segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Resolução Política do 1º Congresso Nacional da Esquerda Popular Socialista, tendência interna do Partido dos Trabalhadores


Escola Nacional Florestan Fernandes, Guararema/São Paulo

Dezembro de 2011

“Não se apaixonem por si mesmos, nem pelo momento agradável que estamos tendo aqui. Carnavais custam muito pouco – o verdadeiro teste de seu valor é o que permanece no dia seguinte, ou a maneira como nossa vida normal e cotidiana será modificada. Apaixone-se pelo trabalho duro e paciente – somos o início, não o fim. Nossa mensagem básica é: o tabu já foi rompido, não vivemos no melhor mundo possível, temos a permissão e a obrigação de pensar em alternativas. Há um longo caminho pela frente, e em pouco tempo teremos de enfrentar questões realmente difíceis – questões não sobre aquilo que não queremos, mas sobre aquilo que QUEREMOS. Qual organização social pode substituir o capitalismo vigente? De quais tipos de líderes nós precisamos? As alternativas do século XX obviamente não servem.”
Slavoj Zizek – (No “Occupy Wall Street” em NY)

Princípios teórico-ideológicos

Introdução

A Esquerda Popular Socialista (EPS), tendência interna do PT, afirma seu caráter socialista, referenciado filosoficamente no marxismo. A nova tendência reitera seu compromisso de disputar os rumos do PT, defender seu legado, que já adquiriu estatuto histórico, e realizar a crítica franca, leal e solidária aos limites que a realpolitik vem impondo ao Partido.

O PT como dispositivo orgânico do mundo do trabalho nasce fazendo demarcações importantes com as mazelas do capital, seja em seus impactos mundiais, seja na formação social brasileira. No entanto, tais demarcações tiveram alcance restrito, em função das condições gerais da resistência anticapitalista no mundo e pelo processo de desarticulação da própria esquerda brasileira. Principalmente, por seus atrasos e déficits políticos e teóricos.

     Em que pese ter se cristalizado no topo das instâncias petistas (e na inter-relação das tendências nacionais ou regionais mais significativas) uma paralisia no processo de elaboração teórica inovadora, percebe-se um mal estar político transversal nas fileiras partidárias, percorrendo as bases de todas as tendências. Um incômodo que se reflete, primeiramente, na perda de vida orgânica do Partido e se desdobra, até mesmo, para um ativismo “despartidarizado” em frentes sociais menos moderadas e menos “amarradas” burocraticamente.

É preciso resgatar esse potencial de elaboração e a capacidade dirigente do Partido em todas as frentes estratégicas das lutas de classes. É nosso propósito contribuir solidamente para isso.

Três são as premissas que pretendemos desenvolver, tirar consequências politico-organizativas e fixar como desafios à retomada da trajetória crítica e emancipatória do PT:

1. Reiterar a crítica e a negação do capitalismo e, portanto, o rechaço a qualquer ilusão de que o mesmo possa ser “melhorado” pela via de ações corretivas ou controles institucionais. Se o capitalismo não cai de maduro, também não é passível de ser reciclado sob algum tipo de mágica social liberal.

2. Reafirmar o Socialismo, concebendo-o como construto político e social que deve renascer, inclusive, sobre os escombros das derrotas das experiências revolucionárias do século XX. Devemos ter a determinação de fazer a críticas a esses eventos, exatamente para defender a necessidade da revolução social. Eventos estes que estacionaram e, posteriormente, regrediram, em termos de socialização dos meios de produção e radical democratização da sociedade; uma democratização substantiva, fundada em conselhos operários e populares e na distribuição equilibrada da riqueza social.

3. Faz-se aqui, também, a crítica ao rebaixamento do projeto comunista. Seja na versão de burocratas, apegados às experiências revolucionárias derrotadas no século XX; seja pelos liberais e socialdemocratas que tentam impor projetos de “humanização”, democratização e correção do capital, como alternativa pseudo socialista ao capitalismo.

Estratégia

4. Disputar os rumos do PT, para que o mesmo tenha papel de destaque na fundação do socialismo no terreno nacional, consideradas todas as particularidades da formação econômica e social brasileira;

5. Contribuir para que o PT influencie a reciclagem e o reforço do movimento internacional de luta pelo socialismo, para colocar em xeque o conjunto da dominação do capital.

Tática geral

6. Expor as contradições entre capital e trabalho, em atividade permanente de agitação e propaganda, orientada para a denúncia do capital como relação social dominante e que, ao perdurar, coloca em risco a própria existência da humanidade.

7. Reafirmar a centralidade categorial do trabalho na sociabilidade humana (em contraposição à pretensa dissolução dessa categoria, como identificadora das classes sociais e das necessidades imediatas e históricas da ampla maioria da humanidade).

8. Praticar o internacionalismo socialista, principalmente nas relações diretas entre movimentos, partidos e organizações de resistência e de contra ofensiva ao capital.

9. Propor e praticar a geração de espaços de discussão e deliberação de plataformas de cunho político, econômico e social avançado, para além da postura reivindicatória setorial e corporativa; ou seja, incentivar a gestação de fóruns de contra poder popular (ou contra hegemônicos).

10. Valorizar tais lutas setoriais e corporativas, em seu duplo significado: como meios necessários para melhorar as condições imediatas de vida das massas e caminho à aquisição de consciência de classe, para adesão consciente ao projeto estratégico.

11. Tais são as ações sociais coletivas, com caráter sócio-político e cultural, às vezes encoberto, que permitem a existência de distintas formas de organização popular e expressão de suas demandas. Subjetividades políticas e históricas se organizam coletivamente em torno de interesses comuns, geralmente em busca de mudanças imediatas, vislumbrando alcance social mais amplo. Por se limitarem estrategicamente, podem trazer no bojo de suas reivindicações pautas moderadas e até mesmo conservadoras. No entanto, para além da união de sujeitos potencialmente históricos em torno de ações coletivas, os movimentos populares estão inseridos em realidades sociais concretas, nas quais podem se desenvolver, reconhecendo o conflito básico que contrapõe capital e trabalho. Daí sua importância estratégica. Daí a determinação de se evitar que os mesmos sejam instrumentalizados eleitoralmente e mantidos apenas para a sustentação política e institucional.

12. Baseando-nos na caracterização da crise estrutural do capitalismo e na análise da formação social e econômica brasileira, fixar as contradições fundamentais em ambas as esferas e definir prioridades a serem alcançadas no sentido da desestabilização da dominação capitalista.

Conjuntura Internacional

11. A marca mais evidente do quadro conjuntural contemporâneo é a crise política, econômica e cultural do sistema dominante, em crescente perda de legitimidade social. Isso quer dizer que não vivemos apenas uma crise de expansão endógena do sistema. Pelo contrário, o capitalismo, para se sustentar, tem de se alimentar de suas próprias entranhas; numa manifestação ainda mais perversa daquilo que Schumpeter definiu como “destruição criativa”. Ressalte-se: de fato, pouca criação, para muita destruição.

12. Em outros períodos de crescimento sistêmico, o capital ainda tinha virtudes com as quais inoculava expectativas positivas em amplas parcelas da humanidade. Hoje, depois da arrogante declaração de um “fim da história e do último homem” (Fukuyama), o capital, como relação social dominante, já nem sequer se preocupa em dourar a pílula: o darwinismo social é erigido a valor a ser cultivado e praticado nas relações econômicas e políticas internas as nações (entre suas classes e etnias), entre as próprias nações e blocos regionais.

13. Os conflitos entre os diversos sujeitos históricos (nações, continentes, blocos regionais, alianças empresariais, classes e frações de classes) adquirem um estatuto distinto neste início de século. Diferentemente das alegações de defesa da soberania nacional; da democracia (como um suposto valor universal a ser defendido pelas armas); ou mesmo das chamadas intervenções “humanitárias” que escondiam pilhagens em nações invadidas, hoje, os interesses explícitos das diversas frações capitalistas e de suas “cadeias produtivas” nem mesmo disfarçam seus objetivos e métodos.

14. Mercado comprador, matérias primas, fontes energéticas, infraestrutura (armazenamento, logística, conhecimento – C & T – etc.) aparecem como os motivos cada vez mais explícitos das ações militares recentes. E da ausência de qualquer escrúpulo nas violações do próprio direito internacional burguês. Os exemplos da guerra imperialista contra o Iraque, da intervenção militar no Afeganistão e do golpe político e militar na Líbia revelam a inexistência de limites fundados em tratados internacionais e tradições jurídicas. Tudo que anteriormente existia como ponto de equilíbrio nas relações internacionais, nesse sentido, vira letra morta.

15. Ou seja, tudo que antes era sólido, em termos das regras de convivência entre nações, vem se dissolvendo no ar, como as normas que definiam o direito ao trabalho e à própria organização do mundo do trabalho; as garantias sociais (sobretudo aos direitos previdenciários, de saúde e educação); a produção e reprodução de subjetividades (notadamente no terreno da cultura e das tradições internas aos povos e etnias); fronteiras geográficas; direitos humanos etc., tudo isso é desconsiderado sem o menor constrangimento.

16. A gravidade da crise internacional do sistema capitalista é um consenso. Já as explicações sobre sua natureza, não. O que importa registrar, enquanto se investe na definição mais qualificada dessa crise, é que a mesma se compõe de determinações diversas: a) o declínio da pax keynesiana, que sobreveio ao pós-guerra e, a partir da década de 1960, agrava a queda das taxas de lucros nos setores de ponta da economia mundial; b) o fracasso das medidas elaboradas na década de 1970 e implementadas a partir da década seguinte, nos níveis da desnacionalização das economias, privatização de ativos estatais, retirada de direitos trabalhistas e sociais, flexibilização das fronteiras comerciais (de forma desigual e “pouco” combinada), desconstrução das máquinas estatais (em termos políticos e administrativos); tudo pressionado por um processo de radical de financeirização da economia, de expansão e contração abruptas de créditos públicos e privados, gerando sucessivas quebras e seus efeitos dominós.

17. A autonomização dos ativos financeiros, impulsionados por outros fundos especulativos (em especial, os chamados derivativos) frente à economia real e material, ganha uma importância estratégica na precária estabilidade do sistema. A securitização de dívidas e de outras operações de risco no mercado financeiro, antes uma medida defensiva, adquire vida própria e passa a ser, ela mesma, outro “negócio”. Tonificam-se os chamados hedges, criaturas previamente destinadas à distribuição e compartilhamento de riscos de fundos de investimentos e operações diversas (de compras ou vendas de “posições” futuras de ações ou commodities, estas pressionadas pela instabilidade das taxas de câmbio ou de medidas protetivas nas taxas de juros soberanas).

18. Adicionem-se a isso, as tensões e dificuldades para pagamentos, nos prazos estipulados, de dívidas contraídas junto a bancos privados, por países da zona do Euro. Até agora quase uma dezena de países tiveram seus governos dissolvidos, em face da premente necessidade de se acalmar a agiotagem bancária e financeira internacional. Houve também as guerras de pilhagem como as do Iraque e da Líbia. O gigantesco déficit orçamentário dos Estados Unidos. A proeminência da China, cuja economia não reconhece regras e limites internacionais, e que se dá à base de uma brutal ausência de regulação trabalhista em seu parque industrial e acintosa manipulação de sua moeda, frente ao dólar, instabilizando ainda mais o precário equilíbrio na economia do mundo.

19. Com desfaçatez jamais vista, os governos dos países mais ricos e as agências multilaterais defendem e praticam medidas de proteção a bancos e fundos de investimentos que, por sua vez, usaram e abusaram das “bolhas de ativos”, com lastro precário (como nos ativos mobiliários dos EUA) ou mesmo sem lastro material algum (alguns tipos de derivativos e hedges). O chamado calote, apelido usado na acusação àqueles que defendem a auditoria de operações mundiais de crédito, suspeitas desde a década de 1970, é praticado sem qualquer mediação, exatamente por quem sempre o criticara.

20. As contradições nos níveis de governo também são significativas. Mesmo que não representem uma ruptura com o capital, a forma de lidar com as crises financeiras recentes e com as demandas dos seus estratos estratégicos mostra diferenças que não podem ser desprezadas. Notadamente no Brasil, a partir do governo Lula, surgem maneiras distintas de se lidar com as crises internacionais: ao invés do receituário ortodoxo (demissões no serviço público, arrocho salarial, cortes em gastos sociais, no crédito, recessão) o Brasil apostou no caminho inverso. Segundo o tucano José Serra, no auge da crise de 2008/09, o que o Lula estava fazendo “ia contra tudo que ensinava a economia” e certamente “daria errado”.

21. Tal polarização, que não expressa – de fato – agudos e radicais conflitos antagônicos de classe, é politicamente importante. O destaque ganho internacionalmente pelo governo Lula contribui para enfraquecer as politicas hegemônicas neoliberais e deve ser valorizado. Afinal, a receita expressa na frase “não há alternativas” se viu questionada nos seus fundamentos. Evidente que as medidas chamadas de “anticíclicas”, adotadas Lula e, parcialmente, por outros governantes, tem seus limites. Mas, representaram – ao seu tempo – e ainda representam, um contraponto importante às saídas ditadas por consultorias a serviço de instituições bancárias privadas pelo mundo afora.

22. Tais medidas ortodoxas, adotadas para se debelar as crises mundiais, regionais e intestinas aos países aprofundam as contradições sociais. Direitos trabalhistas e previdenciários são precarizados, os empregos formais decrescem, aprofunda-se a crise ambiental, agudizam-se as manifestações de intolerância étnica e religiosa etc.

23. No rastro disso aumentam também os atos de resistência populares pelo mundo afora. As gigantescas manifestações populares na Tunísia, no Egito, na Líbia, na Síria, Iêmen, junto às manifestações esmagadas, como na Arábia Saudita e Irã, foram monitoradas pelos países imperialistas, para evitar que a “primavera árabe” se transformasse em algo sistêmico, ameaçando os interesses do capital.

24. Surgem as manifestações denominadas “Ocupem Wall Street”, claramente críticas à financeirização da economia. Movimento difuso, sem uma clara hegemonia anticapitalista, ainda que sua racionalidade aponte para essa perspectiva, tais iniciativas se espalharam pelo mundo como num rastilho de pólvora. E chega a ser patética as maneiras pelas quais a imprensa burguesa busca retratar os citados movimentos. Para a direita, essas iniciativas seriam apenas uma crítica à corrupção e ao descontrole dos ditos mercados. Quando na realidade representam não apenas uma crítica adjetiva, mas – fundamentalmente – substantiva. Ou seja, não são os “defeitos” da financeirização que recebem a crítica, mas a própria substância do fenômeno que é colocada em xeque.

25. Porém, reitera-se, pela enésima vez: o capital não cai, exclusivamente, por suas contradições internas. A evidente agonia do capital não resulta automaticamente em sua superação. Antes de ser “dinheiro”, maquinaria, commodities, títulos, tecnologia, conhecimento etc., o capital é uma relação social na qual o controle do tempo da vida alheia é a condição básica de sua reprodução. E, a cada obstáculo estrutural a esse processo de reprodução, recai sobre o “tempo” de fruição da vida da maioria da população mundial a saída conservadora: a apropriação, sob novas formas, dos atributos físicos e intelectuais de bilhões de pessoais; encurtando seu tempo livre, através de jornadas cada vez mais intensivas e extensivas de um trabalho, este por definição e natureza, alienado. Ou se constituem sujeitos políticos e orgânicos que enfrentem esse quadro, ou se prolongará, em condições cada vez mais perigosas, as contradições desse sistema.

26. É forçoso reconhecer que a esquerda socialista ainda está muito aquém das possibilidades colocadas pela extrema agudização da crise do capital. Faltam à esquerda revolucionária dois degraus indispensáveis para que tais possibilidades se realizem: um acúmulo teórico que balanceie a trágica experiência das tentativas socialistas do século XX, preparando o terreno para a elaboração da ausente teoria da transição anticapitalista; e ampliar sua capilaridade social, com o objetivo de reestabelecer laços que existiram no passado, seja com as bases proletarizadas e semi-proletarizadas da sociedade, seja com setores sensíveis da pequena burguesia, da intelectualidade progressista, de agentes culturais, da juventude, das mulheres, com as etnias discriminadas e com todos os demais setores susceptíveis de integrar um projeto emancipador.



Conjuntura Nacional

27. O momento político no Brasil é marcado por uma situação sui generis: o governo central é presidido uma petista, ex-combatente nos confrontos com a Ditadura Militar, e que sucedeu, na presidência da República, a maior liderança operária que esse país já teve. No entanto, no campo institucional e parlamentar, o presidente Lula e a presidenta Dilma fixaram-se nos limites de um governo de coalizão.

28. O Partido dos Trabalhadores, portanto, é lançado à condição de base sustentadora de um governo complexo, pluriclassista e contraditório. Inequívocos avanços se misturam à situações estagnadas e, até mesmo, constrangedoras em relação ao ideário democrático e popular.

29. Os avanços se situam no terreno da distribuição de renda, que melhora sensivelmente a situação dos pobres do país. Na dimensão nutricional e da segurança alimentar. Na recuperação das estruturas estatais dizimadas pelo governo FHC (na saúde, na educação, na infraestrutura, na ciência e tecnologia, no crédito público, no planejamento etc). Na ampliação dos espaços democráticos, via conferências nacionais setoriais, no fortalecimento dos conselhos e outras instâncias de representação social, na abertura da estrutura de governo à representação dos temas das mulheres, etnias, juventude, pessoas deficientes, idosos, população LGBT, alguns destes se expressam em estruturas com status de ministério etc. Em outras áreas sucateadas pelo neoliberalismo, como na produção de Ciência e Tecnologia, Defesa Nacional, Política Industrial, ainda que com menos intensidade, já são visíveis as diferenças com governos anteriores.

30. Mesmo no âmbito do Judiciário, sobretudo nos tribunais superiores (como destaque para o TST) as escolhas influenciadas pelo governo Lula foram muito positivas. No caso do STF pode se dizer que os avanços foram tímidos. Porém, o conservadorismo do judiciário ainda é um dos grandes desafios a ser enfrentado e superado.

31. Vivemos num país tão desigual e com dívidas sociais históricas tão acentuadas, que qualquer política regular e consistente de distribuição de renda melhora substantivamente as condições de vida do povo. E isso tem sido feito com êxito, deixando desnorteados os adversários do PT, à direita e à “esquerda”.

32. A institucionalização de programas como o “Bolsa Família” (responsabilizando as três esferas da Federação, com sua execução) e a consolidação do Benefício de Prestação Continuada (BPC), apenas para ficar em dois exemplos, tem efeitos muito positivos na vida dos mais pobres. E impacta a ação das forças divergentes do PT.

33. Isso repercute nos partidos de direita no país, que vivem crises estruturais de identidade e de projetos. À “esquerda” a situação chega a ser lamentável: reclamam que as políticas de distribuição de renda esvaziaram as lutas sociais; que entidades como a CUT e a UNE se tornaram “chapas brancas” etc. Sem capilaridade social, isolada politica e eleitoralmente, essa ”esquerda” faz uma curva tão acentuada em seu rol de lamentações que acaba se encontrando com o discurso udenista da direita, capitaneado pela mídia comercial conservadora.

34. É verdade que concessões fundamentais são feitas a frações da burguesia, notadamente ao setor bancário, à indústria automobilística, a parcelas do latifúndio, dos oligopólios de comunicação, de mineração, de siderurgia etc.

35. Trata-se do caminho escolhido pelo governo Lula, em face da correlação de forças realmente posta na sociedade. E algo insuficientemente debatido no PT, a quem caberia, principalmente, debater e adotar medidas para que fosse mudada a correlação de forças desfavorável. Inclusive, influenciando nos rumos do governo. Assim, com Lula foi iniciado um movimento de reconstrução da economia do país, a partir de incentivos a algumas cadeias produtivas, a recuperação da capacidade de planejamento e indução do desenvolvimento a partir do estado, da produção de ciência e tecnologia autóctone etc. Isso, quando combinado com as medidas que produziram saldos positivos da balança comercial, baseadas principalmente na exportação de commodities e com medidas conservadoras no controle do câmbio e da inflação, num contexto internacional favorável, deu ao Brasil a condição de ter passado pelas turbulências das crises mundiais, com relativa tranquilidade.

36. Se a premissa da correlação de forças desfavorável é correta, o PT carece de um plano estratégico para alterar tal situação. A agenda partidária cada vez mais se identifica, na retaguarda do governo, com a agenda congressual. Nem mesmo há uma ação concertada entre PT, PCdoB, PSB e setores do PDT, articulada com movimentos sociais mais ativos na sociedade, para a ativação de campanhas em torno da reforma política, da agrária, urbana etc. E muito menos para as eleições municipais do país, por exemplo. Já que o governo é de ampla coalizão, o PT é pouco ativo no sentido de garantir, nos espaços extraparlamentares e extragovernamentais, um mínimo de identidade da base de sustentação do governo da presidenta Dilma.

37. Outra lacuna tática do conjunto do PT é a nossa incapacidade crônica de abordar esse amplo público beneficiado com o ciclo de desenvolvimento econômico e social vivenciado a partir do governo Lula. Quando muito, a partir do inchaço do próprio PT, o que se tem é a reprodução de práticas clientelísticas e fisiológicas, alienígenas ao ideário petista, ou tributárias daquilo que Gramsci chamou de hegemonia passiva. Ou seja, uma hegemonia baseada na relação despolitizante, em que conquistas sociais são apresentadas como benesses de um parlamentar ou agente de governo.

38. Tal situação enfraquece até mesmo a consolidação de políticas públicas importantes que avançaram com o governo Lula e que prosseguem no atual. E o que é mais grave, impede a geração de novos avanços. Sobretudo no que diz respeito à função social da propriedade, à reforma urbana e a agrária etc.

39. Com os partidos neoliberais enfraquecidos e com suas instituições privadas de hegemonia (imprensa, academia, consultorias e “formadores de opinião”) falando para o próprio umbigo, abre-se uma oportunidade histórica ao PT.

40. Estudiosos de vários matizes ideológicos concordam que nos momentos de crises profundas do capital, o Brasil deu saltos significativos em sua economia, na reforma do estado e no fortalecimento da sociedade civil. O final do século XIX vivenciou uma gigantesca depressão no mundo e o Brasil realizou importantes mudanças em sua formação social: reformas eleitorais, abolição conservadora da escravidão, a implantação (ainda que por meio de um golpe) da República, etc. E foram iniciativas tímidas frente ao potencial colocado pela crise internacional. Mais não se avançou, em face dos pactos conservadores das elites agrárias brasileiras e da condição pífia da burguesia urbana nascente. Ou seja, poderiam ter ido mais longe se os atores sociais tivessem tido um papel mais ousado.

41. A outra grande depressão, expressa no crack de 1929, marcou um tempo que caracterizou mais um salto na formação social brasileira: a dissolução do pacto agrário-exportador, o fortalecimento da burocracia estatal, o investimento em infraestrutura viária, industrial e urbana, a criação de universidades e escolas técnicas etc. Infelizmente tais mudanças também não nasceram de algum tipo clássico de revolução burguesa ou das iniciativas do incipiente proletariado urbano. A hegemonia conservadora é que coordenou esse processo de reformas, definindo seus limites e possibilidades.

42. Essas duas grandes crises (a do final do século XIX e a emblematizada pela queda Bolsa de Nova York, mas que se refere a todo o período entre as duas grandes guerras mundiais) perduraram por cerca de três décadas, até o capital se estabilizar e retomar seus complexos e instáveis ciclos de crescimento.

43. Já o Brasil contemporâneo vive boas possibilidades, em um dos momentos mais agudos da crise mundial que se inicia na década de1970 e se prolonga até nossos dias. São mais de 40 anos de “tentativas e erros” que apontam para os limites a uma saída duradoura da crise do capital. A queda do “padrão ouro”, as políticas de privatização, a diminuição de direitos sociais, a precarização do trabalho, a abertura de fronteiras comerciais de países pobres e em desenvolvimento, a intrusão do gerencialismo privado na máquina pública, bolhas de crescimento baseadas em pirâmides financeiras, enfim, estas e outras medidas marcaram as últimas décadas, daquilo que aqui chamamos de “tentativas e erros”.

44. Assim, entendemos como manifestações de uma crise de longo curso, a crise da “bolha hipotecária” (2008-09), a atual crise que derrubou sete governos na chamada zona do Euro, a crise da dívida americana, as quebras dos “tigres asiáticos”, do México, Argentina e etc.

45. Até mesmos a queda das burocracias ditas “socialistas” e a plena assunção do capitalismo em países como a Rússia, China e etc deve ser entendida nesse contexto de busca de saídas à crise do capital, sob o ponto de vista do capital (Mèzáros).

46. Eis, portanto, a oportunidade do Brasil. Diferentemente das grandes depressões de 1873 e a de 1929, a atual crise de longo curso do capital encontra nosso país em condições de dar um salto histórico, mas com “consciência-de-si”. Principalmente porque temos na presidência da República alguém identificada com as demandas políticas e históricas do mundo do trabalho. Temos o maior partido de esquerda do planeta, compartilhando e em condições de disputar os rumos das reformas estruturantes que podem colocar o Brasil como potencia mundial. Temos uma base social difusa, mas que se identifica – ainda que de forma genérica – com esse projeto. Enfim, temos as condições objetivas e subjetivas para dar esse salto de qualidade. Resta saber se construiremos as condições para que essas mudanças sejam conscientemente assumidas e sustentadas pela base social que o PT e a esquerda em geral querem representar.

47. Registre-se que PSDB, DEM e PPS não estão mortos. Ganham tempo, procuram reorganizar suas forças e se reconstituírem como alternativa de poder no Brasil. Suas recentes movimentações indicam que adotaram um discurso ainda mais ousado na linha da privatização de ativos, da abertura de fronteiras comerciais, de inserção nada soberana no cassino financeiro internacional, de desqualificação dos avanços alcançados no governo Lula etc. E ainda é bom atentar para o fato de que nossos aliados, na base do governo Dilma, buscam também seus espaços, “espremer” o PT, em termos de capilaridade e base social.

48. Isso demanda clareza nas tarefas que temos pela frente:

a. Buscar a politização do Partido e dos movimentos sociais mais avançados: no sentido da tomada de consciência acerca do momento histórico em que vivemos, superar a letargia imposta pela visão de que, estando no governo, só nos resta propor e aperfeiçoar “políticas públicas”. Ao contrário, a luta por políticas públicas mais avançadas tem de ser conduzida pela determinação de conquistarmos reformas estruturantes: agrária, urbana, tributária, política etc. Ou o partido entende que tem assumir a vanguarda dessa oportunidade histórica, aberta pela mencionada crise de longo curso do capital, ou permanecerá na retaguarda dos acontecimentos, num quadro em que tanto os adversários declarados, quanto “aliados” tentarão nos enfraquecer e isolar.

b. Defender uma concepção de Estado necessário para sustentar esse salto de qualidade na formação social brasileira: aquele dotado de fortes instrumentos de planejamento e decisão, de capacidade de investimento em infraestrutura, que implemente medidas de geração de empregos sustentáveis e qualificados, de avanços na proteção social e na materialização de direitos dos setores mais vulneráveis da sociedade etc. Este Estado, poroso e permeável à participação popular, deve aprofundar as iniciativas de controle social do orçamento público, do cronograma de políticas e programas, de obras e serviços, além do controle dos processos decisórios ao nível do Judiciário, do Legislativo e do próprio poder Executivo.

c. Difundir a proposta de que o mundo do trabalho seja muito mais que beneficiário passivo dos ciclos de crescimento da economia. Ter trabalhadores e trabalhadoras como sujeitos do processo de desenvolvimento do país e da refundação de nossa formação social é a condição para que as mudanças que pretendemos sejam sustentáveis. As conferências nacionais setoriais são ambientes favoráveis para a disputa de projetos que vão além da “setorialidade” das mesmas. Mas, numa conjuntura dinâmica, a luta pela afirmação do mundo do trabalho como sujeito histórico ativo, pressupõe também plena intervenção nas eleições para governos e parlamentos.

d. Logo, há que se compreender a conjuntura eleitoral vindoura como estratégica para o país. Os aparatos privados de hegemonia burguesa (jornais, institutos e consultorias burguesas e os tais formadores de opinião), mais a direita partidária capitaneada pelo PSDB, vão tentar nos enfraquecer ao máximo em 2012. Seus argumentos, já que não nos derrotaram em 2006 e 2010, mudam cinicamente para o reconhecimento de que o país avançou, mas que isso seria algo que se deve a eles e que seria preciso retomar a “transição paralisada” pelo PT. Embora politicamente esquizofrênico esse discurso encontra eco em setores da sociedade e até mesmo em lideranças petistas.

e. Minoritários, esses setores acalentam a expectativa de que podemos superar a relativa dependência de nosso governo ao populismo conservador do PMDB e às suas práticas fisiológicas, a partir de uma abstrata “politica de convergência” com os tucanos.

f. Trata-se de se rechaçar essa visão, disputando na base partidária e nas instâncias dirigentes a seguinte diretriz: a polarização, ainda que dissimulada, que subjaz às disputas de 2012 é aquela que opõe a tentativa de retomada da agenda neoliberal (reciclada) e a continuidade dos avanços democráticos e sociais iniciados por Lula e continuados por Dilma Rousseff.

49. Muito embora pautada pelo calendário eleitoral de 2012, essa disputa de significado na conjuntura política exige que o Partido inflexione seus esforços para uma repactuação com os movimentos sociais e sindicais mais combativos no país. Isso implica conhecer conflitos, diferenças de enfoques, tensões e distintas temporalidades na relação entre partido e movimentos, partido e governo, e, finalmente, governo e movimentos sociais e sindicais.

50. Daí a relevância de se ressaltar a importância estratégica dos movimentos sociais e sindicais para os avanços das reformas pretendidas. Sem a sinergia social ressaltada anteriormente, o governo federal ficará refém da agenda e da dinâmica do capital, no processo de implementação das reformas urgentes e na busca da ocupação de um espaço relevante na reestruturação geoestratégica mundial em curso.

51. Assim, a politização do Partido, para que o mesmo assuma –conscientemente – a grandeza do momento histórico de transição em que vivemos, superando a timidez da mera “disputa por políticas públicas”; a defesa de uma concepção democrática e popular de Estado, que seja transparente, poroso e controlado socialmente; a investidura do mundo do trabalho, como sujeito histórico das transformações em curso, para além da condição de beneficiário e reivindicante corporativo; são as três tarefas gerais na conjuntura. E que rebatem diretamente no processo eleitoral vindouro, possibilitando sua nacionalização e momento de afirmação do projeto democrático e popular.

52. Destas se desdobram tarefas táticas específicas, não menos importantes, a serem detalhadas em resolução própria.

53. A plataforma política da conjuntura deve ser concretizada naquelas reivindicações que exponham o nervo das contradições sociais, nesse momento histórico de transição: a função social da propriedade nas condições concretas da formação social brasileira; a democratização das comunicações; e o acesso universal aos serviços de educação e saúde; o alcance das políticas protetivas do Estado, aos setores vulnerabilizados; tudo isso está na base da plataforma democrática e popular que deve orientar a preparação para todos os embates que estão por vir.

A Esquerda Popular e Socialista se apresenta ao Partido e aos lutadores e lutadoras sociais resgatando algo que vem sendo esquecido ao longo da trajetória da esquerda: avanços políticos e institucionais sem “alma social” tendem a ser efêmeros. E essa “alma social” é um atributo que só pode prosperar com a ativa e consciente participação dos sujeitos mais dinâmicos do mundo do trabalho.



I Congresso Nacional da Esquerda Popular e Socialista – Tendência interna do PT
04 de Dezembro de 2011
Guararema – São Paulo (Escola Nacional de Formação Florestan Fernandes)

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Resolução Política da Esquerda Popular Socialista


     A Esquerda Popular e Socialista – EPS - tendência petista fundada no dia 4 de dezembro de 2011, na Escola Nacional Florestan Fernandes em SP, nasce com a contribuição de militantes de 18 estados de todas as regiões do país afirmando a centralidade da luta dos/as trabalhadores/as e a relação orgânica com os movimentos sociais. Tem como princípios fundantes o feminismo, o combate ao racismo, à homofobia e a todas as formas de discriminação. A EPS surge com o objetivo de fortalecer o PT como instrumento capaz de formular e dirigir as principais frentes da luta política no Brasil, defendendo o governo Dilma, o aprofundamento das mudanças iniciadas no governo Lula, as reformas estruturais e tendo o socialismo como objetivo estratégico.

Resolução Política

     A direção nacional da Esquerda Popular e Socialista do PT, reunida em 25 de janeiro de 2012, em Porto Alegre, sede do Fórum Social Temático, debateu a situação política e econômica internacional e nacional e aprovou a seguinte resolução:

     1. Saudamos a realização desse Fórum Social em Porto Alegre, fruto do esforço dos movimentos sociais e partidos de esquerda, que mantêm acesa a chama do internacionalismo e da crítica anticapitalista.

     2. Apontar alternativas globais e fortalecer a luta contra o capitalismo neoliberal se faz cada dia mais necessário. O agravamento da crise econômica mundial, cujo epicentro nesse momento é a Europa, deixa nítido que vivemos em um momento que evidencia a incompatibilidade estrutural entre capitalismo e democracia, entre capitalismo e emprego, entre capitalismo e políticas sociais.

     3. Os mercados financeiros derrubam governos, desestabilizam economias. Os capitais internacionais seguem ditando regras, chantageando Estados, exigindo profundos cortes nas políticas públicas para direcionar recursos a banqueiros e especuladores. Suas receitas são políticas recessivas, que aprofundarão a crise, em um círculo vicioso sem fim. O desemprego, em todo o mundo, atinge níveis recordes, como mostram os números da OIT (200 milhões de desempregados, com tendência a agravamento). Cumpre ressaltar que os níveis de desemprego são, em média, três vezes maiores entre os jovens.

     4. Embora a situação seja diferente no Brasil, na América Latina, na China e Índia, entre outros países, que não adotam políticas neoliberais, já sentimos a desacelaração dos índices de crescimento econômico. Não há garantias que um derretimento da Europa e um aprofundamento da crise mundial não afetem de maneira significativa também esses países, inclusive a economia brasileira.

     5. É nesse contexto que as acertadas políticas dos governos Lula e Dilma devem ser aprofundadas. Estamos desafiados a continuar crescendo com aumento do emprego, distribuição de renda e expansão das políticas sociais. Cabe ao PT e aos movimentos sociais aprofundar o debate sobre medidas de fortalecimento das políticas públicas, de aumento dos salários, da garantia dos investimentos em infra-estrututura e de democratização do Estado brasileiro.

     6. Radicalizar o compromisso democrático e popular do governo federal liderado pelo PT pressupõe corrigir algumas rotas. A começar pela política de juros, do superávit primário e de gestão da dívida interna, que seguem sendo um dreno gigantesco de recursos. Em 2011 foram cerca de R$130 bilhões de superávit primário. Uma fortuna que poderia estar sendo direcionada para saúde, educação, combate à pobreza ou novas obras.

     7. Enfrentar a crise econômica significa fortalecer o mercado interno e distribuir renda de maneira efetiva. A reforma agrária deve voltar ao centro da agenda do PT e do governo federal. Democratizar a estrutura agrária e priorizar o apoio à agricultura familiar se faz combatendo a pobreza e a miséria, distribuindo renda e poder, gerando um círculo virtuoso de emprego e aumentando as condições de vida de milhões de pessoas. A reforma agrária, ao contrário do que pensam alguns, é absolutamente contemporânea e sua não-realização é uma das grandes lacunas na história do Brasil.

     8. O primeiro ano do governo Dilma é motivo de orgulho para todo o PT e de todos setores que apoiam o projeto democrático-popular. A alta aceitação da presidenta é resultado de sua firmeza, de sua liderança, reflexo da continuidade das políticas democráticas iniciadas nos governos de Lula e também dos novos programas lançados, com destaque para o Brasil sem Miséria, com a generosa e ambiciosa meta de erradicar a pobreza extrema no país até 2014.

     9. Agora, é preciso avançar. O PT e o governo Dilma devem retomar a agenda das reformas estruturais que estão paralisadas, como a reforma agrária (já mencionada), a reforma urbana, a reforma política, bem como o debate sobre a função social da propriedade, a democratização e regulação dos meios de comunicação, a redução da jornada de trabalho.

     10. O PT e o governo Dilma devem seguir discutindo os impactos que a aprovação do código Florestal poderá trazer para a biodiversidade e a capacidade produtiva do país e para a correlação de forças entre os grandes interesses do agronegócio e as demandas de pequenos agricultores familiares. Aqui, saudamos os deputados federais que votaram contra o Código Florestal e o senador Lindberg Farias, único senador que se opôs de maneira consistente e votou contra o Código.

     11. O PT e o governo Dilma devem atuar, ainda, de maneira enérgica no combate ao trabalho em condições análogas a escravidão. Segundo dados do Ministério do Trabalho, já foram localizados 294 infratores entre pessoas físicas e jurídicas, em geral, grupos de usineiros, madeireiros, fazendeiros e empresários do ramo imobiliário, de supermercados e shoppings. Nesta semana, o Sindicato Nacional dos Trabalhadores de Pesquisa e Desenvolvimento Agropecuário denunciou a ocorrência de trabalho em regime de escravidão em Manaus, no Distrito Agropecuário da Suframa, na BR-174.

     12. Nesse segundo ano de governo, o desafio é avançar e melhorar a interlocução e o diálogo com o conjunto dos movimentos sociais, dar mais peso à agenda dos direitos humanos (a Comissão da Verdade é um marco), às políticas de enfrentamento à desigualdade entre mulheres e homens, às políticas de promoção da igualdade racial, às políticas de combate à homofobia, entre outras.

     13. É fundamental combinarmos as políticas econômicas, que ampliam a renda das famílias e combatem a pobreza, com iniciativas que ganhem esses setores para posições políticas mais avançadas, fazendo com que se comprometam como nosso projeto de transformação do Brasil. Afinal, muitas das propostas que apresentamos ao governo dependem da organização, da luta e da correlação de forças. Portanto, a agenda dos movimentos sociais, a elevação do nível de consciência das pessoas e a capacidade conquista de mudanças são tarefas da Esquerda Popular Socialista.

     14. Reafirmamos, ainda, a necessidade de fortalecer as políticas que enfrentam e combatam a discriminação e a violência contra as mulheres, que desvelem o racismo e a homofobia, e que garantam o protagonismo das novas gerações. É dessa pauta que podem ser extraídas vitórias mais contundentes do campo socialista, inclusive no governo Dilma, e indicará mais claramente as alianças para a disputa eleitoral.

     15. Essa agenda que retoma o fio histórico do programa democrático-popular dará nitidez ao PT nas disputas municipais. Será o momento de fazer a defesa do governo Dilma, apontando para os avanços, e fazer o contraponto à direita sem programa e sem discurso. As eleições municipais fortalecerão o PT se as disputarmos com uma visão nacional, com amplitude política, mas com radicalidade para demarcar campos e confrontarmos projetos.

     16. É por isso que a política de alianças do PT não pode se transformar em algo amorfo, que tire nossa identidade política. O sucesso do Partido e do governo Dilma, a liderança de Lula, o esfacelamento do DEM e a divisão do PSDB faz com que muitos setores conservadores mudem de tática e tentem nos dividir, nos neutralizar. Os afagos da grande mídia à Dilma e a criação do PSD de Kassab são os fenômenos mais visíveis do reposicionamento das forças conservadoras na disputa política em curso.

     17. Nesse sentido, uma aliança com Kassab na capital paulista, por exemplo, seria um verdadeiro tiro no pé, que desmobilizaria nossa militância, nossa base social e eleitoral. Nos tiraria discurso e nitidez, nos colocaria no jogo do adversário. Essa cautela com a política de alianças, sobretudo com o PSD, deve nos nortear em todas disputas, Brasil afora. Candidaturas próprias do PT em algumas disputas, como em Belo Horizonte, farão toda a diferença e adquirem sentido estratégico. O momento é de fortalecer o Partido dos Trabalhadores: eleger o maior número possível de prefeitos e prefeitas, vereadoras e vereadoras.

     18. Por último, reiteramos nosso compromisso com o fortalecimento do conjunto das lutas e movimento sociais. O PT deve resgatar seu vínculo orgânico com o conjunto das entidades e movimentos que lutam por terra, moradia, salário, igualdade. Nesse sentido, reafirmamos a importância de seguirmos em sintonia política com os/as companheiros/as do MST, Via Campesina e da Consulta Popular. Quanto mais fortes as lutas sociais, mais fortes serão nossos governos e nossas condições para mudar a realidade e implementar o programa democrático-popular, ampliando seu sentido e conteúdo anti-capitalista.

     19. A conjuntura exige que o PT aumente o tom da denúncia à criminalização dos movimentos sociais. Está em curso um processo de agudização da repressão e do uso das forças policias estatais contra os ativistas de diversos movimentos. O governo Alckmin é o maior protagonista de uma escalada conservadora e autoritária, que flerta com o fascismo em operações como a desocupação do “Pinheirinho”, em São José dos Campos, ou o ataque a moradores de rua/dependentes químicos na cracolândia. Em Goiás, o governo do Tucano Marconi Perillo realizou a operação desocupação do Parque Oeste Industrial em Goiânia nos mesmos moldes do Pinheirinho. São retrocessos inaceitáveis, incompatíveis com a democracia, e que representam a diferença entre os dois projetos: dos tucanos e do campo democrático e popular.

Viva o Fórum Social Temático!
Viva os movimentos sociais!
Viva o PT!

Porto Alegre, 25 de janeiro de 2012
Direção Nacional Esquerda Popular Socialista (tendência interna do PT

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

NOTA DO PT EM SOLIDARIDADE AOS OCUPANTES DO PINHEIRINHO

     Partido condena violência e atos lamentáveis praticados pela prefeitura de São José dos Campos, Governo de São Paulto e Tribunal de Justiça.

NOTA DO PT EM SOLIDARIDADE AOS OCUPANTES DO PINHEIRINHO

     O PT acompanhou chocado, como toda a Nação, o desfecho violento e inesperado das negociações sobre a posse e urbanização de uma área ocupada por mais de mil famílias, há mais de 8 anos, no bairro do Pinheirinho, em São José dos Campos, SP.

     A mega-operação de reintegração de posse que envolveu a Polícia Militar do Estado de São Paulo e a Guarda Municipal de São José dos Campos frustrou os esforços para uma saída pacífica para o conflito social, com base em proposta de políticas públicas para a regularização, urbanização e construção de moradias populares na região envolvendo os três níveis de governo – federal, estadual e municipal.

    De propriedade de um mega-especulador de passado amplamente conhecido, o Sr. Nagi Nahas, abandonada e sem o pagamento regular de seus impostos, envolta em chicanas jurídicas de falência da empresa de seu proprietário, o terreno poderia ser objeto, conforme proposta formal do Governo Federal, de uma ação conjunta dos vários entes federados para dar-lhe destino social, integrar as famílias ocupantes à cidadania plena e equacionar um problema crônico de moradia popular em importante pólo regional do Vale do Paraíba paulista.

     No entanto, quando se imaginava que o caminho das negociações estava efetivamente aberto, a Prefeitura de São José dos Campos rompeu unilateralmente as negociações, e, de forma dissimulada e inesperada, sem comunicação prévia, passa a operar pela reintegração de posse junto à Justiça Estadual e o Governo do Estado. O que choca é que o mínimo de civilidade e credibilidade se espera na relação administrativa entre entes da Federação. A dissimulação e a mentira são posturas inaceitáveis em relações políticas e administrativas, e essas foram marcas do comportamento da Prefeitura de São José dos Campos neste processo.

     A Prefeitura de São José dos Campos, o Governo do Estado de São Paulo e o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo devem responder pelas conseqüências de seus atos nesta situação lamentável que expôs vidas humanas a risco desnecessário, tanto das famílias ocupantes quanto da população do entorno da ocupação e de outros bairros da cidade para onde a violência se estendeu.

     O PT manifesta sua solidariedade ao movimento popular de São José dos Campos, aos moradores atingidos pela violência do Estado nesta reintegração de posse e aos membros do Governo Federal e parlamentares presentes facilitando em todos os momentos a negociação por uma saída pacífica e construtiva para o conflito.

      O PT cumprimenta o Governo Federal pelos seus esforços de diálogo e por sua responsabilidade em todo o processo do Pinheirinho, e condena fortemente a intransigência e a insensibilidade social dos governos tucanos de São José dos Campos e do Estado de São Paulo, instando a todos pela retomada das negociações que permitam reparar o sofrimento causado desnecessariamente a famílias pobres e sem-teto.

São Paulo, 23 de Janeiro de 2012

Rui Falcão
Presidente Nacional do PT

Renato Simões
Secretário Nacional de Movimentos Populares e Políticas Setoriais do PT

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Pela imediata responsabilização da TV Globo no caso BBB


     Dois fatos muito graves ocorreram esta semana envolvendo o Big Brother Brasil. O primeiro foi com a participante Monique, que pode ter sido vítima de crime praticado por outro integrante do programa. O segundo foi a absurda atitude da TV Globo frente ao ocorrido. Em relação ao primeiro, cabe à polícia apurar e à justiça julgar, buscando ouvir os envolvidos, garantindo que eles estejam livres de pressões e constrangimentos. Já em relação ao segundo, é preciso denunciar a emissora e os anunciantes que sustentam o programa, e cobrar as autoridades do setor.
 
     Frente a indícios de um possível abuso sexual contra uma mulher participante de um de seus principais programas, a Globo, além de não impedir a violência no momento em que ela poderia estar ocorrendo, tentou escamotear o fato, depois buscou tirar de circulação as imagens e finalmente assumiu o ocorrido sem nomeá-lo. Na edição de domingo do programa, após todas as denúncias que aconteciam pela internet, ela transformou a suspeita de um crime em uma cena "de amor". O espírito da coisa foi resumido pelo próprio apresentador Pedro Bial: “o espetáculo tem que continuar”. A atitude é inaceitável para uma emissora que é concessionária pública há 46 anos e representa uma agressão contra toda a sociedade brasileira.
 
     Pelas imagens publicadas, não é possível dizer a extensão da ação e saber se houve estupro. A apuração é fundamental, mas o mais importante é o que o episódio evidencia. Em primeiro lugar, a naturalização da violência contra as mulheres, que revela mais uma vez a profundidade da cultura machista no país. No debate público, foram inúmeras as tentativas de atribuir à possível vítima a responsabilidade pela agressão, num discurso ainda inacreditavelmente frequente. O próprio diretor do programa, Boninho, negou publicamente que as imagens apontassem para qualquer problema.
  
     Em segundo lugar, o episódio revela o ponto a que pode chegar uma emissora em nome de seus interesses comerciais. A Globo fatura bilhões de reais anualmente pela exploração de uma concessão pública, e mostra, com esse episódio, a disposição de explorá-la sem qualquer limite nem nenhum cuidado com a dignidade da pessoa humana. O próprio formato do programa se alimenta da exploração dos desejos e das cizânias provocadas entre os participantes e busca explorar situações limite para conquistar mais audiência. Assim, o que aconteceu não é estranho ao formato do programa; ao contrário, é exatamente consequência dele.
 
     Em terceiro lugar, fica evidente a ausência de mecanismos de regulação democrática capazes de apurar e providenciar ações imediatas para lidar com as infrações cometidas pelas emissoras. Como já vem sendo apontado há anos pelas organizações que atuam no setor, não há hoje regras claras que definam a responsabilidade das emissoras em casos como esse, nem tampouco instrumentos de monitoramento e aplicação dessas regras, como um Conselho Nacional de Comunicação ou órgãos reguladores.
 
     Uma das poucas regras existentes para proteger os direitos de crianças e adolescentes – a classificação indicativa – está sendo questionada no STF, inclusive pela Globo. A emissora, que costuma tratar qualquer forma de regulação democrática como censura, é justamente quem agora pratica a censura privada para esconder sua irresponsabilidade. É lamentável que precise haver um fato como esse para que o debate sobre regulação possa ser feito publicamente.
 
Frente ao ocorrido, exigimos que as Organizações Globo e a direção do BBB sejam responsabilizados, entre outros fatos, por:

• Ocultar um fato que pode constituir crime;
 
• Prejudicar a integridade da vítima e enviar para o país uma mensagem de permissividade diante de uma suspeita de estupro de uma pessoa vulnerável;

• Atrapalhar as investigações de um suposto crime;
 
• Ocultar da vítima as informações sobre os fatos que teriam se passado com ela quando estava supostamente desacordada.
 
     É preciso garantir, no mínimo, multas vultuosas e um direito de resposta coletivo para as mulheres, que mais uma vez tiveram sua dignidade atingida nacionalmente pela ação e omissão da maior emissora de TV brasileira.
 
     Os anunciantes do BBB – OMO (Unilever), Niely Gold, Devassa (Schincariol), Guaraná Antártica e Fusion (Ambev) e FIAT – também devem ser entendidos como co-responsáveis, e a sociedade deve cobrar que retirem seus anúncios do programa ou boicotá-los. Suas marcas estão ligadas a um reality show que, para além de toda a crítica sobre os valores que propaga à sociedade – da banalização do sexo e do consumo de álcool à mercantilização dos corpos – , permite a violação de direitos fundamentais.
 
     Finalmente, é fundamental que o Ministério das Comunicações coloque em discussão imediatamente propostas para um novo marco regulatório das comunicações, com mecanismos que contemplem órgãos reguladores democráticos capazes de atuar sobre essas e outras questões.
 
     Este é mais um caso cujas investigações não podem se restringir à esfera privada e à conduta do participante suspeito. Exigimos que o Poder Executivo cumpra seu papel de fiscal das concessionárias de radiodifusão e não trate o episódio com a mesma "naturalidade" dada pela TV Globo. Esperamos também que o Ministério Público Federal se coloque ao lado da defesa dos direitos humanos e da dignidade da pessoa humana e responsabilize a emissora pela forma como agiu diante de uma questão tão séria como a violência sexual contra as mulheres.
 
Brasil, 18 de janeiro de 2012
 
  • FNDC – Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação
  • Rede Mulher e Mídia
  • Articulação de Mulheres Brasileiras
  • Campanha pela Ética na TV
  • Ciranda
  • Coletivo Feminino Plural
  • Observatório da Mulher
  • Associação Mulheres na Comunicação - Goiânia
  • COMULHER Comunicação Mulher
  • HUMANITAS - Diretos Humanos e Cidadania
  • Marcha Mundial das Mulheres
  • Rede Feminista de Saúde Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos
  • SOF – Sempreviva Organização Feminista
  • SOS Corpo - Instituto Feminista para a Democracia