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Eng. Agrônomo Cleberson Carneiro Zavaski
– AEA-DF
Os riscos eminentes da aprovação do PL
Nº 6.299/2002 e outros projetos apensos a este e o quadro já preocupante da
qualidade dos alimentos no Brasil colidem com a missão de defesa e luta pela
segurança alimentar e nutricional de toda a Agronomia Brasileira, o pressuposto
desta luta deve ser o norteador de nossas posições frente ao Congresso Nacional
e toda a sociedade.
Vale sublinhar que o Brasil é
signatário da “Convenção sobre Procedimento de Consentimento Prévio Informado
para o Comércio Internacional de Certas Substâncias Químicas e Agrotóxicos
Perigosos, adotada em 10 de setembro de 1998, na cidade de Roterdã”.
O tema dos agrotóxicos apresenta
incidência superlativa no Brasil até pelo fato de o país ter se transformado no
maior consumidor destes produtos, afora a histórica frouxidão institucional dos
controles internos, em particular, sobre esses produtos.
Tramita na Câmara dos Deputados, em
Comissão Especial, em regime de prioridade, um conjunto de proposições legislativas
demandando alterações radicais no atual marco regulatório sobre o tema no
Brasil que está assentado na Lei nº 7.802, de 1989.
As proposições em tela são lideradas
pelo PL nº 6.299, de 2002, já aprovado no Senado, de autoria do Senador Blairo
Maggi, Ministro da Agricultura do governo provisório. Antes, a Comissão
Especial estava focada no PL nº 3.200, de 2015, do Deputado Covatti Filho
(PP/RS).
Os textos das proposições são
basicamente coincidentes, fato que sugere a existência de um patrono comum para
os dois projetos de lei. A substituição do PL nº 3.200, pelo PL nº 6.299, como
proposição principal da Comissão Especial, obviamente teve o propósito de
buscar o atalho no processo legislativo da matéria posto que o PL nº 6299 já
passou pelo Senado.
Ao mesmo tempo visou antecipar o apoio
do governo provisório à propositura, vez que o seu autor também é o Ministro da
Agricultura.
Recentemente, especialistas da FAO
estimularam que após trinta anos de implementação do Código Internacional de
Conduta para a Distribuição e Utilização dos Agrotóxicos, as legislações
nacionais passassem a incorporar os avanços científicos observados nesse
período no conhecimento dos impactos dos venenos agrícolas nas pessoas e no
meio ambiente (http://www.fao.org/news/story/es/item/346145/icode/).
Assim, as pretensões expostas no PL
6.299/2002 e seus apensos, sobre a legislação interna atuam na absoluta
contramão dos esforços da FAO, conforme tentaremos demonstrar a seguir. A Lei
nº 7.802, de 1989, alterada pela Lei nº 9.974, de 2000, e regulamentada pelo
Decreto nº 4.074, de 2002, rege a pesquisa, a experimentação, a produção, a
embalagem e rotulagem, o transporte, o armazenamento, a comercialização, a
propaganda comercial, a utilização, a importação, a exportação, o destino final
dos resíduos e embalagens, o registro, a classificação, o controle, a inspeção
e a fiscalização de agrotóxicos, seus componentes e afins.
Os Projetos de Lei em consideração
sugerem a revogação da legislação mencionada e propõem a instituição da
“Política Nacional de Defensivos Fitossanitários e de Produtos de Controle
Ambiental, seus Componentes e Afins”. Esta política pretende regular de forma
amplamente permissiva as atividades relacionadas aos agrotóxicos, “caçando” os
poderes das instituições públicas do meio ambiente e da saúde no controle
desses produtos.
Preditivo dos seus propósitos, de
plano, os proponentes substituem o termo “agrotóxico” por “defensivo
fitossanitário”, numa clara manipulação para fins de mitigação política da
nomenclatura dos venenos agrícolas.
Um retrocesso se for considerado,
especialmente os termos utilizados pela FAO e aplicados mundialmente em
diversos países: pesticides e plaguicidas.
E mais, o texto oficial, em português,
da Convenção antes mencionada utiliza o termo agrotóxico. A própria
Constituição Federal adota o termo agrotóxico (Art. 220,§4º).
Para qualificar as mudanças intentadas
pelas forças ocultas e os proponentes dos referidos projetos com essa investida
legislativa, destacamos:
1. A criação da Comissão Técnica
Nacional de Fitossanitários (CTNFito), em cuja participação não há previsão de
representação dos trabalhadores rurais que aplicam diretamente os venenos ou de
instituições representativas dos profissionais responsáveis pela sua
recomendação através dos Receituários Agronômicos ou pelo sistema CONFEA/CREAs
que fiscalizam tais profissionais e o recolhimento de ARTs em defesa da
sociedade. Essa Comissão tornaria o Brasil possuidor de uma regulação
paraestatal (ou mesmo privatizada) dos agrotóxicos, a exemplo do que ocorre com
os Organismos Geneticamente Modificados. O Parecer emitido pela CTNFito
vincularia os demais órgãos e entidades da administração nos aspectos de
segurança à saúde; meio ambiente; e de eficácia dos produtos ‘defensivos
fitossanitários’ bem assim, os de ‘controle ambiental’. Ou seja, a CTNFito
afastaria de forma absoluta a Anvisa e o Ibama da gestão tripartite dos
produtos agrotóxicos como ocorre atualmente. Ao MAPA restaria a atribuição de
homologar as decisões da CTNFito;
2. Na atualidade, não podem ser
registrados no Brasil:
(i) os agrotóxicos para
os quais o país não disponha de métodos para desativação de seus componentes;
(ii) aqueles que revelem
características teratogênicas, carcinogênicas ou mutagênicas;
(iii) os que provoquem
distúrbios hormonais, danos ao aparelho reprodutor;
(iv) aqueles que se
revelem mais perigosos para o homem do que os testes de laboratório, com
animais; e
(v) os venenos cujas
características causem danos ao meio ambiente.
Os projetos de Lei elencados propõem,
para todos os casos, substituir a ‘proibição’ pela condicionalidade “que
revelem riscos inaceitáveis...” Ficam as seguintes questões: O que seria um
risco inaceitável? Quem determinaria esse risco? A CTNFito!!!
3. O PL de Blairo Maggi, traduzindo as
reivindicações de empresas e de outros interessados ocultos, não define
“intervalo de segurança” na aplicação de agrotóxicos, e assim, deliberadamente,
não prevê o espaço de tempo entre a última aplicação em uma cultura e o plantio
consecutivo de outra cultura, o que abre espaço para a maior intensificação da
aplicação destes agrotoxicos.
4. Pretendem que associações de
agricultores, entidades de pesquisa ou de extensão ou titulares de registros
requeiram a avaliação de novos usos dos agrotóxicos já registrados para
controle de outros alvos biológicos em “cultura com suporte fitossanitário
insuficiente” (CSFI). Todavia, além da ausência de parâmetros científicos de
segurança, quem avaliará o pleito de forma conclusiva será a CTNFito que terá
somente 30 dias para fazê-lo; em não fazendo, o processo estaria deferido. O
MAPA apenas autorizaria o registro;
5. Pelos PLs, as autorizações e
registros dos agrotóxicos estariam vinculados ao parecer técnico, à monografia,
às diretrizes e aprovação correspondentes da CTNFito, sendo vedadas exigências
técnicas de outras instâncias nos aspectos relacionados à segurança e
eficiência. Em relação à monografia, esta seria elaborada pela CTNFito e
atualizada a partir das informações apresentadas pelos próprios requerentes ou
titulares de registros e teriam característica de perpetuidade. Assim, as
monografias, que seriam alimentadas pelas empresas, ficariam imunes aos alertas
e contestações dos órgãos públicos de saúde e meio ambiente. A monografia seria
a garantia do registro;
6. PET - Permissão Experimental
Temporária – Mais uma inovação danosa a todo o sistema atual, com vistas à
flexibilização da legislação. Na atualidade, exige-se o Registro Especial
Temporário (RET) para agrotóxicos, seus componentes e afins, quando se
destinarem à pesquisa e à experimentação cuja expedição requer o cumprimento de
várias exigências técnicas. Com a substituição do registro especial, pela
permissão temporária, as empresas pretendem escapar das exigências atuais;
7. Eliminam a obrigatoriedade de as
empresas prestadoras de serviços na aplicação de agrotóxicos seguirem as
exigências e diretrizes exigidas para os seus registros nos órgãos federais da
saúde, meio ambiente e agricultura como precondição para os respectivos
registros nos órgãos estaduais e municipais. O projeto habilita a CTNFito para
essa finalidade;
8. Ambas as proposições definem as
responsabilidades pelos danos causados à saúde das pessoas, e ao meio ambiente.
No entanto, ao contrário da legislação atual, não explicita as esferas de
responsabilização (administrativa,civil e penal). Ainda que a rigor o fato não
livre os infratores da responsabilidade em qualquer esfera, todavia é no mínimo
inadequada. Tem mais: suprimem a hipótese da responsabilidade do registrante,
por ‘culpa’. Ou seja, este somente seria responsabilizado por dolo, o que
significa, ‘nunca’;
9. Convém alertar que ante as
dificuldades de produzirem novas moléculas com propriedades inseticidas,
herbicidas e fungicidas, as grandes corporações estão obstinadas na
"reutilização" de venenos já abandonados, banidos, proscritos.
Com essa provável legislação, em
especial, com os superpoderes atribuídos à CTNFito estarão dadas as possibilidades
de novas misturas de venenos, não permitidos, para obtenção de registros de
produtos baratos, escondendo os motivos de seu abandono nas formulações
anteriores;
Ante o exposto, e temerosos com o
futuro imediato do Brasil, também neste tema, especialmente tendo em conta as
circunstâncias políticas atuais no Brasil de um governo provisório alçado ao
poder apartir de processo ainda em discussão e não finalizado, devemos construir
o dialogo e a contribuição à sociedade brasileira e ao invés de flexibilizar,
desregrar e desregulamentar devemos estimular e lutar por uma legislação que possa
estimular a conformidade, aos padrões propugnados pela FAO e OMS, das condutas
internas do país na matéria.
Ademais, tendo em vista que o Brasil é
um dos principais exportadores de alimentos do mundo, esse grande afrouxamento
da legislação brasileira pertinente aos agrotóxicos tange também à segurança de
centenas de milhões de consumidores em todo o mundo.
Assim, objetivamente, propomos ao
CONFEA:
a) Considerando que o
objetivo da Convenção antes referida é o de “...promover a responsabilidade
compartilhada e esforços cooperativos entre as Partes...”, seria válido e
oportuno que o CONFEA peticione aos presidentes da Câmara e do Senado, bem
assim, ao Presidente da República, no sentido de formalizar a expectativa pela
modernização das legislações nacionais sobre os agrotóxicos, sem ferir os princípios
e deixar o País em risco com os atuais PLs;
b) Propor a realização
de evento sobre o tema com os especialistas mundiais e representantes do
governo brasileiro, instituições de pesquisa e sociedade civil;
c) Iniciativa de grande
relevância seria uma espécie de auditoria, dos resíduos de contaminantes e de
agrotóxicos nos produtos que integram a dieta básica da população brasileira,
vis a vis os padrões estipulados internacionalmente pelo Codex Alimentarius. O
Comitê do Codex Alimentarius do Brasil (CCAB) tem sido historicamente omisso no
zelo pela qualidade dos alimentos em nosso país. Não é à toa que mesmo tendo
entre as suas atribuições a elaboração e atualização da legislação e regulamentação
nacional de alimentos, esse Comitê assiste, silente, o processo em andamento de
desmonte da legislação brasileira sobre agrotóxicos. Em suma, trata-se de um
colegiado com missão de alto interesse público que, todavia, tem sido
absolutamente omisso no Brasil; sem qualquer transparência e sem participação
da sociedade civil.
Afinal, alem de afetar a sociedade
como um todo a aprovação dos PLs como estão caminhando, levara a uma
insegurança geral e corroborará para o desmonte de categorias profissionais
apartir da flexibilização de normas que podem levar a extinção da exigência de Receituários
Agronômicos e obrigatoriedade de responsáveis técnicos em seu manejo e uso.
Neste sentido devemos perquirir e ir a
fundo neste debate, buscando ao final não inquinar a imagem dos profissionais e
de todo o sistema frente a sociedade brasileira.
*Presidente
da Associação de Engenheiros Agrônomos do DF – Vice-Presidente Centro –Oeste da
Confederação das Federações de Associações de Engenheiros Agronomos do Brasil - CONFAEAB -
Coordenador da CEAGRO-DF - Texto alterado apartir de documento enviado a FAO
pela ABRA no qual a Associação de Engenheiros Agrônomos do DF é signatário.