar, era complicado, tivemos de fugir dos carabineros (a polícia) e, depois, outro canhão de água nos atingiu de frente com outra substância, muito mais forte… Todo o meu corpo queimava, foi brutal.”

     Nas quatro horas seguintes, jornalistas foram espancados e 250 pessoas, detidas. Vinte e cinco policiais ficaram feridos quando jovens mascarados e com bombas de tinta e punhados de pedras contra-atacaram. Durante toda a tarde, o centro de Santiago foi tomado por lutas de rua entre unidades da polícia fortemente armadas e centenas de manifestantes de short e tênis, e cachecóis para se proteger do gás.

      Enquanto esquadrões da polícia atacavam os estudantes, os pedestres e até uma ambulância, Camila Vallejo se escondeu em um escritório, recebeu cuidados médicos e monitorou a situação pelos relatos por telefone celular de uma equipe de batedores nos arredores do que logo se tornou tumulto.

     O governo culpou Camila pelo caos: ela havia feito o apelo muito divulgado, mobilizando seus seguidores a se reunir na Plaza Itália, um parque público, e marchar ao longo da Alameda, a principal avenida da capital, que fica a menos de 2 quilômetros do palácio presidencial, levemente guardado. A líder estudantil rapidamente retrucou que as reuniões públicas não precisam de autorização e que a polícia havia atacado ilegalmente estudantes parados em um parque.

      Camila, uma jovem eloquente e bonita que exala autoconfiança e estilo, deixou a violência de lado e se concentrou no que ela considera as conquistas positivas até agora. “Durante anos a juventude chilena foi consumida por um modelo neoliberal que salienta a conquista pessoal e o consumismo; tudo tem a ver com eu, eu, eu. Não há muita empatia pelo outro”, diz em seu escritório, decorado com uma grande foto de Karl Marx.

     “Este movimento conseguiu exatamente o contrário. Os jovens assumiram o controle e reviveram e dignificaram a política. Isso vem de mãos dadas com o questionamento de modelos políticos desgastados – tudo o que eles fizeram é governar para as grandes empresas e grupos econômicos poderosos.”

     Em questão de poucos meses, Camila Vallejo foi projetada de presidente de um órgão estudantil anônimo a herói popular latino-americana com mais de 300 mil seguidores no Twitter. Digite seu nome no Google e haverá mais de 160 mil resultados apenas nas últimas 24 horas. Os estudantes brasileiros hoje a exibem como convidada vip em suas marchas, o presidente do Chile a convida para negociar um acordo e, quando ela pede uma demonstração de força, centenas de milhares de estudantes de todo o Chile vão às ruas. Como adepta e um fenômeno de mídia social extremamente popular, a líder ascendeu para se tornar um rosto mais identificável nos protestos estudantis.

     Durante a revolta de seis meses, os estudantes chilenos – em muitos casos liderados por jovens de 14 e 15 anos – ocuparam as ruas de Santiago e outras grandes cidades, provocando e contestando o status quo com sua exigência de uma reestruturação maciça na indústria da educação superior do país. Em apoio às suas demandas por uma educação gratuita, desde maio eles organizaram 37 marchas, que reuniram mais de 200 mil estudantes de cada vez.

     A repressão policial foi frequente. Vândalos que muitas vezes usam a cobertura dos protestos estudantis para atacar bancos, farmácias e empresas de serviços públicos encontraram uma força armada da polícia antimotim habituada a atacar pedestres e atirar gás lacrimogêneo em multidões de civis inocentes.

     O que começou como um apelo tranquilo por melhorias na educação pública agora surge como uma rejeição total à elite política chilena. Mais de cem colégios em todo o país foram ocupados por estudantes e uma dúzia de universidades acabou fechada pelos protestos.

     Amplamente admirada por seus discursos na televisão chilena, Camila Vallejo reuniu um público admirador em todo o mundo, que vai desde tributos do rock- alemão a vídeos da maior universidade da América Latina, a Universidade Nacional Autônoma do México. “Essa internacionalização do movimento foi muito importante para nós”, diz Camila, que recebe um dilúvio diário de correspondência de fãs e convites para fazer palestras e seminários. “Aqui no Chile ouvimos constantemente a mensagem de que nossas metas são impossíveis e que não somos realistas, mas o resto do mundo, especialmente a juventude, está nos dando muito apoio. Estamos em um momento crucial nesta luta e o apoio internacional é fundamental.” •

Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

CRIAÇÃO DE PIRARUCU EM CATIVEIRO É SUCESSO NO PERU

     Exemplo bem sucedido: sem agredir o meio ambiente e preservando a espécie, a carne do pirarucu “paiche” continua sendo muito apreciada em nosso país vizinho

     O PIRARUCU (ARAPAIMA GIGAS)  É CONSIDERADO O “BACALHAU DA ÁGUA DOCE”. SÓ PELO APELIDO, JÁ DÁ PARA IMAGINAR QUE SUA CARNE TEM GRANDE APRECIAÇÃO, NÃO É? POR ISSO A ESPÉCIE CHEGOU A CORRER SÉRIOS RISCOS DE DESAPARECER DAS ÁGUAS DA AMAZÔNIA, E NÃO SOMENTE A BRASILEIRA. PARA EVITAR A “TRAGÉDIA”, O NOSSO VIZINHO PERU DECIDIU INVESTIR NA CRIAÇÃO EM CATIVEIRO DESTE PEIXÃO QUE PODE PESAR 200 KG.

     Em território peruano o pirarucu é chamado de paiche. Assim como no Brasil, a espécie vinha sendo exterminada em grande escala pela PESCA predatória. E pior: indivíduos filhotes também eram abatidos sem o menor constrangimento. Dada a situação assustadora, em 2001, o Instituto de Ivestigaciones de La Amazonia Peruana (IIAP) decidiu que ao invés de proibir a PESCA, devia desenvolver a CRIAÇÃO da espécie em tanques redes. Assim, ninguém reclamaria da falta do “saboroso” pesca na mesa.

     Mas a tarefa não foi nada fácil. Os pesquisadores colheram filhotes da espécie para iniciar a reprodução dos mesmos em cativeiro. O primeiro desafio, segundo o presidente da IIAP, Luis Campos Baca, foi fazer com que os paiches se adaptassem a uma dieta balanceada, já que nos rios eles comiam peixes menores.

     Outra tarefa era preparar a terra do fundo das lagoas do que os peruanos chamam de “piscigranjas”. O pirarucu vive em águas turvas, com muito barro e pouco oxigênio, daí a necessidade do PEIXE subir até a superfície para respirar.

     No entanto, o mais difícil mesmo foi distinguir as fêmeas e os machos. Nos primeiros anos de vida era impossível saber o sexo da espécie. Esse problema já foi superado. “Encontramos uma proteína exclusiva das fêmeas e assim podemos separá-los”, revela Baca. Assim, o IIAP pode entregar filhotes de sexos distintos aos piscicultores, permitindo a reprodução em cativeiro.

Impulso!

     A descoberta do IIAP acabou impulsionando o surgimento de pequenas PISCICULTURAS na Amazônia Peruana, instaladas na orla da rodovia que vai de Iquitos a Nauta. No começo, apenas as cidades próximas das piscigranjas eram abastecidas com a carne do pescado produzido em cativeiro. Os restaurantes locais foram os primeiros grandes compradores.

     “A carne do paiche, além de ser deliciosa, é muito maleável, macia e sem espinhas. Por isso pode ser utilizada em uma grande variedade de pratos”, diz o cozinheiro e proprietário de um restaurante, Edgardo Rojas Prada, em entrevista ao jornal El Comercio.

Para a capital

     Como a carne do pirarucu é apreciada em larga escala no Peru, a comercialização do pescado tinha que chegar até a capital Lima. Uma das empresas de PISCICULTURA, Amazone, foi a pioneira a lançar-se nesse desafio, de fazer o transporte da região de selva até a costa, atravessando o país de um extremo ao outro. A missão foi superada.

     “O problema era manter a carne sempre bem conservada nesta longa viagem. Mas com muito cuidado e uma câmera fria eficiente, pudemos garantir um produto de ótima qualidade em nossa capital”, destaca o gerente operacional da Amazone, Gustavo Sakata.

     O sucesso da Amazone foi tanto, que hoje a empresa também exporta pequenos lotes do pescado para os Estados Unidos. Há poucas semanas, representantes da empresa foram até a França e garantiram a entrada do produto no mercado europeu. Por isso os peruanos já estão definindo que a carne do pirarucu se converteu num “produto bandeira” do país.

Cifras $$$

     Durante a Semana Santa, época de grande comercialização, o quilo do paiche em Iquitos custa 28 soles, cerca de US$ 7 (R$ 10,92 de acordo com a cotação desta quarta-feira, 3).

     Em dez anos, o IIAP capacitou 3.500 piscicultores, sendo que muitos deles se dedicam a criação de alevinos para abastecer empresas maiores.

     O paiche leva cinco anos para atingir sua maturidade sexual, o que deixa seu processo de reprodução bastante lento. Porém, os próprios peruanos admitem, que essa “demora” não é nada se comparada ao tempo que levaria para recuperar a população da espécie em seu habitat.

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

GUIA DE TRANSITO ANIMAL AQUATICO - GTA e GUIA DE TRANSITO DE PEIXES COM FINS ORNAMENTAIS E DE AQUARIOFILIA - GTPON

GTA PARA ANIMAIS AQUATICOS.

     Orientações sobre trânsito de animais aquáticos.

     O Decreto nº 5.741, de 30 de março de 2006, que organiza o Sistema Unificado de Atenção à Sanidade Agropecuária (SUASA) prevê a obrigatoriedade da fiscalização do trânsito nacional e internacional, por qualquer via, de animais, seus produtos, subprodutos ou qualquer outro material derivado, com vistas à avaliação das suas condições sanitárias; além disso, o Decreto também estabelece a obrigatoriedade na apresentação de documento oficial de sanidade agropecuária para trânsito, emitido pelo serviço correspondente.

     A Instrução Normativa MAPA nº 18, de 18 de julho de 2006, configura a Guia de Trânsito Animal (GTA) como documento de certificação agropecuária, estabelecendo sua obrigatoriedade, em todo o território nacional, para otrânsito de animais vivos, ovos férteis e outros materiais de multiplicação animal.

     Tal regulamentação encontra respaldo no próprio Decreto nº 5.741/2006, pois permite ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, como Instância Central e Superior, estabelecer e atualizar os requisitos sanitários para o trânsito nacional e internacional de animais, suas partes, produtos e subprodutos de origem animal, resíduos de valor econômico, organismos biológicos e outros produtos e artigos regulamentados, que possam servir de substrato, meio de cultura, vetor ou veículo de disseminação de pragas ou doenças. Apesar da transferência da sanidade pesqueira e aquícola do MAPA para o MPA, decorrente da publicação da Lei nº 11.958/2009, não houve nova regulamentação da matéria até o presente momento; nesse sentido, a emissão de GTA é exigência constante da legislação brasileira e permanece em vigor desde seu estabelecimento.

     Conforme Manual de Padronização versão 12.0 produzido pelo Departamento de Saúde Animal - DSA/MAPA, o que define a emissão de GTA é o deslocamento de animais ou ovos férteis entre distintas localizações geográficas (ex.: entre propriedades rurais; de propriedades rurais para estabelecimentos de abate ou para eventos agropecuários; entre eventos agropecuários; de eventos agropecuários para propriedades rurais ou estabelecimentos de abate; de pontos de ingresso no país para quarentenários; etc), independentemente inclusive da distância entre estas.

     Destaca-se que apesar da GTA ser, atualmente, a única ferramenta oficial de rastreabilidade sanitária disponível, há a possibilidade de estabelecimento de outras formas de rastreamento para animais aquáticos, podendo-se, inclusive, complementar ou substituir a GTA por outros documentos, desde que as questões de operacionalização da emissão sejam acordadas regionalmente com os escritórios locais de sanidade agropecuária dentro de suas particularidades.

     Dessa forma, verifica-se que o transporte de animais aquáticos vivos deve estar acompanhada de GTA, no intuito de atender os critérios estabelecidos de controle na legislação. Para a emissão de GTA para animais aquáticos, é necessária a apresentação de um atestado sanitário numerado assinado por médico veterinário com inscrição no CRMV da Unidade Federativa de procedência dos animais. Apesar da discussão acerca de outros profissionais emitirem Atestado de estado sanitário dos animais, é em razão de Lei Federal nº 5.517, de 23 de outubro de 1968 - Dispõe sobre o exercício da profissão de médico veterinário – que apenas o médico veterinário inscrito no CRMV pode atestar a sanidade dos animais.

     GTPON - GUIA DE TRANSITO DE PEIXES COM FINS ORNAMENTAIS E DE AQUARIOFILIA;

     Acerca da GTPON, seguem as considerações: A IN 203/2008 trata de competência do ordenamento pesqueiro, normatizando a atividade de captura de peixes ornamentais de águas continentais, com a finalidade de gestão do uso sustentável dos recursos pesqueiros. A GTPON foi instituída pelo IBAMA por meio da IN IBAMA 203/2008.

     A Guia de Transito de Peixes com Fins Ornamentais e de Aquariofilia (GTPON) é ferramenta de controle de trânsito, estabelecido pelo IBAMA com o objetivo de controlar a explotação com finalidade ornamental e de aquariofilia de peixes nativos ou exóticos de águas continentais, observadas as normas, critérios e padrões para a explotação estabelecidos na legislação.

     Com o a criação do MPA, a Lei 11958/2009, deu nova redação, quanto ao uso sustentável dos recursos pesqueiros ao § 6 do art. 27 da Lei 10683/2003: “ § 6o Cabe aos Ministérios da Pesca e Aquicultura e do Meio Ambiente, em conjunto e sob a coordenação do primeiro, nos aspectos relacionados ao uso sustentável dos recursos pesqueiros: (Redação dada pela Lei nº 11.958, de 2009)I - fixar as normas, critérios, padrões e medidas de ordenamento do uso sustentável dos recursos pesqueiros, com base nos melhores dados científicos e existentes, na forma de regulamento; e (Redação dada pela Lei nº 11.958, de 2009) (Vide Lei nº 11.958, de 2009)II - subsidiar, assessorar e participar, em interação com o Ministério das Relações Exteriores, de negociações e eventos que envolvam o comprometimento de direitos e a interferência em interesses nacionais sobre a pesca e aquicultura. (Redação dada pela Lei nº 11.958, de 2009) ” Dessa forma, nova normatização acerca do uso sustentável dos recursos pesqueiros deve ser estabelecida em conjunto (MPA e MMA). Nesse sentido, o processo de alteração da IN IBAMA 203/2008 está sendo analisado pelo MPA, para publicação de Instrução Normativa Interministerial (INI) (MPA e MMA).Contudo, até a publicação de nova normativa que trate do assunto, a IN IBAMA 203/2008 continua vigente, observado o Princípio da Segurança Jurídica, para assegurar a ordem no âmbito da legislação.

     Assim, deve o IBAMA continuar a emitir a GTPON, que foi criada pelo próprio IBAMA. Ressalta-se que, no processo analisado por esta CGSAP (02001.002681/2004-06), que tem como objetivo publicar tal INI, o MMA (e o IBAMA, por conseguinte) mantiveram, na minuta de INI, parágrafo que determina que a GTPON seja expedida pelas Superintendências e Unidades Descentralizadas do IBAMA, após apresentação de requerimento pelo solicitante. Verifica-se assim a intenção formal daquele órgão de continuar expedindo a GTPON. Esclarece-se que a GTPON, visto ser instrumento de controle de trânsito, com finalidade de controlar a explotação dos recursos pesqueiros, não está inserida nas atribuições e competências da Coordenação Geral de Sanidade Pesqueira do MPA. Da mesma forma, a minuta de INI que está sob análise do MPA, para dar nova redação à IN 203/2008, uma vez se tratar de ordenamento e gestão do uso sustentável dos recursos pesqueiro também não está inserida nas atribuições e competências da CGSAP. Dessa forma, verifica-se que o transporte de peixes ornamentais vivos deve estar acompanhado tanto da GTPON quanto da Guia de Trânsito Animal, no intuito de atender os critérios estabelecidos de controle na legislação, respeitadas as distintas finalidades destes instrumentos.

     Sobre a comprovação de veterinário RT deixar GTA assinada, a orientação tem sido o descredenciamento do profissional para tal atividade e o encaminhamento da denúncia ao Ministério Público e ao CRMV-UF.

** Eduardo de Azevedo Pedrosa Cunha - Coordenador-Geral de Sanidade Pesqueira -Médico Veterinário - CGSAP/DEMOC/SEMOC/MPA - (61) 2023-3531

Onde está a censura?


Por Venício A. de Lima ***

     No recente episódio envolvendo a posição da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República (SPM-PR) em relação a uma campanha da Hope Lingerie, estrelada pela modelo Gisele Bündchen, um dos aspectos que deve merecer nossa atenção é a reação unânime de repúdio da grande mídia à iniciativa da SPM-PR,acusada de cercear a liberdade de expressão.

     O que fez a SPM-PR?

     Diante de reclamações recebidas por sua Ouvidoria, a ministra Iriny Lopes encaminhou representaçãoao Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar), com base nos artigos 19, 20 e 21 do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária e no inciso II do artigo 30 do Regimento Interno do Conar, solicitandoa sustação da veiculação da campanha.

     O que rezam estes artigos?

     Artigo 19

     Toda atividade publicitária deve caracterizar-se pelo respeito à dignidade da pessoa humana, à intimidade, ao interesse social, às instituições e símbolos nacionais, às autoridades constituídas e ao núcleo familiar;

     Artigo 20

     Nenhum anúncio deve favorecer ou estimular qualquer espécie de ofensa ou discriminação racial, social, política, religiosa ou de nacionalidade;

     Artigo 21

     Os anúncios não devem conter nada que possa induzir a atividades criminosas ou ilegais – ou que pareça favorecer, enaltecer ou estimular tais atividades;

     Artigo 30 – A Medida Liminar é cabível quando:

     (…)

     II – A infração ética configurar flagrante abuso da liberdade de expressão comercial, ou provocar clamor social capaz de desabonar a ética da atividade publicitária, ou possa implicar grave risco ou prejuízo do consumidor;

     Trata-se, portanto, de uma Secretaria de Estado solicitando providências a um conselho autorregulador da sociedade civil, apoiada em disposições do Código e do Regimento do próprio conselho. Para produzir algum tipo de efeito, a representação da SPM-PR teria, por óbvio, que ser julgada e aprovada pelo Conar.

     Em que medida essa iniciativa pode ser considerada censura?

     Se o órgão autorregulador não acatar a representação, não haverá qualquer tipo de sanção. Se acatar, por óbvio, será uma sanção prevista nas suas próprias regras. Neste caso, a eventual sanção não pode ser considerada censura ou se estaria a supor o absurdo de que há normas do Conar que permitem que este órgão autorregulador exerça funções de censor.

     Os “libertários” caboclos

     Na verdade, mais uma vez, o episódio revela o atraso assustador dos nossos “liberais”. Do ponto de vista das doutrinas sobre o papel da “imprensa”, a posição dos executivos da grande mídia no Brasil é anterior à chamada “teoria libertária” que predominou nos EUA até meados do século passado e foi substituída pela “teoria da responsabilidade social” (ver, neste Observatório, “A responsabilidade social da mídia“).

     Os libertários consideravam como indevida qualquer tentativa de intervenção do Estado em busca da proteção de direitos de grupos e/ou cidadãos. Uma excelente síntese dessa posição está expressa no editorial de O Globointitulado “Gisele Bündchen incomoda tutores estatais”,publicado no último dia 4 de outubro. Para os editorialistas da família Marinho, os “tutores estatais” querem “um Estado forte a pairar sobre uma sociedade [considerada] incapaz de decidir o que é bom para ela”.

     Os libertários nativos ignoram, por exemplo, o argumento oposto desenvolvido pelo jurista Owen Fiss, professor da Universidade Yale e ex-assistente de dois juízes da Suprema Corte dos EUA. Ele demonstra como a intervenção do Estado, garantida por decisões da Suprema Corte, tem assegurado liberdade de expressão a minorias (raciais, étnicas, religiosas, definidas por opção sexual), às mulheres e aos portadores de deficiência física (cf. A ironia da Liberdade de Expressão – Estado, Regulação e Diversidade na Esfera Pública; Renovar, 2005).

     São esses mesmos libertários que consideram a classificação indicativa, prevista no inciso I do § 3º do artigo 220 da Constituição Federal de 1988, como “ataque à liberdade de expressão” (ver entrevista de Luis Erlanger, diretor da Central Globo de Comunicação, ao Último Segundo) e produzem diariamente um conteúdo jornalístico que, como afirma o professor Bernardo Kucinski, constutui…

     “…um compacto político-ideológico em defesa dos fundamentos do modelo econômico chamado neoliberal: privatizações, terceirizações, flexibilização das leis trabalhistas e desrregulação do movimento de capitais. Também combate em uníssono as principais políticas públicas do governo, como o Bolsa Família, o Plano Nacional de Direitos Humanos, as cotas nas universidades e a política externa” (cf. “Prefácio” a Venício A. de Lima, Regulação das Comunicações – História, Poder e Direitos, Paulus, 2011).

     O passado como futuro

     Mais uma vez fica claro que para os empresários privados de mídia no Brasil, até mesmo a autorregulação incomoda. Eles não querem que se altere o status quo. Não só se colocam acima de qualquer regulação, como não admitem nem mesmo que o Estado recorra às suas próprias instâncias autorreguladoras.

     Neste ritmo, em pleno século 21, em breve chegaremos à Idade Média.

    *** [Venício A. de Lima é professor titular de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentado) e autor, dentre outros, de Regulação das Comunicações – História, poder e direitos, Editora Paulus, 2011]

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Articulação de Mulheres Brasileiras apoia a Ministra Iriny Lopes


NOTA DE APOIO E DESAGRAVO À MINISTRA IRINY LOPES

     Em meio às críticas e ataques à ministra Iriny Lopes que foram veiculadas recentemente, a ARTICULAÇÃO DE MULHERES BRASILEIRAS soma-se às pessoas e organizações que apóiam a atitude da ministra de requerer a suspensão da exibição da propaganda ‘Hope Ensina’:

     -  entendemos que a ministra cumpriu sua responsabilidade de dar consequência ao funcionamento da Ouvidoria da mulher, que recebeu muitos pedidos neste sentido;

     - conferiu legitimidade aos mecanismos democráticos de auto-regulação do setor publicitário ao recorrer ao CONAR, órgão de auto-regulação da publicidade;
 
     - formulou e expressou sua crítica política à campanha publicitária de forma consistente e respeitosa sempre que questionada pela imprensa.

     Quanto a campanha ‘Hope Ensina’, consideramos ao contrário, que esta prima pelo desrespeito às mulheres, assim como seus defensores, que expressam suas posições de forma jocosa e desrespeitosa para com todas as mulheres e para com a ministra.
 
     Diferente de algumas campanhas publicitárias de lingerie que optam pela delicadeza, a campanha ‘Hope Ensina’ escolhe o caminho fácil da provocação às mulheres como tática para chamar atenção para sua marca. Este é um estratagema tão antigo quanto o modelo ‘bonequinha-tola-submissa-dependente-consumista’ que a campanha propõe para as mulheres. Uma total falta de sintonia com o que almejam para si mesmas a grande maioria das mulheres brasileiras do século XXI.

     Quanto a reação à crítica da ministra, esta é apenas mais uma expressão do pensamento conservador machista, incapaz de compreender a idéia de liberdade para além do liberalismo de mercado, e incapaz de pensar um lugar não-subordinado para as mulheres no mundo.
    
     Louvamos a prática da Secretaria de Políticas para Mulheres de manter sua atuação governamental no plano da cultura política ao mesmo tempo que parabenizamos a ministra Iriny Lopes pela firmeza com que tem sustentado esta posição.

     ARTICULAÇÃO DE MULHERES BRASILEIRAS, 10 de outubro de 2011

Rafinha não dançou por machismo, mas por mexer com gente rica


     O integrante do CQC, que fez piada de péssimo gosto com Wanessa Camargo, já falara coisas piores. Agora mexeu com esposa de milionário, que ameaçou tirar anúncios da TV Bandeirantes. Ninguém classificou caso como atentado à liberdade de expressão. Já quando ministra condena comercial de lingerie machista, o coro é um só: “Censura”!

*Gilberto Maringoni

     Qual é o problema com a suposta piada de Rafinha Bastos? Ele antes já exibira todas as cores de seu mau gosto e nada acontecera.

     Todos conhecem a pérola, não? O apresentador aproveitou-se de uma bola levantada pelo chefe da cena do programa Custe o que Custar (CQC), Marcelo Tas, sobre a gravidez da cantora Wanessa Camargo, e cortou ligeiro: “Eu comeria ela e o bebê, não tô nem aí”. Foi logo acompanhado por risos e caretas de seus colegas de vídeo, Tas e Marco Luque .

     A grosseria foi ao ar dia 19 de setembro. A TV Bandeirantes, que exibe o programa, levou duas semanas para decidir o que fazer. Em 3 de outubro, o apresentador foi suspenso da bancada. Não se sabe se voltará.

     Não foi a primeira vez que Rafinha exerceu sua – digamos - sutileza. Em entrevista à revista Rolling Stone, em maio de 2011, ele saiu-se com esta: “Mulheres feias deveriam agradecer caso fossem estupradas, afinal os estupradores estavam lhes fazendo um favor, uma caridade”.

     A gracinha com as feias não rendeu ao gaúcho de dois metros de altura nada além de protestos de movimentos femininos. Mas a liberdade com a cantora custou-lhe até agora, além do posto no programa, o cancelamento de shows e o rompimento de alguns contratos de publicidade. Rafinha perdeu grana com a brincadeira.

Pensamento vivo

     Repetindo: qual o problema com as tiradas do rapaz de 34 anos, num universo midiático em que o mau gosto, a boçalidade e o “politicamente incorreto” passaram a ser valores em si?

     Rafinha vive num tempo em que as demonstrações de preconceito, como as do apresentador de outro programa de entretenimento da mesma emissora, Boris Casoy, não têm consequências maiores. Todos se recordam da fineza do jornalista ao desqualificar dois garis que apareceram em seu programa para desejar boas festas, no final de 2009. Sem saber que os microfones estavam abertos, ele foi ao ponto: "Que merda: dois lixeiros desejando felicidades do alto da suas vassouras. O mais baixo na escala do trabalho".

     O artista do CQC também sabe que o pensamento vivo de gente como o deputado federal Jair Bolsonaro (PP-RJ) recebe destacada acolhida em grandes meios de comunicação. Sua entrevista à revista Playboy, em junho último, é pródiga em preciosidades. Segue um exemplo: “Moro num condomínio, de repente vai um casal homossexual morar do meu lado. Isso vai desvalorizar minha casa!”.

     Outro luminar da intelectualidade midiática, o ex-compositor Lobão, por sua vez, exibiu os músculos cerebrais em um festival de cultura em São Francisco Xavier (São José dos Campos, SP), também em junho. Após demonstrar criteriosamente que toda a música popular brasileira não tem nenhum valor, ele sentenciou: “A gente tinha que repensar a ditadura militar. Essa Comissão da Verdade que tem agora. (…) Que loucura que é isso? Aí tem que ter anistia pros caras de esquerda que sequestraram o embaixador, e pros caras que torturavam, arrancavam umas unhazinhas, não?”.

     Os exemplos são infindáveis. Rafinha provavelmente é leitor de Reinaldo Azevedo, o blogueiro de Veja, que, em março de 2010, durante uma palestra no afamado Instituto Millenium, em São Paulo, externou sua particular concepção de liberdade de expressão: “A imprensa tem que acabar com o isentismo e o outroladismo, essa história de dar o mesmo espaço a todos”. Na mesma oportunidade, o cineasta aposentado Arnaldo Jabor lançou o desafio de “impedir politicamente o pensamento de uma velha esquerda que não deveria mais existir no mundo”. Impedir o pensamento... muito bom!

     A baixaria televisiva contaminou até mesmo as campanhas eleitorais. Continuam na memória de todos os ataques da campanha de José Serra à Dilma Rousseff, em 2010, sobre o tema do aborto. Em Nova Iguaçu (RJ), Monica Serra, esposa do então candidato tucano, disse o seguinte sobre a petista: "Ela é a favor de matar as criancinhas".

     Dois anos antes, a campanha de Marta Suplicy (PT) à prefeitura de São Paulo já havia colocado em dúvida a sexualidade de seu oponente, ao dizer: “Você sabe mesmo quem é o Kassab? Sabe de onde ele veio? Qual a história do seu partido?” Em seguida, aparece a foto do prefeito: “Sabe se ele é casado? Tem filhos?”

Bem acompanhado

     Rafinha está em boa companhia. Deve se sentir incentivado para exercer seu rosário de preconceitos. Provavelmente pensa estar “quebrando paradigmas”, investindo contra o estabelecido e externando uma rebeldia adolescente, que lhe granjeia grande popularidade e bons cachês.

     Ridicularizar e humilhar quem tem poucas chances de se defender, em uma sociedade com desigualdades abissais como a brasileira, é um grande negócio. Prova isso a lista de clientes dos shows do moço, que constam de sua página na internet. São elas Votorantim, Bosch, Agroceres, LG, HP, Ernst & Young, IBM, Banco Real, Vivo, Springer Carrier, Cargil, Unilever, Motorola, Chevrolet, Sherwin Williams, Valor Econômico, Bunge, GNT (Globosat), Jornal O Estado de S. Paulo, Coca-Cola, Bradesco, ESPM etc. Segundo a Veja, ele foi visto em mais de 730 comerciais somente neste ano.

     Rafinha faz parte de uma tendência do humor televisivo, que se abriu após a chegada dos humoristas do Casseta e Planeta ao vídeo. A linhagem envolve também o programa Panico (da Rede TV!) e outros imitadores, além do Zorra Total, da Globo. Todos se dizem distantes da política, independentes e praticantes de um humor anárquico e sem freios. Nem mesmo a participação de Marcelo Tas como palestrante em um encontro da juventude do DEM ,em novembro de 2008, ou de Marcelo Madureira nas palestras hidrófobas do Instituto Millenium, os comprometem, segundo eles, com idéias que não as próprias.

Acima da cintura

     Num panorama desses, repetimos: qual o problema de Rafinha Bastos?

     O problema é que o garoto bateu acima da cintura.

     Tudo bem desancar garis, a esquerda que foi à luta nos anos da ditadura, exaltar a parcialidade da imprensa e atacar homossexuais e outros grupos vulneráveis.

     Não pode é investir contra o topo da pirâmide social.

     Rafinha cometeu esse pecado. Wanessa Camargo é casada com Marcus Buaiz, 31 anos, herdeiro de um dos maiores conglomerados empresariais do Espírito Santo, o Grupo Buaiz, que completa 70 anos em 2012. O grupo é formado pela TV Vitória (afiliada da Rede Record), por duas rádios, pelo Nova Cidade Shopping Center, por várias empresas de alimentação (Café Número Um, Moinho Três Rios e Moinho Vitória), pela Buaiz Importação e Exportação, pela incorporadora Meca e pela Automóbile Comércio de Veículos, entre outras.

     Marcus Buaiz transferiu-se para São Paulo, onde é proprietário de casas noturnas e restaurantes, além de uma empresa de marketing esportivo, a 9INE, em parceria com o ex-jogador Ronaldo Fenômeno. Segundo o jornal A Gazeta, de Vitória, o empresário e seu sócio teriam ameaçado tirar anúncios do programa, após a performance de Rafinha Bastos. “Um comercial de 30 segundos no CQC custa 130 mil reais. Já um merchandising pode custar de 240 mil a dois milhões e 400 mil reais, sem incluir cachês”, diz a publicação.

     Com tudo isso, a Bandeirantes podou Rafinha Bastos de sua programação.

Dois pesos

     O curioso da história é que intenção semelhante, de retirada de um comercial de lingerie do ar, por parte da ministra da Secretaria Nacional de Políticas para Mulheres, Iriny Lopes (PT), foi classificada como censura por colunistas de imprensa e até por colegas seus na Esplanada dos Ministérios.

     Na peça, em três versões, Gisele Bündchen faz as vezes de uma esposaprestes a dar uma péssima notícia ao marido: estourou o limite do cartão de crédito, bateu o carro ou informa que sua mãe virá morar com eles. É um machismo digno dos anos 1950. Os publicitários da agência Giovanni+DraftFCB devem ter achado o máximo a própria criação. No clima de boçalidade modernosa, não há problema na mulher bonita, mas dependente do marido provedor, invocar seus atributos eróticos para conseguir o que quer.

     Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, a representante governista assim se manifestou: “A propaganda caracteriza como correto a mulher dar uma notícia ruim apenas de lingerie e errado estar vestida normalmente. Essa definição de certo e errado caracteriza um sexismo atrasado e superado”.

     A ação da ministra está a quilômetros de distância das ameaças que teriam sido feitas pelo marido de Wanessa Camargo ou pela ação da Bandeirantes, que sem mais tirou Rafinha do ar. Iriny apenas solicitou ao Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) a suspensão da peça publicitária.

     O mundo desabou sobre sua cabeça, com insinuações sobre estética feminina e inveja da modelo.

     O caso Rafinha Bastos é pedagógico. No Brasil, além das mulheres, qualquer minoria pode ser atacada. Menos uma: a minoria dos endinheirados.

* Gilberto Maringoni, jornalista e cartunista, é doutor em História pela Universidade de São Paulo (USP) e autor de “A Venezuela que se inventa – poder, petróleo e intriga nos tempos de Chávez” (Editora Fundação Perseu Abramo).

A mulher que enfureceu a mídia


     Uma improvável “pesquisa de opinião” deste blog revelou um fato que não chega a ser surpreendente: não se encontra alma viva que não tenha tomado conhecimento da polêmica em torno da propaganda de lingerie da Hope na qual a “top model” Gisele Bündchen insinua oferta de sexo a um homem de forma a “compensá-lo” por bater seu “carro” e “estourar” o limite de seu cartão de crédito.

     Além da enorme repercussão do caso, a veiculação de tal propaganda aumentou exponencialmente – tanto na tevê aberta quando na tevê por assinatura – depois que a ministra da Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM), a mineira de Lavras Iriny Lopes, oficializou ao Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária) um pedido de suspensão daquela peça publicitária, agindo em resposta a queixas que a Secretaria recebeu.

     Parece desnecessário especular sobre a causa do aumento da veiculação da peça. Trata-se de afirmação de independência e poder não da empresa que financiou a produção, mas da categoria publicitária (de empresas a profissionais da área) e da própria mídia como um todo, que, há muito, classifica como “censura” qualquer tentativa de regulação do espaço público da comunicação por rádio e tevê.

     Dessa iniciativa da SPM decorreu forte reação dos meios de comunicação de massa, reação que fica evidenciada na edição desta semana da revista IstoÉ, que afirma que Iriny “tornou-se alvo de uma saraivada de críticas e virou tema para humoristas ao mexer num vespeiro”, tendo sido acusada pelos “críticos mais exaltados” de ter investido contra o comercial da Hope por conta de uma “reação feminina de inveja à beleza da Gisele Bündchen”.

     Uma das charges encomendadas pela mídia para ridicularizar a titular da Secretaria do governo federal de Políticas para Mulheres mostrou-a seminua (só de lingerie), em franca desvantagem em relação às formas exuberantes e à juventude da “top model” da propaganda do fabricante de lingerie devido ao fato de a ministra ter idade para ser sua mãe.

     Em um momento em que a presidente Dilma Rousseff vinha fazendo gestos de boa vontade para com a grande mídia, prestigiando suas autocongratulações festivas e programas destinados ao público feminino, além de fazer reiterados gestos de gentileza ao político mais celebrado pelos grandes meios de comunicação, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, essa mulher de meia-idade, de aparência comum, petista de carteirinha, ocupante do principal cargo em um órgão considerado “inútil” por esses veículos, cutucou a onça com vara curta.

     Só o episódio envolvendo o fabricante de lingerie Hope já teria potencial para fazer a ministra refletir que não é promissor para a sua carreira política enfrentar a máquina de moer reputações da direita brasileira, sobretudo por conta da fragilidade do ministério do atual governo diante do noticiário, fato comprovado pela queda de cinco ministros neste ano após matérias da imprensa. No entanto, Iriny voltou à carga.

     Além do caso da propaganda de lingerie, a SPM, provocada pelo sindicato dos metroviários de São Paulo, pediu providências à Globo em relação ao programa humorístico Zorra Total, que apresenta quadro em que uma mulher aceita ser apalpada por um estranho em um vagão de metrô lotado. A provocação do sindicato à SPM acusa o quadro do programa de incentivar o assédio sexual de mulheres no transporte público.

     Em seguida, o mesmo órgão, por iniciativa da ministra, pediu à Globo que colaborasse com a divulgação da existência de instâncias do governo a que mulheres vitimadas por violência doméstica podem recorrer. A colaboração se daria através da inserção de informações nas cenas da novela Fina Estampa em que uma mulher e sua filha são reiteradamente agredidas pelo marido e pai.

     Aguinaldo Silva, autor da novela Fina Estampa, bem como a própria Globo receberam mal o pedido de colaboração da SPM e, como de costume, passaram a brandir queixas sobre “censura” apesar de o órgão ter feito apenas um pedido, não tendo tomado nenhuma medida para obrigar a emissora e o autor a colaborarem com a campanha governamental para informar as brasileiras da existência de medidas oficiais de proteção à mulher.

     Apesar de carregar nas tintas, a mídia deixa ver que Iriny Lopes, à diferença dos homens do ministério de Dilma que não resistiram às seguidas matérias veiculadas com enorme destaque acusando-os, pode vir a se mostrar um osso duro de roer. Uma matéria da revista Veja divulgada no fim do ano passado, quando da nomeação de Iriny por Dilma, e outra publicada na revista IstoÉ desta semana revelam uma mulher no mínimo tenaz.

     Segundo a edição da revista Veja de 13 de dezembro do ano passado, “Iriny Lopes está no PT desde 1984″ e “pertence a uma ala mais radical do partido”, tendo chegado a “integrar a chamada bancada agrária, simpática ao Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST)”.

     Já a revista IstoÉ, na edição desta semana, classifica a ministra como “militante dos direitos civis e fundadora do PT no Espírito Santo” e afirma que ela “enfrentou momentos difíceis em seus 58 anos de vida”, já que, “ao combater a corrupção e o crime organizado em seu Estado, foi ameaçada de morte e passou cinco anos sob proteção da Polícia Federal”.

     Alguém com tal histórico provavelmente não se deixará intimidar por campanhas difamatórias na imprensa, mesmo que, previsivelmente, surja alguma acusação à sua honestidade, arma que tem sido altamente eficiente na derrubada incessante de ministros que vem marcando o atual governo. E é bom que seja assim mesmo, porque essa mulher de aparência frágil de fato enfureceu a mídia.
 
Por Eduardo Guimarães, noBlog da Cidadania:

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

O perfeito imbecil politicamente incorreto


Por Cynara Menezes

No Brasil, é aquele sujeito que se sente no direito de ir contra as idéias mais progressistas e civilizadas possíveis em nome de uma pretensa independência de opinião. Saiba como reconhecê-lo. Por Cynara Menezes. Foto: Reprodução

Em 1996, três jornalistas –entre eles o filho do Nobel de Literatura Mario Vargas Llosa, Álvaro –lançaram com estardalhaço o “Manual do Perfeito Idiota Latino-Americano”. Com suas críticas às idéias de esquerda, o livro se tornaria uma espécie de bíblia do pensamento conservador no continente. Vivia-se o auge do deus mercado e a obra tinha como alvo o pensamento de esquerda, o protecionismo econômico e a crença no Estado como agente da justiça social. Quinze anos e duas crises econômicas mundiais depois, vemos quem de fato era o perfeito idiota.

Mas, quem diria, apesar de derrotado pela história, o Manual continua sendo não só a única referência intelectual do conservadorismo latino-americano como gerou filhos. No Brasil, é aquele sujeito que se sente no direito de ir contra as idéias mais progressistas e civilizadas possíveis em nome de uma pretensa independência de opinião que, no fundo, disfarça sua real ideologia e as lacunas em sua formação. Como de fato a obra de Álvaro e companhia marcou época, até como homenagem vamos chamá-los de “perfeitos imbecis politicamente incorretos”. Eles se dividem em três grupos:

1. o “pensador” imbecil politicamente incorreto: ataca líderes LGBTs (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Trânsgeneros) e defende homofóbicos sob o pretexto de salvaguardar a liberdade de expressão. Ataca a política de cotas baseado na idéia que propaga de que não existe racismo no Brasil. Além disso, ações afirmativas seriam “privilégios” que não condizem com uma sociedade em que há “oportunidades iguais para todos”. Defende as posições da Igreja Católica contra a legalização do aborto e ignora as denúncias de pedofilia entre o clero. Adora chamar socialistas de “anacrônicos” e os guerrilheiros que lutaram contra a ditadura de “terroristas”, mas apoia golpes de Estado “constitucionais”. Um torturado? “Apenas um idiota que se deixou apanhar.” Foge do debate de idéias como o diabo da cruz, optando por ridicularizar os adversários com apelidos tolos. Seu mote favorito é o combate à corrupção, mas os corruptos sempre estão do lado oposto ao seu. Prega o voto nulo para ocultar seu direitismo atávico. Em vez de se ocupar em escrever livros elogiando os próprios ídolos, prefere a fórmula dos guias que detonam os ídolos alheios –os de esquerda, claro. Sua principal característica é confundir inteligência com escrever e falar corretamente o português.

2. o comediante imbecil politicamente incorreto: sua visão de humor é a do bullying. Para ele não existe o humor físico de um Charles Chaplin ou Buster Keaton, ou o humor nonsense do Monty Python: o único humor possível é o que ri do próximo. Por “próximo”, leia-se pobres, negros, feios, gays, desdentados, gordos, deficientes mentais, tudo em nome da “liberdade de fazer rir.” Prega que não há limites para o humor, mas é uma falácia. O limite para este tipo de comediante é o bolso: só é admoestado pelos empregadores quando incomoda quem tem dinheiro e pode processá-los. Não é à toa que seus personagens sempre estão no ônibus ou no metrô, nunca num 4X4. Ri do office-boy e da doméstica, jamais do patrão. Iguala a classe política por baixo e não tem nenhum respeito pelas instituições: o Congresso? “Melhor seria atear fogo”. Diz-se defensor da democracia, mas adora repetir a “piada” de que sente saudades da ditadura. Sua principal característica é não ser engraçado.

3. o cidadão imbecil politicamente incorreto: não se sabe se é a causa ou o resultados dos dois anteriores, mas é, sem dúvida, o que dá mais tristeza entre os três. Sua visão de mundo pode ser resumida na frase “primeiro eu”. Não lhe importa a desigualdade social desde que ele esteja bem. O pobre para o cidadão imbecil é, antes de tudo, um incompetente. Portanto, que mal haveria em rir dele? Com a mulher e o negro é a mesma coisa: quem ganha menos é porque não fez por merecer. Gordos e feios, então, era melhor que nem existissem. Hahaha. Considera normal contar piadas racistas, principalmente diante de “amigos” negros, e fazer gozação com os subordinados, porque, afinal, é tudo brincadeira. É radicalmente contra o bolsa-família porque estimula uma “preguiça” que, segundo ele, todo pobre (sobretudo se for nordestino) possui correndo em seu sangue. Também é contrário a qualquer tipo de ação afirmativa: se a pessoa não conseguiu chegar lá, problema dela, não é ele que tem de “pagar o prejuízo”. Sua principal característica é não possuir ideias além das que propagam os “pensadores” e os comediantes imbecis politicamente incorretos.

Cynara Menezes

Cynara Menezes é jornalista. Atuou no extinto "Jornal da Bahia", em Salvador, onde morava. Em 1989, de Brasília, atuava para diversos órgãos da imprensa. Morou dois anos na Espanha e outros dez em São Paulo, quando colaborou para a "Folha de S. Paulo", "Estadão", "Veja" e para a revista "VIP". Está de volta a Brasília há dois anos e meio, de onde escreve para a CartaCapital.