terça-feira, 23 de outubro de 2012

O PT E AS ELEIÇÕES - E A TENTATIVA FRUSTRADA DE MANIPULAÇÃO MIDIATICA.

     Alguns analistas têm destacado o crescimento, em escala nacional, do PSTU que conquistou duas vagas de vereadores e sobretudo do PSOL que passou de 25 para 49 cadeiras nos parlamentos municipais, nessas eleições. Com base no resultado alcançado no Rio de Janeiro por Marcelo Freixo, quase 30% dos votos do eleitorado, insinuam que a legenda do PSOL começa a substituir o PT no coração e nas mentes das classes trabalhadoras. A densidade eleitoral e a visibilidade política da grande metrópole do centro do país justificaria o enunciado apocalíptico.
 
     Trata-se de um exagero retórico. O que não se diz, no caso em tela, é que Freixo foi beneficiado pelo sucesso do filme de maior bilheteria na história do cinema brasileiro: “Tropa de Elite 2”. Se a primeira versão da série vendera antes 4 milhões de ingressos, a segunda ultrapassou a casa dos 11 milhões de espectadores, transformando-se em um fenômeno de público. O filme, aos moldes hollywoodianos, com muita ação, violência e tiros, reproduzido na TV aberta e fechada, tinha dois mocinhos.
 
     Um agia nas ruas e nas favelas para combater o narcotráfico, era encarnado pelo tenente-coronel Nascimento (Wagner Moura). Outro militava com a palavra em favor dos direitos humanos e contra a corrupção policial, representado pelo deputado Fraga (Irandhir Santos), inspirava-se em um personagem real, o deputado psolista Freixo, que se notabilizou na Assembléia Legislativa por combater as milícias paramilitares da Cidade Maravilhosa. Destacar o impulso à candidatura vindo da sétima arte não retira o mérito de seu desempenho. Por analogia, assinalar que o edil mais votado na Câmara Municipal de Porto Alegre, Pedro Ruas (PSOL), beneficiou-se de ter concorrido a governador em 2010 não deslustra sua façanha: sublinha uma particularidade.
 
     É insofismável que o filme magnificou a popularidade de Freixo, no contexto de uma disputa em que o PT não apresentou alternativa e, por injunções da base aliada do governo federal, apoiou o peemedebista Eduardo Paes, até pouco tempo filiado no PSDB. Nesse cenário deu-se o crescimento do esquerdismo entre os eleitores cariocas. Nada que autorize generalizações apressadas para relativizar a posição de liderança do PT no espectro da esquerda continental, como se o pleito apontasse uma dispersão dos votos vocacionados à esquerda daqui em diante no país. Os que insistem no falso juízo, parodiando o subtítulo da película de sucesso dirigida por José Padilha, têm consciência de que “o inimigo (das elites econômicas) ainda é o mesmo”.
   
     Não é o único aspecto a ressaltar, findo o primeiro turno. Antes das eleições, as baterias midiáticas miraram o “mensalão do PT” nas sessões do STF, em sintonia fina com cada etapa do processo eletivo. A concatenação entre a mídia comercial e o Poder Judiciário interviu de forma explícita no desdobramento da disputa. Nenhuma sigla partidária foi tão estigmatizada pelo jogral composto por âncoras da imprensa escrita, falada e televisionada, e as novas celebridades de toga no período recente. Isso inibiu a tradução da aprovação da população aos governos Lula e Dilma em votos para os representantes do PT, em especial os proporcionais com uma identidade histórica com a agremiação da estrela. Não à toa, diversos secretários municipais que concorreram naufragaram nas urnas, apesar do conceito positivo desfrutado pelas administrações a que serviam. Provável efeito subliminar da exploração orquestrada.
 
     Se Guy Debord, em 1968, chamou a atenção para a “sociedade de espetáculo”, onde o que parece ser possui mais força no imaginário social do que o próprio ser, agora o sintoma da espetacularização penetrou a alta esfera encarregada de zelar pela Justiça. Em meio a noções estranhas ao Estado Democrático de Direito, em um momento de absoluta estabilidade institucional, o ministro Joaquim Barbosa, relator por sorteio do estrepitoso caso, recorreu ao argumento do “domínio dos fatos” para espalhar condenações amparado em uma lógica dedutiva à revelia das provas materiais. Também para os honrados senhores que protagonizaram o show de quinta categoria republicana a aparência sobrepujou a essência, ao emitirem sentenças sob aplauso do jornalismo marrom.
 
     A lição que fica é evidente: a) para garantir a necessária serenidade aos julgamentos e afastar as pressões externas, nos Estados Unidos as sessões da suprema Corte são realizadas a portas fechadas - é o que sugere o bom senso; b) para fortalecer a cidadania e aprofundar as liberdades cidadãs, na Argentina o Congresso aprovou a Ley dos Medios proibindo a propriedade cruzada dos meios de comunicação – é o que se propõe a regulamentação da mídia atacada pelos donos da opinião pública.
No que concerne às avaliações iniciais sobre a expressão cívica da vontade geral, as baterias do ressentimento político enalteceram ilações igualmente desgastantes para o principal algoz do conservadorismo. Certos veículos de comunicação não tiveram pejo em manipular os números para minimizar os votos do PT no Rio Grande do Sul em 2012, na comparação com 2008, abstraindo as votações sub judice dos candidatos petistas em Novo Hamburgo (Tarcísio Zimmermann) e Gravataí (Daniel Bordignon). Ambos vítimas dos excessos alheios ao princípio da dosemetria contidos na Lei do Ficha Limpa e, para coroar o injusto martírio, vítimas da campanha divulgada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), “Valorize seu voto, vote pela sua cidade, vote limpo”.
 
     Com esse expediente escuso e condenável, o jornal Zero Hora tentou provar (sic) a tese do pretenso esmorecimento do prestígio do PT junto ao povo gaúcho. No RS, não obstante, ao contrário do exposto, o partido foi vitorioso. Obteve em torno de 1,5 milhão de votos. Governava 60 prefeituras e elegeu prefeitos em 73 municípios em 7 de outubro, sendo 16 entre os 50 maiores, e concorre no segundo turno em Pelotas. Totalizou 656 vereadores, antes dispunha de 500 no estado. Que destacasse a derrota na capital e sugerisse linhas explicativas, seria elogiável. Que promova um eclipse aritmético para fechar uma contabilidade interessada, é inconcebível do ponto de vista jornalístico. Quem, com razão, defende a “ética na política” deveria começar por defender a decência em suas páginas. Como nos versos de Brecht, “ esse é o nosso programa / uns dirão que é muito / outros dirão que é pouco / nós dizemos que é o mínimo”.
 
     Para encerrar o comentário, vale salientar que a vitória de Fernando Haddad em São Paulo, pela dimensão político-ideológica e por ocorrer no antigo e longevo ninho tucano, tende a fechar o ciclo dos expoentes do neoliberalismo (PSDB, DEM, PPS) e a fragilizar o ímpeto já debilitado da oposição ao projeto liderado pelo petismo / lulismo. Nesse ambiente, é possível apostar em condições mais favoráveis para que os movimentos sociais, as centrais sindicais e inclusive o PT se manifestem com maior desenvoltura e combatividade na sociedade civil, sem temer uma instrumentalização direitista como corria o risco em conjunturas passadas. Na prática, significa que se abrirá o horizonte para um crescente jogo de pressões feitas pela esquerda sobre o governo federal em apoio à universalização de direitos, à superação de desigualdades sociais e regionais e à recomposição das funções do Estado. Assim seja.
  
Por: Luiz Marques é professor de Ciência Política da UFRGS.

A LUTA DE CHAVEZ

     Se as liberdades e o sufrágio universal estão assegurados, a democracia, garantida, e os cidadãos não estão ameaçados de expropriação por políticos revolucionários, não há razão para cidadãos com espírito republicano votarem em candidatos que defendem interesses dos ricos.
 
     Eles estarão agindo de acordo com princípios de justiça se escolherem candidatos razoavelmente competentes que estejam comprometidos com os interesses dos pobres.
 
     Estas considerações podem ser relevantes para eleitores de classe média decidirem seu voto, mas o que decide eleições é o voto dos pobres, como acabamos de ver na reeleição de Hugo Chávez na Venezuela.
 
     Sua nova vitória comprova que a Venezuela é uma democracia e que os pobres lograram votar de acordo com seus interesses. Mas mostra também que os venezuelanos de classe média que nele votaram não defenderam seus interesses oligárquicos, mas os da maioria. Agiram conforme o critério republicano.
 
     Chávez não é um revolucionário, mas um reformador. Sua retórica relativa ao “socialismo bolivariano” dá a impressão de que está prestes a implantar o socialismo no país, mas seus atos deixam claro que não tem essa intenção nem esse poder.
 
     Essa mesma retórica alimenta a oposição local e dos Estados Unidos - uma potência imperial que, desde que ele foi eleito pela primeira vez, procura desestabilizá-lo.
 
    Mais importantes, porém, são suas ações de governo. Essas apresentaram resultados impressionantes.
 
     A renda per capita, que em 1999 era de US$ 4.105, passou a US$ 10.810 em 2011; a pobreza extrema foi de 23,4% da população para apenas 8,8%; e o índice de desigualdade caiu de 55,4% em 1998 para 28%, em 2008, com Chávez.
 
     A Venezuela é um país muito difícil de governar porque é pobre e heterogêneo. E os interesses em torno do petróleo são enormes.
 
     Nesse quadro de dificuldades, Chávez vem representando de forma exemplar a luta de uma coalizão política desenvolvimentista formada por empresários (poucos), trabalhadores e burocracia pública contra uma coalizão liberal e dependente formada por capitalistas rentistas, financistas, e pelos interesses estrangeiros. A luta de um país pobre para realizar sua revolução nacional e capitalista e melhorar o padrão de vida de seu povo.
 
     Nas últimas eleições, o establishment internacional voltou a apoiar o candidato da oposição. Mas o que tem sido a oposição “liberal” na Venezuela desde a Segunda Guerra?
 
     Essencialmente, uma oligarquia corrupta que se alternou no poder por 50 anos em um simulacro de democracia; uma elite econômica que reduziu a política à partilha das rendas do petróleo entre seus membros; um governo de ricos que sempre se submeteu às recomendações de política econômica do Norte, e exibiu, entre 1950 e 1999, o mais baixo crescimento de PIB da América Latina.
 
     O establishment internacional ainda não foi vencido, e a nação venezuelana não está consolidada. Chávez contou com a ajuda dos preços elevados do petróleo para realizar um governo desenvolvimentista e social. Não a terá sempre.
 
     Mas as últimas eleições mostraram que o povo venezuelano construiu uma democracia melhor do que aquela que o nível de desenvolvimento do país deixaria prever.
 
     E que esta democracia é o melhor antídoto contra a oligarquia interna e o neoliberalismo importado.
 
POR: Luiz Carlos Bresser-Pereira - Professor emérito da Fundação Getúlio Vargas, onde ensina economia, teoria política e teoria social. É presidente do Centro de Economia Política e editor da “Revista de Economia Política” desde 2001. Foi ministro da Fazenda, da Administração e Reforma do Estado, e da Ciência e Tecnologia.

Lágrimas de crocodilos e vampiros

     Pessoas com formação autoritária tendem a apreciar os movimentos que defendem o capitalismo em suas versões do fascismo ao ‘ultracapitalismo’. Valorizam o arrivismo social em que dominam os ‘vencedores’ e os ‘perdedores’ são ridicularizados. Educam seus filhos com as lições que promovem e aceitam a opressão e defendem a repressão desde que os seus familiares sejam colocados em lugar seguro. As três virtudes da justiça capitalista são exatamente o arrivismo, a opressão e a repressão, revelados nas rampas antimendigos da cidade de São Paulo, na expulsão de moradores pobres de terrenos grilados por especuladores financeiros em São José dos Campos, no assassinato sistemático de quem é alvejado pela polícia militarizada.
 
     No Brasil a justiça persegue movimentos populares há décadas. Juízes do STF no Brasil “condenaram” à ilegalidade em 1947 o único partido de oposição que tinha o nome de Partido Comunista Brasileiro. Desencadearam a perseguição que o final da 2ª grande guerra mundial tinha interrompido levando aos assassinatos políticos da classe média urbana até 1974. A guerra no campo e nas favelas nunca parou.
     Na América Latina a justiça baseada nos mesmos princípios perseguiu Jose Maria Martí, Pablo Neruda, Violeta Parra, Victor Jara. A prisão de Guantánamo está dentro do território cubano invadido pelos norte-americanos na baia de Subic para lembrar que não se pode afrontar os vencedores tão facilmente.
     Assim quem aprecia a força sobre os outros ajuda a pedir cadeia para os adversários. Como não tem projeto para ganhar eleições faz força para que a lei ponha ferros sobre os políticos e grupos que defendem o rumo socialista da igualdade, equidade, e do mundo dos direitos. Gritam a favor dos animadores de televisão que pedem a pena de morte para os filhos dos outros, perdedores todos eles. Criminalizam quem comete a ousadia de exigir igualdade.
     Por isso defendem multinacionais e grileiros de terras indígenas contra os movimentos dos sem-terra, contra índios, contra as mulheres da via-campesina. Pedem cadeia eterna para menores de 16 anos por crimes contra o patrimônio. Por extensão gostariam de voltar atrás a história extinguindo o Partido dos Trabalhadores por ter cometido o grave erro de se associar aos que sempre pagaram as eleições dos vencedores. Aliança financeira entre campanhas de partidos agora é chamada de lavagem de dinheiro. Não era esse o conceito criminalístico quando os partidos ‘vencedores’ estavam no poder. Foi baseado na “falta de provas” que um ministro do mesmo STF deu Habeas Corpus para banqueiro criminoso e não suspeitou nem fez inferências dedutivas sobre a possibilidade de um estuprador fugir do país. A inferência valeu para condenar políticos que defenderam os perdedores de sempre.
     A lógica da continuação desse conceito de justiça que seleciona quem deve ser punido e quem não deve agride a democracia. A recompensa que esse tipo de justiça recebe da imprensa dos poderosos é uma bajulação que não dá prêmio algum para a população que vota por justiça social. Criminalizar a política é consequência de judicializar a política, quando as duas coisas deviam andar separadas e autônomas. A política não pode ser subordinada à judicialização. Esse foi o caminho do golpe de estado de 2012 no Paraguai e de 2011 em Honduras.
     As bocas escorrem babas de vingança contra os personagens condenados sem que se permita exigir que as eleições no Brasil sejam proibidas de receber financiamento privado. Interessa a quem julga esconder que o crime não é dividir dinheiro. O crime é poder recebê-lo de forma direta dando a uma empresa ou um banco a força maior que a de um milhão de eleitores no voto e na propaganda. Parte da esquerda que se sentiu traída e excluída fica deslumbrada com a ‘nova justiça’ da direita e pede com raiva que mandem para a cadeia seus antigos militantes. Qualifica como ladrões todos os que fizeram acordos entre os partidos que cometeram o pecado de ganhar as eleições em 2003.
     Não foram ler a história de Jean Paul Marat, de Danton nem do Coronel Dreyfus. Não leram o libelo acusatório de Emile Zolá em “J’Accuse”. Preferem guilhotinar a liderança mais próxima. Ficarão satisfeitos quando seus filhos receberem eletrochoques ‘não letais’ da polícia militarizada mais próxima? Ouvirão os rappers quando tiverem que entender por que são atingidos por uma ‘bala perdida’ da polícia.
     Quem chora lágrimas de crocodilo agora pedindo as condenações pelo STF que montou um critério de julgamento que não existia sabe que os políticos de partidos tradicionais da direita não serão submetidos a ele. Não haverá julgamento do esquema privado de financiamento eleitoral que beneficia partidos de banqueiros. Não haverá crime de lavagem de dinheiro para quem colocou as Verônicas, irmã e filha, para traficar para fora do país o dinheiro da privataria da antiga Telebrás. O dinheiro desviado por Maluf nunca voltará ao tesouro nacional. Terão ficado satisfeitos em por na cadeia um professor secundarista que ousou ser tesoureiro de partido de esquerda e se associou com financiadores de campanha da direita.
     Parte da esquerda aprendeu afinal não se sobe de classe social quando uma eleição é ganha. Os autoritários ficarão contentes em por na cadeia políticos que lutaram contra a ditadura e agora na democracia serão os mais novos presos políticos, pela transformação de dinheiro partidário em vantagem indevida. Se eles forem punidos a vantagem indevida poderá continuar sem problemas.
     Essa satisfação autoritária não devolverá a razão ao autor do verdadeiro hino nacional do Brasil, torturado e enlouquecido na pancada, que não se lembra mais quem foi, nem pode entender o que fizeram com ele no cárcere. Cometeu o crime de compor uma música que as futuras gerações não arrivistas vão lembrar:_ “Para não dizer que não falei de flores”. Continuo achando que meus inimigos estão no poder embora o PT tenha conseguido ganhar eleições.
Por: Heleno Correa Filho - Médico Sanitarista - helenocorrea@uol.com.br