quarta-feira, 13 de julho de 2016

Subsídios a discussão na CCEAGRO/CONFEA - PL nº 6.299, de 2002


* Eng. Agrônomo Cleberson Carneiro Zavaski – AEA-DF
Os riscos eminentes da aprovação do PL Nº 6.299/2002 e outros projetos apensos a este e o quadro já preocupante da qualidade dos alimentos no Brasil colidem com a missão de defesa e luta pela segurança alimentar e nutricional de toda a Agronomia Brasileira, o pressuposto desta luta deve ser o norteador de nossas posições frente ao Congresso Nacional e toda a sociedade.
Vale sublinhar que o Brasil é signatário da “Convenção sobre Procedimento de Consentimento Prévio Informado para o Comércio Internacional de Certas Substâncias Químicas e Agrotóxicos Perigosos, adotada em 10 de setembro de 1998, na cidade de Roterdã”.
O tema dos agrotóxicos apresenta incidência superlativa no Brasil até pelo fato de o país ter se transformado no maior consumidor destes produtos, afora a histórica frouxidão institucional dos controles internos, em particular, sobre esses produtos.
Tramita na Câmara dos Deputados, em Comissão Especial, em regime de prioridade, um conjunto de proposições legislativas demandando alterações radicais no atual marco regulatório sobre o tema no Brasil que está assentado na Lei nº 7.802, de 1989.
As proposições em tela são lideradas pelo PL nº 6.299, de 2002, já aprovado no Senado, de autoria do Senador Blairo Maggi, Ministro da Agricultura do governo provisório. Antes, a Comissão Especial estava focada no PL nº 3.200, de 2015, do Deputado Covatti Filho (PP/RS).
Os textos das proposições são basicamente coincidentes, fato que sugere a existência de um patrono comum para os dois projetos de lei. A substituição do PL nº 3.200, pelo PL nº 6.299, como proposição principal da Comissão Especial, obviamente teve o propósito de buscar o atalho no processo legislativo da matéria posto que o PL nº 6299 já passou pelo Senado.
Ao mesmo tempo visou antecipar o apoio do governo provisório à propositura, vez que o seu autor também é o Ministro da Agricultura.
Recentemente, especialistas da FAO estimularam que após trinta anos de implementação do Código Internacional de Conduta para a Distribuição e Utilização dos Agrotóxicos, as legislações nacionais passassem a incorporar os avanços científicos observados nesse período no conhecimento dos impactos dos venenos agrícolas nas pessoas e no meio ambiente (http://www.fao.org/news/story/es/item/346145/icode/).
Assim, as pretensões expostas no PL 6.299/2002 e seus apensos, sobre a legislação interna atuam na absoluta contramão dos esforços da FAO, conforme tentaremos demonstrar a seguir. A Lei nº 7.802, de 1989, alterada pela Lei nº 9.974, de 2000, e regulamentada pelo Decreto nº 4.074, de 2002, rege a pesquisa, a experimentação, a produção, a embalagem e rotulagem, o transporte, o armazenamento, a comercialização, a propaganda comercial, a utilização, a importação, a exportação, o destino final dos resíduos e embalagens, o registro, a classificação, o controle, a inspeção e a fiscalização de agrotóxicos, seus componentes e afins.
Os Projetos de Lei em consideração sugerem a revogação da legislação mencionada e propõem a instituição da “Política Nacional de Defensivos Fitossanitários e de Produtos de Controle Ambiental, seus Componentes e Afins”. Esta política pretende regular de forma amplamente permissiva as atividades relacionadas aos agrotóxicos, “caçando” os poderes das instituições públicas do meio ambiente e da saúde no controle desses produtos.
Preditivo dos seus propósitos, de plano, os proponentes substituem o termo “agrotóxico” por “defensivo fitossanitário”, numa clara manipulação para fins de mitigação política da nomenclatura dos venenos agrícolas.
Um retrocesso se for considerado, especialmente os termos utilizados pela FAO e aplicados mundialmente em diversos países: pesticides e plaguicidas.
E mais, o texto oficial, em português, da Convenção antes mencionada utiliza o termo agrotóxico. A própria Constituição Federal adota o termo agrotóxico (Art. 220,§4º).
Para qualificar as mudanças intentadas pelas forças ocultas e os proponentes dos referidos projetos com essa investida legislativa, destacamos:
1. A criação da Comissão Técnica Nacional de Fitossanitários (CTNFito), em cuja participação não há previsão de representação dos trabalhadores rurais que aplicam diretamente os venenos ou de instituições representativas dos profissionais responsáveis pela sua recomendação através dos Receituários Agronômicos ou pelo sistema CONFEA/CREAs que fiscalizam tais profissionais e o recolhimento de ARTs em defesa da sociedade. Essa Comissão tornaria o Brasil possuidor de uma regulação paraestatal (ou mesmo privatizada) dos agrotóxicos, a exemplo do que ocorre com os Organismos Geneticamente Modificados. O Parecer emitido pela CTNFito vincularia os demais órgãos e entidades da administração nos aspectos de segurança à saúde; meio ambiente; e de eficácia dos produtos ‘defensivos fitossanitários’ bem assim, os de ‘controle ambiental’. Ou seja, a CTNFito afastaria de forma absoluta a Anvisa e o Ibama da gestão tripartite dos produtos agrotóxicos como ocorre atualmente. Ao MAPA restaria a atribuição de homologar as decisões da CTNFito;
2. Na atualidade, não podem ser registrados no Brasil:
(i) os agrotóxicos para os quais o país não disponha de métodos para desativação de seus componentes;
(ii) aqueles que revelem características teratogênicas, carcinogênicas ou mutagênicas;
(iii) os que provoquem distúrbios hormonais, danos ao aparelho reprodutor;
(iv) aqueles que se revelem mais perigosos para o homem do que os testes de laboratório, com animais; e 
(v) os venenos cujas características causem danos ao meio ambiente.
Os projetos de Lei elencados propõem, para todos os casos, substituir a ‘proibição’ pela condicionalidade “que revelem riscos inaceitáveis...” Ficam as seguintes questões: O que seria um risco inaceitável? Quem determinaria esse risco? A CTNFito!!!
3. O PL de Blairo Maggi, traduzindo as reivindicações de empresas e de outros interessados ocultos, não define “intervalo de segurança” na aplicação de agrotóxicos, e assim, deliberadamente, não prevê o espaço de tempo entre a última aplicação em uma cultura e o plantio consecutivo de outra cultura, o que abre espaço para a maior intensificação da aplicação destes agrotoxicos.
4. Pretendem que associações de agricultores, entidades de pesquisa ou de extensão ou titulares de registros requeiram a avaliação de novos usos dos agrotóxicos já registrados para controle de outros alvos biológicos em “cultura com suporte fitossanitário insuficiente” (CSFI). Todavia, além da ausência de parâmetros científicos de segurança, quem avaliará o pleito de forma conclusiva será a CTNFito que terá somente 30 dias para fazê-lo; em não fazendo, o processo estaria deferido. O MAPA apenas autorizaria o registro;
5. Pelos PLs, as autorizações e registros dos agrotóxicos estariam vinculados ao parecer técnico, à monografia, às diretrizes e aprovação correspondentes da CTNFito, sendo vedadas exigências técnicas de outras instâncias nos aspectos relacionados à segurança e eficiência. Em relação à monografia, esta seria elaborada pela CTNFito e atualizada a partir das informações apresentadas pelos próprios requerentes ou titulares de registros e teriam característica de perpetuidade. Assim, as monografias, que seriam alimentadas pelas empresas, ficariam imunes aos alertas e contestações dos órgãos públicos de saúde e meio ambiente. A monografia seria a garantia do registro;
6. PET - Permissão Experimental Temporária – Mais uma inovação danosa a todo o sistema atual, com vistas à flexibilização da legislação. Na atualidade, exige-se o Registro Especial Temporário (RET) para agrotóxicos, seus componentes e afins, quando se destinarem à pesquisa e à experimentação cuja expedição requer o cumprimento de várias exigências técnicas. Com a substituição do registro especial, pela permissão temporária, as empresas pretendem escapar das exigências atuais;
7. Eliminam a obrigatoriedade de as empresas prestadoras de serviços na aplicação de agrotóxicos seguirem as exigências e diretrizes exigidas para os seus registros nos órgãos federais da saúde, meio ambiente e agricultura como precondição para os respectivos registros nos órgãos estaduais e municipais. O projeto habilita a CTNFito para essa finalidade;
8. Ambas as proposições definem as responsabilidades pelos danos causados à saúde das pessoas, e ao meio ambiente. No entanto, ao contrário da legislação atual, não explicita as esferas de responsabilização (administrativa,civil e penal). Ainda que a rigor o fato não livre os infratores da responsabilidade em qualquer esfera, todavia é no mínimo inadequada. Tem mais: suprimem a hipótese da responsabilidade do registrante, por ‘culpa’. Ou seja, este somente seria responsabilizado por dolo, o que significa, ‘nunca’;
9. Convém alertar que ante as dificuldades de produzirem novas moléculas com propriedades inseticidas, herbicidas e fungicidas, as grandes corporações estão obstinadas na "reutilização" de venenos já abandonados, banidos, proscritos.
Com essa provável legislação, em especial, com os superpoderes atribuídos à CTNFito estarão dadas as possibilidades de novas misturas de venenos, não permitidos, para obtenção de registros de produtos baratos, escondendo os motivos de seu abandono nas formulações anteriores;
Ante o exposto, e temerosos com o futuro imediato do Brasil, também neste tema, especialmente tendo em conta as circunstâncias políticas atuais no Brasil de um governo provisório alçado ao poder apartir de processo ainda em discussão e não finalizado, devemos construir o dialogo e a contribuição à sociedade brasileira e ao invés de flexibilizar, desregrar e desregulamentar devemos estimular e lutar por uma legislação que possa estimular a conformidade, aos padrões propugnados pela FAO e OMS, das condutas internas do país na matéria.
Ademais, tendo em vista que o Brasil é um dos principais exportadores de alimentos do mundo, esse grande afrouxamento da legislação brasileira pertinente aos agrotóxicos tange também à segurança de centenas de milhões de consumidores em todo o mundo.
Assim, objetivamente, propomos ao CONFEA:
a) Considerando que o objetivo da Convenção antes referida é o de “...promover a responsabilidade compartilhada e esforços cooperativos entre as Partes...”, seria válido e oportuno que o CONFEA peticione aos presidentes da Câmara e do Senado, bem assim, ao Presidente da República, no sentido de formalizar a expectativa pela modernização das legislações nacionais sobre os agrotóxicos, sem ferir os princípios e deixar o País em risco com os atuais PLs;
b) Propor a realização de evento sobre o tema com os especialistas mundiais e representantes do governo brasileiro, instituições de pesquisa e sociedade civil;
c) Iniciativa de grande relevância seria uma espécie de auditoria, dos resíduos de contaminantes e de agrotóxicos nos produtos que integram a dieta básica da população brasileira, vis a vis os padrões estipulados internacionalmente pelo Codex Alimentarius. O Comitê do Codex Alimentarius do Brasil (CCAB) tem sido historicamente omisso no zelo pela qualidade dos alimentos em nosso país. Não é à toa que mesmo tendo entre as suas atribuições a elaboração e atualização da legislação e regulamentação nacional de alimentos, esse Comitê assiste, silente, o processo em andamento de desmonte da legislação brasileira sobre agrotóxicos. Em suma, trata-se de um colegiado com missão de alto interesse público que, todavia, tem sido absolutamente omisso no Brasil; sem qualquer transparência e sem participação da sociedade civil.
Afinal, alem de afetar a sociedade como um todo a aprovação dos PLs como estão caminhando, levara a uma insegurança geral e corroborará para o desmonte de categorias profissionais apartir da flexibilização de normas que podem levar a extinção da exigência de Receituários Agronômicos e obrigatoriedade de responsáveis técnicos em seu manejo e uso.
Neste sentido devemos perquirir e ir a fundo neste debate, buscando ao final não inquinar a imagem dos profissionais e de todo o sistema frente a sociedade brasileira.


*Presidente da Associação de Engenheiros Agrônomos do DF – Vice-Presidente Centro –Oeste da Confederação das Federações de Associações de Engenheiros Agronomos do Brasil - CONFAEAB - Coordenador da CEAGRO-DF - Texto alterado apartir de documento enviado a FAO pela ABRA no qual a Associação de Engenheiros Agrônomos do DF é signatário.

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