terça-feira, 1 de novembro de 2016

OS ATAQUES COTIDIANOS À DEMOCRACIA E A ESCALADA DO ESTADO DE EXCEÇÃO

Por Pedro Serrano, jurista, e professor de direito na PUC-SP
“O Brasil vive um momento perigoso e triste de crescimento acelerado de medidas próprias de um Estado de exceção, que estão sendo praticadas cotidianamente e, o que é mais grave, naturalizadas. Nossa incipiente democracia vai assim se esfacelando e se transformando em uma maquiagem, que confere a aparência de um Estado democrático, mas ao invés de ampliar e efetivar direitos, os suprime paulatinamente”, constata Pedro Estevam Serrano, professor de Direito Constitucional da PUC-SP, em artigo publicado por CartaCapital, 31-10-2016.
Eis o artigo.
O emprego de medidas e decisões próprias de um Estado de exceção tem se tornado constante na rotina da nossa sociedade, o que sinaliza que vivemos uma perigosa escalada antidemocrática. As agressões à nossa democracia se banalizam sem causar alarido e, de forma acelerada, retiram direitos e afrontam o Estado democrático de Direito.
Não se tratam apenas de situações isoladas, mas de ataques cotidianos, e algumas ocorrências recentes corroboram a percepção de que a democracia se enfraquece, ao mesmo tempo em que um Estado cada vez mais autoritário vai ganhando espaço.
Ao recusar reclamação feita pelos advogados do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva contra o juiz Sérgio Moro, sob alegação de que a Operação Lava Jato “não precisa seguir as regras dos processos comuns”, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região declara formalmente tal juízo como uma fonte de exceção, e não como uma fonte de Direito, o que deveria, no mínimo, causar desconforto na sociedade.
No campo dos poderes executivos, tais medidas também têm sido comuns. A infiltração de um capitão do Exército entre estudantes que se organizavam para participar de um protesto contra o presidente Michel Temer, no início de setembro, em São Paulo, também foi constatada sem grandes repercussões.
É importante observar que um agente do Estado realizou ações de espionagem contra um movimento pacífico de caráter reivindicatório, o que atenta contra os valores da nossa Constituição e pode, inclusive, caracterizar-se como ilícito penal face a lei de abuso de poder.
Cabe apontar ainda que a atividade de espionagem é instrumento utilizado em situação de guerra entre Estados. Usada no âmbito interno, no entanto, configura-se como prática tipicamente de exceção.
Os movimentos sociais e seus agentes são tratados não mais como cidadãos que têm o legítimo direito de se expressar e reivindicar, mas como inimigos. Existe uma força de exceção pronta a combatê-los. Ressalte-se que a democracia tal qual conhecemos hoje foi uma construção justamente dos movimentos sociais, que sempre lutaram pela ampliação de direitos e das liberdades democráticas.
A essa tendência crescente de suspensão do direito de reunião e de manifestação política das pessoas soma-se a expansão da Polícia Militar como força de ocupação territorial, sobretudo das periferias, com vistas a estabelecer um estado de exceção permanente nas áreas dominadas pela pobreza, onde os direitos mais elementares, como o de livre circulação, são suspensos.
Essa expansão se dá tanto através de medidas judiciais, como a que anulou a sentença de condenação aos policiais que participaram da chacina do Carandiru, quanto por intermédio do Executivo, que investe em um sistema de segurança beligerante.
Os valores gastos pelo governo do Estado de São Paulo com armamentos entre janeiro e outubro deste ano superaram em 136% os gastos de todo o ano passado. Foram mais de 97 milhões de reais em materiais bélicos, explosivos e munição, contra 41 milhões de reais em 2015.
Esse aumento se deu em um momento de grave crise econômica, em que o governo apoiado pelo partido do governador propõe o congelamento de gastos públicos com serviços essenciais de saúde e educação.
Já a presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Cármen Lúcia, convocou asForças Armadas para discutir um plano emergencial para a área de segurança pública, o que é inconstitucional e descabido. Além de não ser papel do STF cuidar de segurança pública, as Forças Armadas não foram concebidas para atuar nesse contexto, mas em ambiente de guerra.
Também neste caso não se viu qualquer manifestação de surpresa; ao contrário, sempre que se fala em intensificar a repressão, há uma parcela considerável da sociedade que aplaude e, assim, legitima tais práticas.
Chama a atenção ainda o fato de que embora, nos últimos anos, o País tenha avançado muito na punição de crimes contra o Estado, principalmente crimes de corrupção, os crimes cometidos pelo Estado contra o cidadão, na maior parte das vezes, ficam impunes.
O abuso de poder e de autoridade são recorrentes e ainda que setores incluídos economicamente e sabidamente progressistas estejam cada vez mais sendo vítimas desse autoritarismo, nas periferias das grandes cidades essa sempre foi a regra vigente.
O Brasil vive um momento perigoso e triste de crescimento acelerado de medidas próprias de um Estado de exceção, que estão sendo praticadas cotidianamente e, o que é mais grave, naturalizadas. Nossa incipiente democracia vai assim se esfacelando e se transformando em uma maquiagem, que confere a aparência de um Estado democrático, mas ao invés de ampliar e efetivar direitos, os suprime paulatinamente.

segunda-feira, 18 de julho de 2016

Novo programa para rio São Francisco custará mais R$ 10 bilhões


Sérias dúvidas sobre a capacidade do Rio São Francisco de gerar água suficiente para a bilionária obra da transposição fizeram o governo lançar um novo programa de revitalização do rio.
Batizado de Novo Chico, conforme antecipou o "Painel" da Folha, o programa visa terminar obras de saneamento nas cidades na bacia do rio, desassorear o leito e recuperar mananciais, entre outras intervenções. Estão acertados gastos de, no mínimo, R$ 10 bilhões até 2026.
A reportagem é de Dimmi Amora e Valdo Cruz, publicada por Folha de S. Paulo, 17-07-2016.
Mas o valor vai aumentar porque o governo ainda trabalha no orçamento de algumas intervenções, como dragagem, e também pedirá aos Estados da região que invistam mais recursos no projeto. O presidente interino, Michel Temer, deverá ir à região para se reunir com governadores para tratar do tema.


revitalização do rio foi anunciada pelo governo do ex-presidente Lula com a obra dos canais da transposição, como forma de reduzir a resistência dos opositores ao desvio das águas.
Mas, quase dez anos depois, o governo já gastou R$ 10 bilhões na obra dos canais e R$ 2,2 bilhões na revitalização, e nenhuma delas está pronta. Além disso, em ambas há suspeitas de desvio de recursos, corrupção e ineficiência. A construção dos canais é alvo da Lava Jato.
No caso da revitalização, os desvios de recursos estão em apuração no TCU (Tribunal de Contas da União). No processo, o tribunal aponta para problemas num dos principais projetos para a revitalização do rio, que é o saneamento das cidades do semiárido. Segundo o TCU, num conjunto de cerca de 194 obras, 74 estavam paradas ou nem começaram. 
Em 54 projetos prontos, a maioria não atingiu o objetivo de fazer chegar mais água para a população.
Mudanças
O governo interino de Michel Temer agora promete fazer funcionar, de fato, um comitê gestor para integrar as ações de vários ministérios, dos Estados e municípios e do setor privado. Segundo o presidente do Comitê de Bacia do Rio,Anivaldo Miranda, além da descoordenação, não houve participação da sociedade na elaboração do projeto anteriormente e, por isso, ele não deu certo.
"Se nada for feito ou se for feito de forma tímida, a tendência é que os problemas de degradação socioambiental do rio aumentem a ponto em que chegue a ser irreversível, e isso será um desastre."
Sem a revitalização, a vazão do rio é cada vez menor.
Mesmo com as chuvas deste ano, Sobradinho, a principal represa, ainda está com 25% da capacidade. SegundoJoão Suassuna, pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco, a qualidade da água do rio é cada vez pior e há risco de que doenças de veiculação hídrica possam ser espalhadas pela água que chegar aos canais da transposição.
"A cidade de Januária, que é banhada pelo rio, não bebe mais a água dele. Só de poço."

Transposição deve ser inaugurada sem levar água a ribeirinhos

Eleita como obra prioritária do governo de Michel Temer, a transposição do rio São Francisco deve ser inaugurada no fim do ano sem levar água às famílias ribeirinhas.
Em maio, o governo decidiu ampliar os repasses mensais para as empreiteiras responsáveis pela obra para concluí-la em dezembro.
A reportagem é de João Pedro Pitombo, publicada por Folha de S. Paulo, 17-07-2016.
Mas os sistemas de abastecimento para as 294 comunidades só devem ser concluídos em dezembro de 2017 e entrar em operação em 2018.
Esse prazo, porém, pode acabar sendo estendido por atrasos nas obras. Seis meses após a assinatura dos convênios que asseguraram recursos para os governos de PernambucoParaíba e Ceará, as obras dos sistemas de abastecimento nem começaram.
Ao todo, são previstos R$ 285 milhões para a construção de sistemas que vão ligar os canais da transposição às comunidades ribeirinhas.
Mas só R$ 15 milhões foram liberados pelo governo federal —R$ 5 milhões para cada Estado. O restante dos recursos será repassado à medida que as obras avançarem.
O governo do Ceará, por exemplo, nem sequer licitou a obra. Segundo a secretaria estadual das Cidades, foi preciso readequar os projetos executivos feitos pelo Ministério da Integração Nacional.
Em Pernambuco, o cronograma prevê a execução das obras por etapas. Inicialmente, seis comunidades rurais serão atendidas num investimento de R$ 21,1 milhões, levando água a 10 mil pessoas.
A obra também precisou de ajustes no projeto executivo e ainda não foi licitada.
Também há previsão de investimento de R$ 20,8 milhões para abastecer quatro aldeias indígenas. Mas as obras ainda estão na fase de elaboração de edital e nenhum recurso foi repassado.
O total de R$ 285 milhões previsto pelo governo também não será suficiente para atender a todas as comunidades.
Contemplado com R$ 35 milhões, o governo da Paraíba vai atender inicialmente apenas as cidades de Piancó,Riacho dos CavalosTriunfo e Princesa Isabel.
O plano do governo é construir reservatórios, estações elevatórias e de tratamento em outras 47 cidades. Mas, para isso, dependerá de financiamento de R$ 120 milhões pedido ao Banco Mundial.
Outro lado
O Ministério da Integração Nacional disse que as obras que ligarão os canais aos ribeirinhos são de responsabilidade dos Estados e da Secretaria Nacional de Saúde Indígena, ligada ao Ministério da Saúde.
O governo do Ceará atribuiu atrasos ao fato de os projetos executivos estarem sendo refeitos. A Compesa, empresa de água de Pernambuco, diz que não se pode falar em atraso. O governo da Paraíba não se pronunciou.

Debatedores divergem sobre projeto de lei que regula compra de terras por estrangeiros

     Representantes do Ministério de Relações Exteriores e do Ministério da Defesa não chegaram a um consenso, na quinta-feira (14), sobre a proposta que modifica regras para a aquisição de imóveis rurais por estrangeiros no País – Projeto de Lei 4059/12
    O tema foi debatido em audiência da Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural.
A reportagem é de Murilo Souza, publicada por Agência Câmara Notícias, 15-07-2016.

    Representando o Ministério da Defesa, Paulo Cézar Brandão criticou o dispositivo do projeto que não prevê restrições para compra ou arrendamento de terras por pessoas jurídicas brasileiras que sejam controladas direta ou indiretamente por estrangeiros.
    Brandão disse que essa falta de restrição representa uma ameaça à soberania nacional. “Em síntese, esse dispositivo retira do Estado a prerrogativa de monitoramento e controle sobre aquisições indiretas de terras por estrangeiros”, disse Brandão.
     O representante do Ministério da Defesa também questionou o trecho do projeto que revoga a legislação atual (Lei 5.709/71) e regulariza todas as compras de terras já realizadas até o momento por empresas ou cidadãos estrangeiros no País.
     “Convalidar ou ratificar as aquisições anteriores é uma ameaça, pois o Estado brasileiro não possui hoje um controle efetivo sobre as reais transações realizadas por empresas nacionais com capital predominantemente estrangeiro”, completou.
Regra atual
     Advogado da União, Joaquim Modesto Pinto Júnior explicou que, mundialmente, a compra de terra por estrangeiros é tratada na forma de lei específica. No caso brasileiro, a legislação atual prevê que, para pessoas jurídicas, a aquisição de até 3 módulos rurais é livre, sem necessidade de autorização do Estado brasileiro.
     Já pessoas físicas ficam dispensadas de autorização para aquisição de até 20 módulos rurais. Nos demais casos, a lei impõe restrições à aquisição de terras por estrangeiros, sobretudo em áreas de fronteira. “A lei cria excepcionalidades, mas não impedimentos”, disse Pinto Júnior.
     Pelo Projeto de Lei 4059/12, não poderão comprar terras rurais no Brasil, ainda que indiretamente: fundos soberanos constituídos por outros países; organizações não governamentais ou fundações particulares com sede no exterior. O texto também proíbe o arrendamento de imóvel rural a estrangeiros e a venda ou doação a estrangeiros de terras da União, dos estados ou dos municípios. Por outro lado, continuam autorizadas a comprar imóveis rurais companhias de capital aberto.
Acordos internacionais
     Ao analisar o projeto, o Itamaraty entende que o texto pode aproximar o Brasil de eventuais acordos de investimento firmados com outros países no âmbito da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). “A proposta vai na direção de não discriminação entre empresas brasileiras ou controladas por estrangeiros”, disseNorberto Moretti, que representou o Ministério das Relações Exteriores na audiência.
     “A consequência prática é que o investidor estrangeiro, sob a forma de uma empresa nacional de capital estrangeiro, terá o mesmo tratamento que uma empresa brasileira”, disse Moretti.
     O deputado Heitor Schuch (PSB-RS), que propôs o debate, se disse contrário à proposta. “Não podemos nem permitir falar que agricultor familiar esteja correndo o risco de perder sua terra para estrangeiros. Estaremos realimentando a indústria dos sem-terra. Portanto, o Brasil precisa antes cuidar bem dos brasileiros”, disse. “Pode até trazer gente de fora, mas não entregando a terra”, finalizou.
     Também contrário ao projeto, o representante da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Guilherme Delgado, disse que o texto é completamente inapropriado.
     “O projeto vai na contramão dos regimes fundiários instituídos pela Constituição de 1988. Precisamos entender que a terra não é mercadoria, mas um bem intergeracional de uso múltiplo e com uma função social clara”, defendeuDelgado, para quem o texto põe em risco comunidades tradicionais, como índios e quilombolas, e a soberania nacional.
Íntegra da proposta: PL-4059/2012.

quarta-feira, 13 de julho de 2016

Subsídios a discussão na CCEAGRO/CONFEA - PL nº 6.299, de 2002


* Eng. Agrônomo Cleberson Carneiro Zavaski – AEA-DF
Os riscos eminentes da aprovação do PL Nº 6.299/2002 e outros projetos apensos a este e o quadro já preocupante da qualidade dos alimentos no Brasil colidem com a missão de defesa e luta pela segurança alimentar e nutricional de toda a Agronomia Brasileira, o pressuposto desta luta deve ser o norteador de nossas posições frente ao Congresso Nacional e toda a sociedade.
Vale sublinhar que o Brasil é signatário da “Convenção sobre Procedimento de Consentimento Prévio Informado para o Comércio Internacional de Certas Substâncias Químicas e Agrotóxicos Perigosos, adotada em 10 de setembro de 1998, na cidade de Roterdã”.
O tema dos agrotóxicos apresenta incidência superlativa no Brasil até pelo fato de o país ter se transformado no maior consumidor destes produtos, afora a histórica frouxidão institucional dos controles internos, em particular, sobre esses produtos.
Tramita na Câmara dos Deputados, em Comissão Especial, em regime de prioridade, um conjunto de proposições legislativas demandando alterações radicais no atual marco regulatório sobre o tema no Brasil que está assentado na Lei nº 7.802, de 1989.
As proposições em tela são lideradas pelo PL nº 6.299, de 2002, já aprovado no Senado, de autoria do Senador Blairo Maggi, Ministro da Agricultura do governo provisório. Antes, a Comissão Especial estava focada no PL nº 3.200, de 2015, do Deputado Covatti Filho (PP/RS).
Os textos das proposições são basicamente coincidentes, fato que sugere a existência de um patrono comum para os dois projetos de lei. A substituição do PL nº 3.200, pelo PL nº 6.299, como proposição principal da Comissão Especial, obviamente teve o propósito de buscar o atalho no processo legislativo da matéria posto que o PL nº 6299 já passou pelo Senado.
Ao mesmo tempo visou antecipar o apoio do governo provisório à propositura, vez que o seu autor também é o Ministro da Agricultura.
Recentemente, especialistas da FAO estimularam que após trinta anos de implementação do Código Internacional de Conduta para a Distribuição e Utilização dos Agrotóxicos, as legislações nacionais passassem a incorporar os avanços científicos observados nesse período no conhecimento dos impactos dos venenos agrícolas nas pessoas e no meio ambiente (http://www.fao.org/news/story/es/item/346145/icode/).
Assim, as pretensões expostas no PL 6.299/2002 e seus apensos, sobre a legislação interna atuam na absoluta contramão dos esforços da FAO, conforme tentaremos demonstrar a seguir. A Lei nº 7.802, de 1989, alterada pela Lei nº 9.974, de 2000, e regulamentada pelo Decreto nº 4.074, de 2002, rege a pesquisa, a experimentação, a produção, a embalagem e rotulagem, o transporte, o armazenamento, a comercialização, a propaganda comercial, a utilização, a importação, a exportação, o destino final dos resíduos e embalagens, o registro, a classificação, o controle, a inspeção e a fiscalização de agrotóxicos, seus componentes e afins.
Os Projetos de Lei em consideração sugerem a revogação da legislação mencionada e propõem a instituição da “Política Nacional de Defensivos Fitossanitários e de Produtos de Controle Ambiental, seus Componentes e Afins”. Esta política pretende regular de forma amplamente permissiva as atividades relacionadas aos agrotóxicos, “caçando” os poderes das instituições públicas do meio ambiente e da saúde no controle desses produtos.
Preditivo dos seus propósitos, de plano, os proponentes substituem o termo “agrotóxico” por “defensivo fitossanitário”, numa clara manipulação para fins de mitigação política da nomenclatura dos venenos agrícolas.
Um retrocesso se for considerado, especialmente os termos utilizados pela FAO e aplicados mundialmente em diversos países: pesticides e plaguicidas.
E mais, o texto oficial, em português, da Convenção antes mencionada utiliza o termo agrotóxico. A própria Constituição Federal adota o termo agrotóxico (Art. 220,§4º).
Para qualificar as mudanças intentadas pelas forças ocultas e os proponentes dos referidos projetos com essa investida legislativa, destacamos:
1. A criação da Comissão Técnica Nacional de Fitossanitários (CTNFito), em cuja participação não há previsão de representação dos trabalhadores rurais que aplicam diretamente os venenos ou de instituições representativas dos profissionais responsáveis pela sua recomendação através dos Receituários Agronômicos ou pelo sistema CONFEA/CREAs que fiscalizam tais profissionais e o recolhimento de ARTs em defesa da sociedade. Essa Comissão tornaria o Brasil possuidor de uma regulação paraestatal (ou mesmo privatizada) dos agrotóxicos, a exemplo do que ocorre com os Organismos Geneticamente Modificados. O Parecer emitido pela CTNFito vincularia os demais órgãos e entidades da administração nos aspectos de segurança à saúde; meio ambiente; e de eficácia dos produtos ‘defensivos fitossanitários’ bem assim, os de ‘controle ambiental’. Ou seja, a CTNFito afastaria de forma absoluta a Anvisa e o Ibama da gestão tripartite dos produtos agrotóxicos como ocorre atualmente. Ao MAPA restaria a atribuição de homologar as decisões da CTNFito;
2. Na atualidade, não podem ser registrados no Brasil:
(i) os agrotóxicos para os quais o país não disponha de métodos para desativação de seus componentes;
(ii) aqueles que revelem características teratogênicas, carcinogênicas ou mutagênicas;
(iii) os que provoquem distúrbios hormonais, danos ao aparelho reprodutor;
(iv) aqueles que se revelem mais perigosos para o homem do que os testes de laboratório, com animais; e 
(v) os venenos cujas características causem danos ao meio ambiente.
Os projetos de Lei elencados propõem, para todos os casos, substituir a ‘proibição’ pela condicionalidade “que revelem riscos inaceitáveis...” Ficam as seguintes questões: O que seria um risco inaceitável? Quem determinaria esse risco? A CTNFito!!!
3. O PL de Blairo Maggi, traduzindo as reivindicações de empresas e de outros interessados ocultos, não define “intervalo de segurança” na aplicação de agrotóxicos, e assim, deliberadamente, não prevê o espaço de tempo entre a última aplicação em uma cultura e o plantio consecutivo de outra cultura, o que abre espaço para a maior intensificação da aplicação destes agrotoxicos.
4. Pretendem que associações de agricultores, entidades de pesquisa ou de extensão ou titulares de registros requeiram a avaliação de novos usos dos agrotóxicos já registrados para controle de outros alvos biológicos em “cultura com suporte fitossanitário insuficiente” (CSFI). Todavia, além da ausência de parâmetros científicos de segurança, quem avaliará o pleito de forma conclusiva será a CTNFito que terá somente 30 dias para fazê-lo; em não fazendo, o processo estaria deferido. O MAPA apenas autorizaria o registro;
5. Pelos PLs, as autorizações e registros dos agrotóxicos estariam vinculados ao parecer técnico, à monografia, às diretrizes e aprovação correspondentes da CTNFito, sendo vedadas exigências técnicas de outras instâncias nos aspectos relacionados à segurança e eficiência. Em relação à monografia, esta seria elaborada pela CTNFito e atualizada a partir das informações apresentadas pelos próprios requerentes ou titulares de registros e teriam característica de perpetuidade. Assim, as monografias, que seriam alimentadas pelas empresas, ficariam imunes aos alertas e contestações dos órgãos públicos de saúde e meio ambiente. A monografia seria a garantia do registro;
6. PET - Permissão Experimental Temporária – Mais uma inovação danosa a todo o sistema atual, com vistas à flexibilização da legislação. Na atualidade, exige-se o Registro Especial Temporário (RET) para agrotóxicos, seus componentes e afins, quando se destinarem à pesquisa e à experimentação cuja expedição requer o cumprimento de várias exigências técnicas. Com a substituição do registro especial, pela permissão temporária, as empresas pretendem escapar das exigências atuais;
7. Eliminam a obrigatoriedade de as empresas prestadoras de serviços na aplicação de agrotóxicos seguirem as exigências e diretrizes exigidas para os seus registros nos órgãos federais da saúde, meio ambiente e agricultura como precondição para os respectivos registros nos órgãos estaduais e municipais. O projeto habilita a CTNFito para essa finalidade;
8. Ambas as proposições definem as responsabilidades pelos danos causados à saúde das pessoas, e ao meio ambiente. No entanto, ao contrário da legislação atual, não explicita as esferas de responsabilização (administrativa,civil e penal). Ainda que a rigor o fato não livre os infratores da responsabilidade em qualquer esfera, todavia é no mínimo inadequada. Tem mais: suprimem a hipótese da responsabilidade do registrante, por ‘culpa’. Ou seja, este somente seria responsabilizado por dolo, o que significa, ‘nunca’;
9. Convém alertar que ante as dificuldades de produzirem novas moléculas com propriedades inseticidas, herbicidas e fungicidas, as grandes corporações estão obstinadas na "reutilização" de venenos já abandonados, banidos, proscritos.
Com essa provável legislação, em especial, com os superpoderes atribuídos à CTNFito estarão dadas as possibilidades de novas misturas de venenos, não permitidos, para obtenção de registros de produtos baratos, escondendo os motivos de seu abandono nas formulações anteriores;
Ante o exposto, e temerosos com o futuro imediato do Brasil, também neste tema, especialmente tendo em conta as circunstâncias políticas atuais no Brasil de um governo provisório alçado ao poder apartir de processo ainda em discussão e não finalizado, devemos construir o dialogo e a contribuição à sociedade brasileira e ao invés de flexibilizar, desregrar e desregulamentar devemos estimular e lutar por uma legislação que possa estimular a conformidade, aos padrões propugnados pela FAO e OMS, das condutas internas do país na matéria.
Ademais, tendo em vista que o Brasil é um dos principais exportadores de alimentos do mundo, esse grande afrouxamento da legislação brasileira pertinente aos agrotóxicos tange também à segurança de centenas de milhões de consumidores em todo o mundo.
Assim, objetivamente, propomos ao CONFEA:
a) Considerando que o objetivo da Convenção antes referida é o de “...promover a responsabilidade compartilhada e esforços cooperativos entre as Partes...”, seria válido e oportuno que o CONFEA peticione aos presidentes da Câmara e do Senado, bem assim, ao Presidente da República, no sentido de formalizar a expectativa pela modernização das legislações nacionais sobre os agrotóxicos, sem ferir os princípios e deixar o País em risco com os atuais PLs;
b) Propor a realização de evento sobre o tema com os especialistas mundiais e representantes do governo brasileiro, instituições de pesquisa e sociedade civil;
c) Iniciativa de grande relevância seria uma espécie de auditoria, dos resíduos de contaminantes e de agrotóxicos nos produtos que integram a dieta básica da população brasileira, vis a vis os padrões estipulados internacionalmente pelo Codex Alimentarius. O Comitê do Codex Alimentarius do Brasil (CCAB) tem sido historicamente omisso no zelo pela qualidade dos alimentos em nosso país. Não é à toa que mesmo tendo entre as suas atribuições a elaboração e atualização da legislação e regulamentação nacional de alimentos, esse Comitê assiste, silente, o processo em andamento de desmonte da legislação brasileira sobre agrotóxicos. Em suma, trata-se de um colegiado com missão de alto interesse público que, todavia, tem sido absolutamente omisso no Brasil; sem qualquer transparência e sem participação da sociedade civil.
Afinal, alem de afetar a sociedade como um todo a aprovação dos PLs como estão caminhando, levara a uma insegurança geral e corroborará para o desmonte de categorias profissionais apartir da flexibilização de normas que podem levar a extinção da exigência de Receituários Agronômicos e obrigatoriedade de responsáveis técnicos em seu manejo e uso.
Neste sentido devemos perquirir e ir a fundo neste debate, buscando ao final não inquinar a imagem dos profissionais e de todo o sistema frente a sociedade brasileira.


*Presidente da Associação de Engenheiros Agrônomos do DF – Vice-Presidente Centro –Oeste da Confederação das Federações de Associações de Engenheiros Agronomos do Brasil - CONFAEAB - Coordenador da CEAGRO-DF - Texto alterado apartir de documento enviado a FAO pela ABRA no qual a Associação de Engenheiros Agrônomos do DF é signatário.