quarta-feira, 6 de novembro de 2013

POSICIONAMENTO DA CLASSE AGRONÔMICA BRASILEIRA SOBRE PL 2.824/2008 (PL DOS ZOOTECNISTAS)

APRESENTAÇÃO FEITA NA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO PARA, que reflete nosso posicionamento já explanado em diversos Estados e no Congresso Nacional em Brasilia.



Não poderia iniciar minha fala de outra forma que não fosse parabenizando o colega Dinaldo Trindade, Presidente da Associação dos Engenheiros Agrônomos do Pará (AEAPA) e sua Diretoria; e o ilustre Engenheiro Agrônomo e Deputado Estadual José Megale e sua Equipe, por terem viabilizado a realização desta importante Sessão Especial e assegurado a presença de tantas autoridades e tão seleto público.
Comemoramos neste ano, Deputado José Megale, 80 anos de regulamentação de nossa profissão e 132 anos da formatura da 1ª turma de Engenheiros Agrônomos do Brasil, no Instituto Bahiano de Agricultura, hoje Escola de Cruz das Almas.
Em nome da Classe Agronômica Paraense e Brasileira agradeço aos Senhores.

Caríssimos presentes, embora ciente da enorme responsabilidade que assumi, sinto-me extremamente honrado e feliz por ter sido indicado pelo Presidente da Confederação dos Engenheiros Agrônomos do Brasil (Confaeab), Engenheiro Agrônomo Ângelo Petto Neto, para apresentar ao ilustre plenário desta Sessão Solene Especial pelo Dia do Engenheiro Agrônomo e Audiência Pública, o posicionamento da Classe Agronômica Brasileira, em relação ao Projeto de Lei nº 2.824 de 2008, de autoria do Excelentíssimo Senhor Deputado Federal pelo estado do Pará, José da Cruz Marinho – o Zequinha Marinho.

Apresentarei nosso posicionamento de forma respeitosa e serena, porém, firme e objetiva, afirmando de início que, lamentavelmente, o PL 2.824, tramita na direção contrária aos interesses contemporâneos da Classe Agronômica, Veterinária e da Sociedade Brasileira em geral.

As razões que justificam nosso posicionamento são várias, mas vou demonstrá-lo, apresentando, às Senhoras e aos Senhores, apenas cinco das principais razões:

1. Em primeiro lugar o PL é inoportuno e é injusto: Inoportuno porque, no momento, todos os segmentos ligados ao meio rural, atendendo às necessidades da sociedade brasileira, lutam pela universalização da Assistência Técnica aos Produtores Rurais, em especial àqueles de base familiar.
Nosso sonho é que toda propriedade rural tenha um Responsável Técnico habilitado para orientar individualmente ou em grupos associados a todos os produtores rurais.
Ações de grande alcance como a criação da ANATER e da nova Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural estão em franco andamento.
O extraordinário sucesso do agronegócio brasileiro, seja ele de base empresarial ou familiar, nas últimas quatro décadas, cujas estatísticas são incontestáveis, credenciou o Brasil para enfrentar os novos desafios que o mundo nos impõe.
Precisamos contribuir com 20% da produção mundial de alimentos nos próximos 20 anos, como pede a FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura), ao anunciar em seu último relatório que ainda temos 842 milhões de pessoas passando fome no mundo.
Este percentual é maior do o que se espera dos EUA que é estimado em 16%.
Enquanto isso, enfrentamos este gigantesco empecilho, que é o PL 2.824 de 2008, que alijará deste magnífico e positivo processo, cerca de 230 mil profissionais (120 mil Engenheiros Agrônomos e 110 mil Médicos Veterinários).
Este fato, se concretizado e, espero que não o seja, trará sérias conseqüências para todos e entre elas posso citar:
1) aumentará, e muito, o custo de produção na propriedade rural; 2) inviabilizará o êxito da ANATER e do Plano Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural; 3) cerceará o mercado de trabalho legitimamente conquistado pelos profissionais da Agronomia e da Medicina Veterinária; e 4) prejudicará a evolução dos cursos de nível superior, que formarão os futuros Engenheiros Agrônomos, com visão holística e atribuições plenas.
O PL é, portanto, também injusto.

2. Em segundo lugar o PL não tem conserto e cria uma Reserva de Mercado inaceitável na atualidade: Por mais que se queira negar retoricamente, o PL 2.824, é um retrocesso, tanto do ponto de vista técnico quanto de necessidade real no campo de trabalho. As evidências são de que, na prática, ele criaria uma reserva de mercado para os Zootecnistas e, além disso, ele não tem como ser remediado, como bem disse o Deputado Federal pelo Ceará, Hilário Marques, na audiência pública em Fortaleza, quando leu o PL e concluiu: “não vejo como usar Substitutivos nem aditivos ou emendas para adequar este PL, pois o mesmo tem um ‘vício de origem’ insanável, desde sua própria Ementa.”
E, a ementa do PL 2824 realmente dispõe que seu propósito é:

“(revogar a alínea “c” do Art. 2º da Lei 5.550 de 68, para) vedar o exercício da profissão de zootecnista aos agrônomos e veterinários.” (grifamos)

Além disso, é preciso lembrar que o PL, se aprovado, beneficiará poucos (cerca de 15 mil Zootecnistas graduados, porém, menos de 10 mil ativos), e prejudicará muitos – 230 mil Engenheiros Agrônomos e Médicos Veterinários em atuação no Brasil. Desta forma, para cada Zootecnista que o PL 2.824 poderia abrir oportunidade de emprego, cerca de 25 Engenheiros Agrônomos e Médicos Veterinários seriam alijados deste mercado, comprometendo brutalmente a capacidade produtiva nacional e, potencializando uma perigosíssima insegurança para a balança comercial do Brasil e para a estabilidade econômica do país. Por estas razões estamos convencidos de que o PL 2824 de 2008 não será aprovado na Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural, da Câmara Federal.

3. Em terceiro lugar, no nosso entendimento, o PL é Inconstitucional:

O Art. 5º, inciso XIII, da Constituição Federal, assegura que:

“é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer.” (grifamos)

Ora, se isto é uma das garantias fundamentais dispostas na nossa Carta Magna e se a Resolução nº 1 (de 2 de Fevereiro) de 2006, do Ministério da Educação, que instituiu as Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de graduação em Agronomia ou Engenharia Agronômica, exige (no seu Art. 7º, inciso II), que o estudo da Zootecnia faz parte do núcleo de conteúdos profissionais ESSENCIAIS para a composição dos campos de saber destinados à caracterização da identidade profissional.(grifamos) Desta forma, se para graduar-se o Engenheiro Agrônomo precisa, obrigatoriamente, estudar Zootecnia, vedar o exercício desta atividade aos Engenheiros Agrônomos, no nosso entendimento, é decisão flagrantemente inconstitucional e vamos combatê-la na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC), da Câmara Federal e onde mais for necessário.

4. Em quarto lugar o PL aumenta a Fragmentação Profissional e inviabiliza a assistência técnica no campo: Sem nenhuma arrogância ou prepotência, somos de opinião que o curso de Agronomia é de muito maior amplitude e utilidade para o produtor rural e para a sociedade em geral do que qualquer um dos cursos oriundos da fragmentação equivocada da velha e boa Agronomia, a primeira profissão regulamentada da área tecnológica, que completa 80 anos de regulamentação e 132 anos de formatura da primeira turma de Engenheiros Agrônomos do Brasil.
Na linha de raciocínio do PL 2.824, na propriedade, onde hoje um Engenheiro Agrônomo se responsabiliza, eficientemente, por todas as atividades nela desenvolvidas, passaria a exigir uma Equipe Multiprofissional para sua operacionalização.
- O Engenheiro Agrônomo cuidaria apenas da fitotecnia (relação solo/planta);
- O Engenheiro Agrícola cuidaria de barragens, irrigação e similares;
- O Engenheiro de Alimentos cuidaria da agroindustrialização dos alimentos;
- O Engenheiro Ambiental, cuidará do meio ambiente, como se as atividades desenvolvidas nos meios rurais e urbanos fossem dissociadas do ambiente;
- O Zootecnista seria responsável pela produção animal, como desejam; e assim por diante.
Será que o Produtor Rural brasileiro teria condições de pagar por tudo isto, colega Dinaldo Trindade?
Certamente que não, Senhores Deputados. Ele não tem condições de pagar.

5. E, em quinto lugar, estamos convencidos de que o ilustre Deputado Federal Zequinha Marinho, provavelmente, agiu de boa fé e foi induzido ao erro por algum amigo, algum grupo ou até mesmo por uma categoria profissional, ao propor o PL 2.824 em 2008.
Entretanto, após todas as manifestações anteriores, como a audiência pública de Fortaleza-CE e, em especial, esta histórica Sessão Solene Especial de hoje, nesta respeitável Casa de Leis, na terra do Deputado Zequinha Marinho, onde esmiuçamos, do ponto de vista técnico, social, econômico e político, os fundamentos contrários ao PL, insistir em dar continuidade ao Projeto de Lei 2.824 de 2008 ou seus Substitutivos, SERÁ PRATICAR UM CRIME DOLOSO DE LESA PÁTRIA!




É por tudo que lhes expus Senhoras e Senhores, Caros Estudantes, Excelentíssimos Senhores Deputados que eu, em nome da Classe Agronômica do Brasil e, em nome de um dos mais dedicados e trabalhadores casais de pequenos produtores rurais deste país – Senhor Saul Oliveira, in memoriam, e D. Conceição Naves, meus pais, que me ensinaram a trabalhar e a respeitar a terra e, que criaram e educaram, com dignidade e honradez, este profissional da Agronomia, que tem a honra de lhes falar neste momento e mais 5 filhas, tirando o sustento da família de uma propriedade com menos de dois módulos rurais, conhecida por Fazenda Santa Cruz do Indaiazinho, no município de São Gotardo-MG, simbolicamente, representando todos os incansáveis, competentes e verdadeiros heróis, que são os Produtores Rurais brasileiros, peço encarecidamente, a todos os presentes que tem acesso ao nobre Deputado Federal Zequinha Marinho, que o sensibilizem para que se reposicione quanto ao PL. E, a título de exemplo, lembro a todos que: no passado, Napoleão se reposicionou várias vezes e se tornou Imperador de grande parte da Europa; há alguns anos atrás Lula  se reposicionou e alcançou a Presidência da República; e, recentemente, Marina Silva se reposicionou e está alvoroçando a política nacional.

Portanto, para o bem do Setor Produtivo Rural, do desenvolvimento sustentável do país e para o futuro do Brasil, precisamos convencer o nobre Deputado, a não persistir no erro. Ele pode e deve SE REPOSICIONAR, e determinar a imediata retirada ou o arquivamento definitivo do PL 2.824 de 2008.

Contamos com o povo do Pará e, em especial, os quase 3 mil Engenheiros Agrônomos do Estado, nesta nossa luta!

Muito obrigado!





Eng Agrônomo José Adilson de Oliveira
Assessor Parlamentar da Confaeab
ja.vix@hotmail.com

Cel: 27 9971 0280.

quarta-feira, 28 de agosto de 2013

DITADURA DA INDUSTRIA ALIMENTICIA


Considerada a inimiga número um da indústria de transgênicos, a física e ativista indiana Vandana Shiva afirma que há uma ditadura do alimento, onde poucas e grandes corporações controlam toda a cadeia produtiva. E dá nome aos bois: Nestlé, Cargil, Monsanto, Pepsico e Walmart.

"Essas empresas querem se apropriar da alimentação humana e da evolução das sementes, que são um patrimônio da humanidade e resultado de milhões de anos de evolução das espécies", diz.

 
Crítica feroz à biopirataria, Shiva ressalta que a única maneira de combater o controle sobre a alimentação é o ativismo individual na hora de consumir produtos mais saudáveis e de melhor qualidade.

Leia os principais trechos da exclusiva à Folha durante o 3º Encontro Internacional de Agroecologia, em Botucatu.


É possível alimentar o planeta sem usar transgênicos?

O único modo de alimentar o mundo é livrando-se das sementes transgênicas. Essas sementes não produzem alimentos, mas produtos industrializados. Como isso poderia ser a solução para fome? Só estão criando mais controle sobre as sementes. Desde 1995, quando as corporações obtiveram o direito de controlar as sementes, 284 mil fazendeiros cometeram suicídio na Índia. Nós perdemos 15 milhões de agricultores por causa de um design de produção agrária criado para acabar com a agricultura familiar.


Como mudar a alimentação do modelo agroindustrial para outro baseado na produção familiar e na distribuição local?

As pequenas fazendas produzem 80% dos alimentos comidos no mundo. As indústrias produzem commodities. Apenas 10% dos grãos de milho e soja são comidos por pessoas; o resto é 'comido' pelos carros, como biocombustíveis, e por animais. É possível elevar esses 80% para 100% protegendo a biodiversidade, a terra, os fazendeiros e a saúde pública. É apenas por meio da agroecologia que a produtividade agrícola pode aumentar.


Como as grandes corporações dominam a cadeia mundial de alimentos?

Se você olha para as quatro faces que determinam nossa comida, são todas controladas por grandes corporações. As sementes são controladas pela Monsanto por meio dos transgênicos; o comércio internacional é controlado por cinco empresas gigantes; o processamento é controlado por outras cinco, como a Nestlé e a PepsiCo; e o varejo está nas mãos de gigantes como o Walmart, que gosta de tirar o varejo dos pequenos comércios comunitários e com conexões muito diretas entre os produtores de comida e os consumidores. São correntes longas e invisíveis, onde 50% dos alimentos são perdidos.

Temos sim uma ditadura do alimento. A razão que eu viajei todo esse caminho até o Brasil é porque eu sou totalmente a favor da liberdade alimentícia, porque uma ditadura do alimento não é só uma ditadura. É o fim da vida.


Como as corporações chegaram a esse domínio?

Infelizmente, o chamado livre comércio trouxe a liberdade para as corporações, mas não para as pessoas. As corporações estão escrevendo as regras e se tornando os governantes.

Os direitos intelectuais acordados entre as organizações mundiais foram escritos pela Monsanto. Para eles, o problema era que os fazendeiros estavam guardando as sementes. E a solução que ofereceram foi dizer que guardar as sementes agora é um crime de propriedade intelectual. É isso o que dizem as regras da OMC. A Índia, o Brasil, a América Latina e a África deveriam dizer: 'Você não pode patentear a vida porque a vida não foi inventada. Pare com a biopirataria'.

Até agora, a revisão dessas regras não foi permitida, o que mostra que essas corporações ditam as regras. E não é apenas na OMC. A Monsanto escreveu o ato de proteção para o orçamento nos EUA. O vice-presidente da Cargill foi designado para escrever a lei de comércio e agricultura dos EUA.


É possível modificar esse cenário?

A única maneira de reverter essa situação é cada pessoa fazer seu papel de recuperar a liberdade e a democracia do alimento. Afinal, cada um de nós come duas ou três vezes ao dia. E o que nós comemos decide quem somos, se nosso cérebro está funcionando corretamente, ou nosso metabolismo está saudável ou, se por conta de micronutrientes, estamos nos tornando obesos. Isso afeta todo mundo: os mais pobres porque lhes foi negado o direito à comida; mas até os que podem comer porque não estão comendo comida. Chamo isso de anticomida, porque a comida deveria nos nutrir. A comida mortal que as corporações estão trazendo para nós destrói a capacidade da comida de nos nutrir e no lugar disso está nos causando doenças.

Cada um de nós deve se tornar um forte ativista da liberdade da comida e das sementes no nosso dia a dia. O que significa que temos que apoiar mais os fazendeiros e a agroecologia. Devemos ser comprometidos com a alimentação saudável.


Qual a importância do Brasil nesse jogo?

O Brasil tem um papel muito importante. De um lado, está uma agricultura altamente destrutiva e irresponsável, mantida pelas corporações, levando transgênicos, produtos químicos e piorando a fome. Do outro lado, está o modelo agroecológico, caracterizado pela diversidade, conhecimento popular, o melhor da ciência, e levando efetivamente comida às pessoas. Essa disputa está ocorrendo justamente aqui, no Brasil.

Provavelmente, o Brasil tem a maior proporção de diversidade de alimentos em sua agricultura. No entanto, a maior parte não é usada para a alimentação humana. Por exemplo, as plantações de cana-de-açúcar e soja vão para a alimentação de animais e para fabricação de combustíveis.

O Brasil é parte do que eles chamam de Brics. Eu não gosto de 'tijolos'. Eu prefiro plantas. Mas é um forte jogador na cena global, e os jogadores vão decidir como os outros jogam.


Qual o papel da sociedade urbana em relação à agricultura familiar?

É muito feliz. Não porque eu acredito que as áreas urbanas têm mais riqueza e mais poder, mas porque, por terem mais riqueza, têm mais responsabilidade. E porque eles controlam a tomada de decisões, tanto em termos de governamentais como a sua própria atitude em termos de consumo. Se eles mudassem sua postura de consumo para longe das corporações, comprando, sim, alimentos dos pequenos produtores, eles ajudariam não apenas o agricultor familiar, mas também ajudariam a Terra e seus próprios corpos.


Recentemente o presidente da Nestlé afirmou que é necessário privatizar o fornecimento da água. Quais as consequências desse processo?

Tudo que é essencial à vida desde o começo da história, em todas as culturas, tem sido reconhecido como pertencente à sociedade. E isso inclui a semente, porque a semente é a base da comida, inclui a água porque água é vida. E são esses recursos que essas corporações gigantes querem enclausurar. Essas são as novas inclusões comerciais. Assim como na Inglaterra, eles enclausuraram a terra, e a tiraram dos camponeses para terem a revolução industrial.

Hoje, as corporações gigantes estão assumindo os bens comuns que são as sementes, a biodiversidade, a água. Quando a Nestlé diz que é necessário privatizar a água, eles estão, obviamente, pensando na necessidade de aumentar os lucros deles. Eles não estão pensando na necessidade dos aquíferos de serem sustentados e recarregados, porque corporações somente podem construir uma economia extrativa. Se eles privatizam a água, eles vão somente tirar a água para eles, o que significa que as comunidades locais são deixadas sem água. Então é um assalto.

As Nações Unidas têm de reconhecer que o direito à água é um direito humano. A Coca-Cola agora quer entrar no meu vale, um vale lindo no Himalaia, chamado Dune Valey. Em maio nós iniciamos uma campanha porque a privatização da água por essas empresas de engarrafamento significa, primeiro, que o direito universal à água é destruído. O aquífero, que pertence a todos, está agora engarrafado numa garrafa de 10 rupis que pode é acessível só aos ricos. Os pobres bebem apenas água contaminada.

A segunda coisa é que ela destrói água, e eu não sei por quanto tempo essa mineração poderá aguentar. A terceira é que ela polui. Sobram poucas fontes de águas puras, e, se eles realmente se importassem, deveriam limpar o pouco que sobra, ao invés de roubar o que resta limpo. Isto é roubo de água e, portanto, um crime contra a humanidade.

Essa dependência da Coca-Cola é um dos vícios da vida moderna. Nós temos muito mais bebidas saudáveis.

Na Índia, começamos uma campanha para as avós ensinassem aos seus netos as bebidas geladas que elas costumavam fazer. Somos um país tropical, sabemos como transformar qualquer fruta em uma bebida saborosa: um suco de manga crua, que é ótimo para prevenir insolação, uma mistura maravilhosa de sete grãos, que é como uma refeição completa e, se tomada no café da manhã, você não precisa de mais nada. As bebidas venenosas que são vendidas pela Nestlé e pela Coca-Cola roubam o nosso dinheiro, a nossa água e a nossa cultura.


Qual é a forma alternativa à globalização?

Originalmente, o livre comércio deveria reconhecer a liberdade de todas as espécies e por isso não destruiria nenhuma espécie nem ecossistema. Originalmente, o livre comércio reconheceria os direitos dos camponeses e dos povos indígenas e, por isso, não iria cortar as raízes. Reconheceria também os direitos dos pequenos agricultores familiares e iria cuidar para que existam preços justos, ao invés de tentar debilitar o preço por meio de dumping e jogando fora os produtos.

Um verdadeiro livre comércio seria a liberdade para as pessoas e não a liberdade para as corporações. O que nós temos agora é uma corporatização global com uma negligência total, uma destruição negligente e desatenta. O que precisamos é uma consciência livre que esteja profundamente ciente de nossa interconexão com outras espécies, outras culturas e com toda a humanidade. Temos que ser conscientes do dano que fazemos aos outros. Dessa forma, não vamos incrementar o tamanho de nossa pisada ecológica, mas vamos a reduzi-la.

E, na alimentação, a única forma em que você pode reduzir sua pisada é de mudar de agroindústria para agroecologia, mudar da distribuição global para distribuição local, mudar de um sistema violento, que depende do governo corporativo, para um sistema pacífico, que depende da comunidade e da solidariedade. No momento em que mudamos para isso, a pisada se reduz. Podemos ir do industrial e global para ecológico e local.


Como acelerar o processo de alinhamento entre os vários movimentos para um estilo de vida mais sustentável?

Agroecologistas, camponeses e agricultores familiares são, na minha opinião, os maiores, protetores do planeta. É o momento de os movimentos ecológicos perceberem que os verdadeiros ambientalistas são os agricultores, que realmente reconstroem o solo, que fazem o cultivo de uma forma que os besouros não sejam mortos, que protegem a água.

E o movimento pela saúde tem que perceber que os agricultores são os médicos, que fazer crescer comida saudável é a melhor contribuição que podemos fazer. No momento em que fazemos essas conexões, existe uma nova vida, porque a vida cresce por meio de inter-relações.

TATIANE RIBEIRO ENVIADA ESPECIAL A BOTUCATU E TONI SCIARRETTA DE SÃO PAULO

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

A HISTÓRIA OS ABSOLVERÁ


O fim do mensalão - por Lincoln Secco, especial para o Viomundo

     O Mensalão acabou. Depois de cerca de nove anos de uso político de um crime de caixa dois, aquela fonte do discurso oposicionista esgotou. Há três fatos sintomáticos disso.

     O primeiro é que Dirceu, Genoíno e João Paulo estão fora da chapa majoritária que irá compor o próximo diretório nacional. Sem defender seus dirigentes históricos desde a primeira hora, o PT patinava entre a defesa envergonhada e o afastamento deles. É possível que seja a tentativa de virar de vez aquela página da história.

     O segundo é que a Imprensa Monopolista está diante de um escândalo infinitamente maior: o cartel do Metrô. Ela tentou minimizar a notícia durante dois anos ou mais. Porém, depois que a Siemens selou um acordo de leniência com a justiça e cedeu documentos importantes, evidenciou-se um mega esquema de financiamento e enriquecimento ilícito de graúdas figuras do PSDB.

     O problema é que esta mesma mídia passou os últimos anos na escola de Carlos Lacerda e ungiu a corrupção como o único problema nacional. Tornou-se difícil agora salvar os tucanos.

     O terceiro é mais complexo. Passada a tormenta do ataque midiático movido pelas eleições municipais já encerradas, forma-se em círculos cada vez mais amplos (inclusive jurídicos) a convicção de que alguns ministros agiram politicamente.

     Embora isto já fosse evidente durante o julgamento, o que não se percebeu na época foi a fragilidade técnica dos votos condenatórios. Contribuiu para isto também a desmontagem da figura do presidente do STF e o receio de futura desmoralização do tribunal. É que só agora se percebeu que ao adquirir a simpatia da opinião publicada o STF também se submete a ela. Trata-se de uma reação corporativa que tende a isolar os ministros que buscam holofotes só para si.

     Ao que tudo indica o STF observou também que a condenação dos réus por compra de votos torna nula a reforma da previdência e abre a porteira a uma enxurrada de indenizações e pagamentos retroativos. Mas algumas condenações não podem ser mais revistas.

    O que fazer? Seria difícil para o STF se defender com a ideia estapafúrdia de que os supostos votos comprados “não foram suficientes” para determinar o resultado da votação. Uma emenda constitucional com um único voto comprado é viciada ab ovo. Se o Supremo disser o contrário instalará uma insegurança jurídica incontornável no país. Seria tão ridículo quanto acusar José Dirceu com uma novíssima teoria: o domínio do fato não consumado.

    Tais sintomas da conjuntura parecem indicar, portanto, que o Supremo vai rever a condenação de alguns réus. Se a presidenta Dilma aprendeu alguma coisa sobre a natureza política do STF, os dois novos ministros vão declarar dentro da mais perfeita legalidade que não existiu formação de quadrilha alguma.

    A solução do STF seria um juste milieu: os réus sofreriam uma meia sanção. Não seriam presos, apenas marcados para sempre com uma condenação por crime comum. E os ministros que votaram de acordo com a mídia seriam poupados de uma derrota maior. Decerto são hipóteses a se verificar porque ninguém pode prever o resultado.

    Que o mensalão permanecerá na história do PT, não há dúvida. Mesmo que hoje saibamos muito melhor o que de fato ocorreu em 2005. Tratou-se uma batalha política. Como o jornalista Paulo Moreira Leite demonstrou houve o crime de financiamento ilícito (caixa dois) que é simplesmente a norma de qualquer eleição no Brasil. Que se trata de crime, não há dúvida. Mas só o PT será punido por isso. Já a compra de votos, esta continuará sendo uma suspeita sobre o governo Fernando Henrique Cardoso e não mais de José Dirceu ou Lula.

    Hoje é preciso que se reconheça a verdade com todas as suas conseqüências: o STF jamais demonstrou a compra de votos no congresso. José Dirceu pode ser criticado por seus erros e escolhas políticas, mas jamais por algum crime comprovado nos autos da ação penal 470. Ele e alguns outros réus sofreram uma condenação injusta. A História os absolverá.

OS INTELECTUAIS E A ESFERA PUBLICA

*Emir Sader

     O governo Lula surpreendeu aos intelectuais, que ficaram desarmados sobre como reagir. Estavam despreparados para encarar um governo que se propunha a enfrentar a herança neoliberal nas condições realmente existentes.

     A primeira atitude foi a mais tradicional nos intelectuais de esquerda: a deníncia de “traição” do Lula, que haveria herdado e mantido o governo neoliberal de FHC e seu programa. A nomeação da equipe econômica seria a prova irrefutável do crime.

     Essa concepção foi adotada desde um primeiro momento pelos intelectuais da ultra esquerda, com seus esquemas pré-fabricados de que todo partido “social democrata”, quando chega ao governo, “trai” a classe trabalhadora e se assume como governo “burguês”, de direita, que apenas administra a crise capitalista, enganando a classe trabalhadora. Só viram no governo Lula a “confirmação” do que sempre – eles e seus antepassados políticos – previam.

     A eles se juntaram os que acompanhavam, com bastante desconfiança, a vitória do PT e, diante da primeira circunstância, se distanciaram, com denúncias similares às mencionadas acima, sem nenhuma criatividade. O PT teria se aburguesado, se distanciado de suas bases tradicionais, se adequado à herança recebida e fazia um governo de continuidade com o governo de FHC. Houve até mesmo economistas que tentaram provar que não teria existido sequer “herança maldita” que demandasse políticas específicas para herdá-las, que tudo eram mentiras do governo Lula para justificar medidas econômicas conservadoras.

     Na crise de 2005, intelectuais da extrema esquerda aderiram ao coro de denúncias da direita contra o governo Lula. Abandonaram qualquer crítica à política econômica e se centraram em que a “traição” teria ganhado contornos morais, com a corrupção grassando em todo o governo Lula.

     Perderam o norte do mundo contemporâneo, em que o capitalismo assumiu o modelo neoliberal, que busca a mercantilização de tudo. Se somaram ao liberalismo, na sua crítica ao Estado, de que as denúncias de corrupção são um capítulo.

     Terminaram fazendo da crítica ao governo Lula e ao PT seu objetivo fundamental, aliados à direita – em particular a seus espaços midiáticos – e terminando grotescamente, assim, sua trajetória intelectual.

    Seguem nesse lugar, sem revelar nenhuma capacidade de análise e compreensão do Brasil e da América Latina contemporâneas, com o que não captam a natureza e o estado atual da luta pela superação do modelo neoliberal.

  Os intelectuais de direita, que se haviam reanimado com os governos Collor, Itamar e FHC, revigorados pelo fim da URSS e, com ela, o fracasso do Estado, se mobilizaram no apoio às versões brasileiras do projeto neoliberal, de forma eufórica. Conseguiam retomar a ofensiva diante da esquerda, com um projeto que se pretendia “modernizador” e desqualificava a esquerda como pré-histórica.

   Uniram-se intelectuais tradicionais da direita – vários deles que haviam estado com a ditadura –, mais intelectuais tucanos e economistas acadêmicos, em torno da liderança de FHC. Tiveram o gosto de derrotar o Lula e o PT duas vezes, pretendiam ter chegado ao poder por 20 anos e ter derrotado de vez a esquerda.

   Naufragaram com o fracasso do governo FHC. Nem foram capazes de fazer um balanço da experiência desse governo e diagnosticar a derrota do candidato de continuísmo – que, na própria distância em relação ao governo de FHC, confessava sua derrota.

   A intelectualidade de esquerda que não se rendeu à fácil versão da “traição” do governo Lula manteve seu apoio ao governo e ao PT, mas em geral sem teorizar as razões desse apoio. Haviam ficado na defensiva diante dos caminhos inesperados adotados pelo governo Lula e as acusações de corrupção levantadas contra ele. Se passava a uma situação claramente de defensiva diante da ofensiva da direita e da ultra esquerda.

   Foi o enfrentamento dessa crise pelo governo Lula e a vitória eleitoral de 2006 – que revelava as novas bases populares que as políticas sociais tinham conquistado para o governo e para a esquerda – que projetaram uma nova imagem do governo. A ideia de que, pela primeira vez, mesmo se por caminhos inesperados e até mesmo reprovados pela esquerda – como os elementos conservadores da política econômica –, a fisionomia social do país tinha mudado, de forma significativa, e pela primeira vez a esquerda tinha uma base realmente popular, voltou a sensibilizar a setores da intelectualidade da esquerda. 

   O apoio ao governo veio, sobretudo, das conquistas sociais dos setores populares e, em menor medida, da política externa soberana do governo. A confiança na figura do Lula comandou essa retomada de apoio dos intelectuais de esquerda ao governo.

   Mas sem ainda teorizar as razões do sucesso do governo. É esse processo que precisa ser dinamizado, para retomar uma interação entre o pensamento crítico e os governos do PT, que tinha sido deixada de lado. O pensamento social necessita rearticular-se com os processos políticos contemporâneos – o brasileiro e o latino-americano – e os governos e os partidos de esquerda precisam da oxigenação do pensamento crítico.

    Essa retomada deve se centrar no balanço da luta pela superação do modelo neoliberal e nos traços fundamentais de uma sociedade fundada na esfera pública, na universalização dos direitos, na democratização radical da economia, da política e da vida cultural.