quinta-feira, 21 de setembro de 2017

Antes de sair, Rodrigo Janot feriu de morte a lei da grilagem


Por Jacques Távora Alfonsin

Entre os objetivos do golpe de Estado, sofrido pelo país há mais de um ano, estava o de modificar o ordenamento jurídico brasileiro em tudo o que se referisse ao seu território.

Aprofundar a possibilidade da mercantilização da terra sem qualquer restrição que a tanto pudesse ser oposta pela sua função social no meio rural ou urbano; ampliar a possibilidade de sua aquisição por pessoa ou empresa estrangeira; regularizar posses de áreas griladas fazendo passar o ilícito por legal; impedir a reforma agrária; aumentar o avanço da fronteira agrícola para dentro da Amazônia legal; lançar todo o tipo de suspeita sobre áreas indígenas, quilombolas e de assentamentos para viabilizar o esbulho latifundiário sobre elas, esses e outros fins de usurpação privatista e predatória da terra precisavam do golpe de Estado para remover obstáculos contrários, previstos na Constituição Federal.

A edição da Medida Provisória 759 foi o meio escolhido para impor ao território do país toda essa mudança. As resistências imediatamente oferecidas contra ela demonstraram ao (des)governo atual que o seu propósito não conseguiria aceitação fácil. Protestos veementes de movimentos populares defensores dos direitos humanos fundamentais sociais do povo pobre com direito de acesso à terra, de entidades atentas à depredação do nosso meio ambiente, pronunciamentos públicos de juristas e professoras/es de direito, pastorais sociais, logo se manifestaram pela rejeição da Medida.

A Procuradoria da República chegou a publicar notas técnicas sobre esta matéria. Duas delas servem de exemplo. A primeira, do GT- Terras públicas e desapropriação, e a segunda do GT – Reforma Agrária, essa da Procuradoria geral dos direitos do cidadão. Ambas fornecem detalhada demonstração do danoso impacto que a MP 759 provocaria em todo o ordenamento jurídico brasileiro anterior sobre terra, aqui vigente.

Assinada pela Doutora Ela Wiecko Volkmer de Castilho, Sub-Procuradora Geral da República e Coordenadora da 1ª Câmara de Coordenação e Revisão, a primeira nota publicou tabelas comparativas do tipo “como era”, referindo-se às leis anteriores sobre terra no Brasil, e “como passa a ser”, conforme previa a tal Medida Provisória, demostrando a profundidade e a extensão das inconstitucionalidades nela presentes.

A segunda, assinada pela Doutora Debora Duprat, comprova a “subversão da necessária compatibilização da destinação de terras públicas e devolutas com a política agrícola e com o plano nacional de reforma agrária (art. 188 da Constituição). Denuncia “graves repercussões ambientais”, relembra o princípio de proibição do retrocesso social, acusando a proposta de regularização fundiária urbana da Medida Provisória como “desconectada de Plano diretor e de licenciamento ambiental e urbanístico.”

Como costuma acontecer num Estado de exceção, o atual (des) governo pouca ou nenhuma atenção dedicou aos protestos populares e às Notas técnicas da Procuradoria. O Congresso Nacional, hoje reduzido a um simples anexo do Poder Executivo, acolheu a Medida, sendo ela sancionada depois sob nº 13.465, em 11 de julho passado.

Inconformada com esse despropósito, a Procuradoria da República pelo então Procurador Geral Rodrigo Janot, ingressou com uma ação direta de inconstitucionalidade no dia 30 de agosto passado (ADI nº 5.771) junto ao Supremo tribunal Federal, visando ver julgada a referida lei como infringente da Constituição Federal. Como já ocorrera com as Notas Técnicas, o arrazoado desta ação judicial indica tanto os vícios formais da lei como os de conteúdo.

Se esta ação não for julgada procedente, a lei 13.645 vai certamente acirrar os históricos conflitos fundiários, responsáveis por tanta violência e morte no Brasil. Contando com o apoio do (des)governo e da poderosa bancada ruralista garantindo o que bem e mal entende no Congresso Nacional, o Incra e a Funai não terão outro encargo que o de aguardar a tampa do próprio caixão onde o seu novo destino vai desterrar e enterrar um e outra. Os aplausos entusiastas a nova lei, que estão partindo de pessoas jurídicas do poder econômico-político latifundiário, enchendo sites e redes sociais, estão festejando antecipadamente este séquito fúnebre.

A desigualdade social e a pobreza, dois dos nossos maiores males, igualmente, vão testemunhar, de novo, a distância que a interpretação e a aplicação das nossas leis sobre direitos humanos fundamentais sociais sustentam a sua completa ineficácia.

Como o site do Supremo já registra, em todo o caso, o ajuizamento desta ADI proposta pela Procuradoria Geral da República, pode ter o seu andamento acompanhado eletronicamente por quem tiver interesse em conhecer a argumentação comprobatória da inconstitucionalidade denunciada por Rodrigo Janot. Pode ser que, desta vez, direitos e interesses desta grandeza e importância não fiquem reféns da incrível morosidade dos feitos submetidos ao Supremo, diante da avalanche de processos que ele recebe todos os dias.

Sobre o Código florestal, por exemplo, tramitam quatro ações de inconstitucionalidade, relacionadas com várias das suas disposições desde 2013. É de se calcular a extensão dos danos irreversíveis que a terra brasileira está sofrendo desde então, sem que o Poder Judiciário tenha se pronunciado sobre a impossibilidade de efeitos antiambientais e antisociais dessa gravidade terem sido perpetrados contra ela.

O que se encontra em causa na ADI agora ajuizada por Janot não pode esperar tanto tempo. Ela não se reduz a uma disputa ideológica sobre reforma agrária ou urbana. Pela extensão do nosso território e pelos seus efeitos, a própria vida do planeta está em causa. Como as ações de inconstitucionalidade relativas ao Código florestal, aliás, já haviam prevenido.

Blogs DIREITO Social - 18/09/2017 15:54:42

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